Chamada de PL das Fake News, a proposta de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet pode começar a ser votada nesta terça-feira (2), na Câmara dos Deputados, após a aprovação, na última semana, do regime de urgência para a tramitação do projeto.
O relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), divulgou, no final da noite de quinta-feira (27), parecer preliminar a ser analisado na Casa, que visa estabelecer obrigações a serem seguidas por redes sociais, aplicativos de mensagens e ferramentas de busca na sinalização e retirada de contas e conteúdos considerados criminosos.
Por outro lado, grandes empresas afetadas, as chamadas big techs, como Meta, Google e Twitter, têm se manifestado oficialmente de forma contrária à aprovação do projeto de lei.
Veja a seguir os principais argumentos das big techs contra a aprovação o PL das Fake News, e o que diz o texto do projeto.
O Google, uma das empresas diretamente interessadas no resultado da votação, colocou, na segunda-feira (1º), em sua página principal de busca no Brasil um link para um texto contrário ao PL 2630/2020. Assinado por Marcelo Lacerda, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, pede ação dos usuários contra o projeto, inclusive para cobrar os deputados.
O texto criticando o PL é dividido em seis pontos de destaque. Confira:
- O Google alega que o PL acabaria "favorecendo quem produz desinformação", pois blindaria "a remoção de conteúdo produzido por qualquer empresa constituída no Brasil para fins jornalísticos", além de obrigar que "as plataformas paguem por esse mesmo conteúdo".
- Para a empresa, o PL "coloca em risco o acesso e a distribuição gratuita de conteúdo na internet", pois proibe as licenças de direitos autorais dos criadores. Nesse sentido, prossegue o Goolgle, "as plataformas não poderiam mais oferecer serviços gratuitos de hospedagem ou compartilhamento de conteúdo sem pagar aos criadores que desejam usar seus produtos", o que "poderá deixar de ser viável financeiramente para as plataformas oferecer serviços gratuitos".
- O Google também critica "a criação de uma 'entidade reguladora autônoma' pelo Poder Executivo com as funções de monitoramento e regulação da internet", que teria "amplos poderes para limitar o conteúdo disponível aos brasileiros" e contaria com "baixo nível de supervisão". A empresa ainda afirma que esse órgão poderia obrigar as plataformas a "ceder à entidade de supervisão o controle de suas regras, termos de uso, processos e características dos seus produtos, sem nenhuma checagem ou controle efetivos".
- Para a gigante de tecnologia, o PL "traz sérias ameaças à liberdade de expressão", com "várias disposições que determinam um 'dever de cuidado' a ser executado preventivamente pelas plataformas".
- A empresa ainda alega que o PL "prejudica empresas e anunciantes brasileiros", que "vão precisar lidar com uma série de novas exigências para utilizar publicidade digital como parte de sua estratégia de negócios".
- No sexto e último ponto, o Google afirma que o PL "dificulta o acesso dos brasileiros à busca do Google ao tratar buscadores como redes sociais", o que "acaba causando uma distorção que prejudica a busca". Por fim, critica o projeto por estabelecer "obrigações de remuneração de direitos autorais por quaisquer obras literárias, artísticas ou científicas por plataformas e provedores", o que "pode ter efeitos significativos na disponibilidade desses conteúdos".
Resposta das autoridades ao artigo
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) determinou, nesta terça-feira (2), que o Google sinalize como "publicidade" os conteúdos que estão sendo produzidos e veiculados pela plataforma com críticas ao Projeto de Lei (PL) das Fake News. A decisão foi comunicada em coletiva de imprensa pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e pelo titular da Senacon, Wadih Damous.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou ter solicitado abertura de inquérito administrativo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar possível infração contra ordem econômica por abuso de posição dominante praticada pelo Google.
O Ministério Público Federal (MPF) emitiu, na segunda-feira (1º), ofício que questiona o Google sobre um possível favorecimento, nos resultados de busca, a conteúdos que sejam contrários à proposta. O órgão usou como base um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que monitorou os conteúdos exibidos após a pesquisa de informações sobre o PL 2630. O MPF deu um prazo de 10 dias para que o Google esclareça os critérios usados nos resultados de busca. Em nota, o Google negou as alegações.
O MPF também expediu um documento solicitando informações da Meta, empresa dona do Facebook, sobre os anúncios contratados pelo Google na plataforma.
Meta
Dois dias antes da publicação do Google, a Meta, empresa que engloba as plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp, também publicou comunicado oficial criticando a possível aprovação do PL 2630/2020.
O artigo destaca pontos que, na visão da Meta, são problemáticos, assim como apontado pelo Google. Veja os pontos:
- Segundo o texto da empresa, o PL "conflita com leis existentes, como Marco Civil da Internet e Lei Geral de Proteção de Dados", "inclui dispositivos sobre direitos autorais que são inviáveis", "cria sistema permanente de vigilância, similar ao de países de regimes antidemocráticos" e restringe "ferramentas de marketing para pequenos negócios".
- A Meta destaca ainda que "refuta explicitamente" o argumento de que "as plataformas digitais lucram com conteúdo violento e de ódio", pois "as pessoas usam os aplicativos da Meta porque elas têm experiências positivas: elas não querem ver violência ou ódio, e nossos anunciantes não querem suas marcas associadas a esse tipo de conteúdo".
- O artigo também critica o PL por supostamente prever que as plataformas digitais sejam "aparentemente exigidas a pagar aos detentores de qualquer conteúdo com direito autoral por tudo que eles decidam publicar nos nossos aplicativos".
