A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, votou nesta sexta-feira a favor da descriminalização do aborto em mulheres com até 12 semanas de gestação. O posicionamento ocorreu em plenário virtual e o texto tem 129 páginas.
O ministro Luís Barroso pediu destaque, e, por essa razão, o caso será levado para plenário em análise presencial. Ainda não há data prevista, no entanto. Em seu voto, Rosa Weber argumento sobre gênero, tratamento dos direitos reprodutivos da mulher e outros temas.
Rosa Weber destacou que o voto não aborda moral religiosa, lembrando que o direito tem de ser aplicado a todos. No texto, chega a encerrar a argumentação criticando a falta de participação das mulheres historicamente neste debate. "Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna".
Cidadania e respeito
Adiciona, ainda que "a esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera da moral pública, e principalmente com o espaço de atuação do Estado de Direito, na restrição dos direitos fundamentais", continua. Em seu voto, Rosa Weber resgata a luta feminina pela igualdade, relembrando a Constituição de 1988, que assegurou condições de cidadania e respeito, analisando que é permanente a busca para acabar com a discriminação.
A ministra assinalou, ainda, que é necessário que as mulheres possam tomar decisões sobre o próprio corpo. "Para não incidir em violação do direito fundamental à igualdade, a diferença de tratamento não só deve ser justificada racionalmente, como também deve superar o juízo de proporcionalidade em sede constitucional sobre a relação existente entre a medida legislativa adotada, o resultado significativo produzido e o propósito pretendido. A título de proteção da mulher na sua dimensão biológica mais distintiva, a gestação, e sob o véu da legalidade aparente, encobrem-se autênticas discriminações que impõem papeis sociais às mulheres.", pontua.
Rosa Weber destacou no texto que compete à mulher tomar a decisão sobre maternidade. "A maternidade é escolha, não obrigação coercitiva. Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher, colocando-a como instrumento a serviço das decisões do Estado e da sociedade, mas não suas.".
Direito à saúde
Em seu voto, ainda pontuou que existem tratados sobre a necessidade de garantir o direito à saúde das mulheres. Ela destaca que existem decisões já divulgadas que tornam escolhas sobre o corpo "protegidas da intervenção estatal injustificada. Isso porque trata-se de decisões que pertencem ao campo da autonomia privada e da intimidade da mulher ou do casal, não cabendo ao Estado interferir".
Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher.
ROSA WEBER
Presidente do STF
Acrescenta, também, que há tratados internacionais que cobrem as questões reprodutivas e não existem consensos científicos sobre o início da vida humana na religião, na filosofia e da ética. Defende, ainda, que só existe garantia de direitos após o nascimento e não na concepção. "Tais inferências interpretativas permitem afirmar o propósito do texto constitucional em afastar qualquer compromisso com a tese do direito à vida desde a concepção, a qual, diga-se, foi rechaçada nos trabalhos constituintes".
Coerção penal
Por fim, a presidente do STF destaca que o Código Penal sinaliza que a pena por um homicídio não se equipara a um aborto. "Praticar o infanticídio não gera penas tão graves quanto cometer um homicídio, que, por sua vez, é punível de forma mais exasperada do que a prática de um aborto", analisa. Argumentou, também, que não se deve responsabilizar mulheres criminalmente por gravidez indesejada, principalmente "a coerção penal não oferece desestímulo à situação vivenciada pela mulher que toma a decisão pela interrupção da gravidez. Segundo, não cumpre com o dever de proteção ao nascituro enquanto bem jurídico tutelado pela norma penal".
O voto analisa, também, a necessidade de mudar o entendimento sobre o tema. "No lugar da intervenção extrema do Estado, caracterizada pela coercitividade, revela-se proporcional e adequado a adoção de políticas de estímulo à responsabilidade (feminina e masculina), de perfil preventivo no acesso à educação sexual e aos meios de promoção da liberdade reprodutiva consciente", escreve.