A Polícia Federal (PF) deflagrou, na manhã desta sexta-feira (11), a Operação Lucas 12:2, no âmbito da investigação sobre os presentes dados ao ex-presidente Jair Bolsonaro por delegações estrangeiras. É investigada a tentativa de vender, de forma ilegal, itens como joias e um relógio da marca Rolex.
O advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, está na mira dos investigadores. De acordo com a PF, ele recomprou, nos Estados Unidos, o relógio que teria sido vendido ilegalmente pelo general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid, braço-direito do ex-chefe do Executivo. O objetivo da recompra era entregar para o Tribunal de Contas da União (TCU), que exigiu a devolução do item para a União. De acordo com as regras, os presentes deveriam ser incorporados ao patrimônio do Estado, e não de uma pessoa.
Os montantes "obtidos das vendas foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de laranjas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores", afirma a PF.
Entenda o caso
O que a operação investiga?
A operação investiga supostos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão: dois em Brasília, um em São Paulo e um em Niterói, no Rio de Janeiro
Por que o nome da operação é Lucas 12:2?
A operação foi batizada "Lucas 12:2" em alusão ao versículo da Bíblia, do livro de Lucas, que diz: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido".
Quem são os alvos da operação?
Entre os alvos está o advogado Frederick Wassef, que representou em vários casos o ex-presidente Jair Bolsonaro; o general Mauro César Lourena Cid – pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro – e Osmar Crivelatti, assessor do ex-presidente.
Qual é a origem dos presentes?
Em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, em outubro de 2019, o então presidente Bolsonaro recebeu um estojo de joias, que incluía um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes.
Como a história começou?
Nas últimas semanas, a CPI do 8 de Janeiro identificou uma troca de e-mails do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, tentando vender, por R$ 300 mil, um relógio da marca Rolex, em 6 de junho de 2022. Em e-mail em inglês, uma interlocutora pergunta a Cid quanto ele quer no relógio e dá a entender que ele seria cravejado de platina e diamantes. De acordo com a apuração, o objeto foi vendido pelo general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid, braço-direito do ex-chefe do Executivo.
Após o Tribunal de Contas da União (TCU) determinar a devolução do item, que teria sido vendido para a empresa Precision Watches, o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, recomprou, nos Estados Unidos, o item. O valor, segundo a PF, foi maior do que o obtido na venda.
"Primeiramente o relógio Rolex DAY-DATE, vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado no dia 14/03/2023, pelo advogado Frederick Wassef, que retornou com o bem ao Brasil, na data de 29/03/2023. No dia 02/04/2023, Mauro Cid e Frederick Wassef se encontraram na cidade de São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para Mauro Cid , que retornou para Brasília/DF na mesma data, entregando o bem para Osmar Crivelatti, assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro", afirma o documento (leia íntegra abaixo).
Após essas informações, a Polícia Federal passou a investigar o caso nesta sexta-feira (11). O mandado foi autorizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no bojo do inquérito das milícias digitais.
Ainda nesta sexta-feira, a PF solicitou ao STF a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente. O pedido também inclui a autorização para coletar um depoimento do ex-mandatário sobre o suposto esquema ilegal de venda de presentes. O órgão quer ouvir ainda a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, que teria sumido com joias recebidas pelo então chefe Executivo, conforme apontam mensagens obtidas pelo órgão.
E o caso das joias?
A Polícia Federal começou a investigar, em abril, a tentativa de desvio de outro conjunto de joias que o governo da Arábia Saudita deu ao ex-presidente. O conjunto seria composto por um estojo com colar, anel, relógio e brincos de diamantes, no valor de R$ 5 milhões.
Bolsonaro tentou trazer o conjunto para o Brasil sem passar pelos procedimentos obrigatórios de incorporação dos bens ao patrimônio da União. O caso aconteceu em 2021, mas veio à tona neste ano, depois do fim do mandato do ex-presidente.
Qual a relação com Bolsonaro?
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi a pessoa que recebeu os presentes e Mauro Cid, cujo pai é investigado, era um dos seus mais fiéis auxiliares.
Ao requerer a abertura da operação, a Polícia Federal apontou indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outros dois assessores do ex-chefe do Executivo "atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-Presidente para posteriormente serem vendidos no exterior".
Segundo a corporação, os dados analisados no bojo do inquérito indicam a possibilidade de o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência – responsável pela análise e definição do destino (acervo público ou privado) de presentes oferecidos por autoridade estrangeira ao Presidente – "ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado, presentes de alto valor, mediante determinação" de Bolsonaro.
Os investigadores implicaram diretamente o ex-presidente nas duas hipóteses criminais no centro das apurações. A primeira levanta suspeitas de que o esquema teria ocorrido durante quase toda a gestão de Bolsonaro, entre 2019 e dezembro de 22, com o desvio de presentes recebidos pelo ex-presidente e sua remessa, de forma oculta, para os Estados Unidos, com o avião presencial.
Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor ne? (...)
MAURO CID
Em texto enviado a outro assessor de Bolsonaro, obtido pela PF
A PF indica que, naquele País, os presentes foram encaminhados para lojas especializadas nos estados da Flórida, Nova York e Pensilvânia, "para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta".
Já a segunda hipótese criminal da PF é a de que o mesmo grupo teria ocultado a "origem, localização e propriedade dos recursos financeiros decorrentes da alienação dos bens desviados do acervo público brasileiro".
"Tais recursos ficaram acautelados e sob responsabilidade do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid, e posteriormente transferidos, em dinheiro espécie, para a posse de Jair Messias Bolsonaro", apontaram os investigadores ao representarem pela abertura da fase ostensiva da investigação.
A PF suspeita que os valores obtidos das vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de laranjas e sem utilizar o sistema bancário formal, "com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores".
Em um trecho da representação, a PF cita uma mensagem em que, na avaliação dos investigadores, Mauro Cid "deixa evidenciado o receio de utilizar o sistema bancário para repassar o dinheiro ao ex-presidente e então sugere entregar os recursos em espécie, por meio de seu pai".
"Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em 'cash' aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor ne? (...)", afirmou Cid em texto enviado a um outro assessor do ex-presidente em janeiro de 2023.
Qual a relação com Michelle Bolsonaro?
Auxiliares do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disseram, em mensagens obtidas pela Polícia Federal, que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro "sumiu" com joias recebidas pelo então chefe do Executivo. Em mensagens para discutir se os kits de itens preciosos poderiam ser vendidos, o assessor especial Marcelo Câmara relatou ao ex-ajudante de ordens Mauro Cid sobre o "desparecimento" de objetos. "Porque já sumiu um que foi com a dona Michelle."
"As mensagens revelam que, apesar das restrições, possivelmente, outros presentes recebidos pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro podem ter sido desviados e vendidos sem respeitar as restrições legais, ressaltando inclusive que 'sumiu um que foi com a dona Michelle'", afirma a Polícia Federal (PF). Não há descrição do que "sumiu" com a ex-primeira-dama.
O que a foto do reflexo do pai de Mauro Cid no espelho tem a ver com o caso?
O reflexo de Mauro Cesar Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, na foto usada nas negociações da caixa de uma escultura que Jair Bolsonaro (PL) ganhou de presente, em uma agenda oficial, serviu de prova para a Polícia Federal na operação.
Dentro da caixa na qual aparece o reflexo do general, havia uma escultura de um coqueiro de ouro. Conforme a PF, Lourena Cid enviou as fotos para o filho e pediu orientações de onde levar o objeto para que o valor fosse avaliado. A troca de mensagens entre os dois, que consta na investigação, mostra que eles pretendiam vender a escultura.
De acordo com a apuração, Bolsonaro ganhou a escultura no dia 16 de novembro de 2022, na cerimônia de encerramento do Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira na cidade de Manama, no Reino do Bahrein, nos Emirados Árabes. Há uma imagem, nos autos, do ex-presidente recebendo em mãos o artefato.
Diante dessas novas provas, a PF suspeita de que o próprio Bolsonaro tenha agido para viabilizar a venda de presentes que ele recebeu em agendas oficiais.
O que dizem os citados?
Em nota assinada pelos escritórios de advocacia D.B. Tesser e Paulo Amador Cunha Bueno, e publicado pelo jornal O Globo, o ex-presidente Jair Bolsonaro negou ter se apropriado ou desviado "bens públicos" e afirmou que coloca à disposição da Justiça sua movimentação financeira.
"O Presidente Bolsonaro reitera que jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos, colocando à disposição do Poder Judiciário sua movimentação bancária", diz a nota assinada pelos advogados.
A defesa também afirma que o ex-presidente "voluntariamente e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU – ainda em meados de março, p.p. –, requerendo o depósito dos itens (joias presenteadas por governo estrangeiro) naquela Corte, até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito".
As defesas de Mauro Cid, Mauro César Lorena Cid e Frederick Wassef não se manifestaram até a publicação desta reportagem.