- Assim como o Google, a Meta afirma estar preocupada com a previsão de que haja "diferentes órgãos do governo responsáveis por definir regulamentações adicionais, o que pode ter implicações na liberdade de expressão na Internet".
- Por fim, a empresa alega que o projeto "traz dispositivos para a publicidade online que burocratiza e restringe as ferramentas de marketing que, antes da Internet, estavam disponíveis apenas para grandes anunciantes em um número reduzido de organizações tradicionais de mídia".
O Twitter é outro gigante da tecnologia que tem se mobilizado contra a aprovação do PL 2630/2020. A empresa publicou um manifesto conjunto contra o projeto em fevereiro de 2022, afirmando, na época, que o PL "deixou de ser sobre combater as fake news". Além do Twitter, também assinam o comunicado "Facebook / Instagram", "Google" e "Mercado Livre".
O artigo, em grande parte, traz argumentos que coincidem com os pontos mais recentemente apresentados por Google e Meta. Veja os destaques:
- Na visão da empresa, o PL "irá restringir o acesso das pessoas a fontes diversas e plurais de informação; desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online; e causar um impacto negativo em milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais".
- A empresa reforça sua desconfiança com suposta determinação do PL de que "as plataformas remunerem os veículos de imprensa que publicam notícias nas redes"; critica pontos em relação à moderação de conteúdo, por supostamente trazer "exigências severas caso as plataformas tomem alguma medida que seja posteriormente questionada e revertida", levantando receio de que "uma enxurrada de processos judiciais levará as plataformas a agir menos na moderação de conteúdo, deixando o ambiente on-line mais desprotegido do discurso de ódio e da desinformação".
- Por fim, o Twitter também destaca no artigo que o PL 2630 "acaba com a democratização da publicidade que foi possível graças à Internet e privilegia alguns grupos de mídia", o que prejudicaria "milhões de pequenos e médios negócios".
Na quarta-feira (26), representantes do Twitter na América Latina fizeram uma reunião com parlamentares que também são contrários ao projeto, Nikolas Ferreira (PL-MG) e Caroline de Toni (PL-SC), para reforçar a posição.
O que diz o texto do projeto sobre as principais queixas das big techs
O texto apresentado por Orlando Silva prevê que, em caso de descumprimento da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e risco aos direitos fundamentais da população, a fiscalização dos provedores (redes sociais, aplicativos de mensagem instantânea a ferramentas de busca) será realizada nos termos de regulamentação própria.
O parecer final do relator também estabelece que os provedores têm o dever de cuidar do conteúdo publicado: agir de forma diligente para prevenir ou reduzir práticas ilícitas no âmbito do seu serviço, com o combate a publicações que incitem crimes de golpe de Estado, atos de terrorismo, suicídio ou crimes contra a criação e adolescente.
Mecanismos de moderação de conteúdos considerados ilegais
As big techs ficariam obrigadas a criar mecanismos para que os usuários denunciem conteúdos potencialmente ilegais. Deverão ainda cumprir regras de transparência; submeter-se a auditorias externas; e atuar contra os riscos sistêmicos dos algoritmos que possam levar à difusão de conteúdos ilegais ou violar a liberdade de expressão, de informação e de imprensa e ao pluralismo dos meios de comunicação social ou de temas cívicos, político-institucionais e eleitorais.
As empresas poderão ser responsabilizadas na Justiça por danos causados por meio de publicidade de plataforma e pelo descumprimento das obrigações de combater conteúdo criminoso. Já os usuários afetados pela remoção de conteúdo deverão ser notificados pela empresa para que possam recorrer da decisão.
São considerados "ilegais", segundo o projeto, conteúdos que configurem:
- Crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de estado;
- Atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo;
- Crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação;
- Crimes contra crianças e adolescentes, e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes ou apologia de fato criminoso ou autor de crimes contra crianças e adolescentes;
- Crimes de discriminação ou preconceito;
- Violência de gênero;
- Infração sanitária, por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
As possíveis sanções às empresas responsáveis, previstas no projeto, são:
- Advertência;
- Multa diária;
- Multa simples, de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício ou, ausente o faturamento, multa de R$ 10 até R$ 1.000 por usuário cadastrado do provedor sancionado, limitada, no total, a R$ 50.000.000, por infração;
- Publicação da decisão pelo infrator;
- Proibição de tratamento de determinadas bases de dados;
- Suspensão temporária das atividades
- Proibição de exercícios das atividades.
Publicidade digital
A publicidade digital, se o PL for aprovado, deverá permitir a identificação do anunciante e do responsável pelo impulsionamento de conteúdo. Por sua vez, o usuário precisaria ter à disposição as informações do histórico dos conteúdos publicitários com os quais a conta teve contato nos últimos seis meses. Além disso, o compartilhamento de dados pessoais dos usuários para usos mercadológicos deverá cumprir as regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Conteúdo jornalístico e direitos autorais
A proposta determina que os provedores remunerem o conteúdo jornalístico e os conteúdos protegidos por direitos autorais. O projeto prevê que "conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas". A forma dessa remuneração, caso o projeto seja aprovado, deverá ser determinada pela regulamentação posterior. O texto do projeto destaca ainda que "a remuneração não deve onerar o usuário final que acessa e compartilha sem fins econômicos os conteúdos jornalísticos".
O projeto ressalta também que "a regulamentação a que se refere esse artigo deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias, na forma do regulamento", e que "o provedor não poderá promover a remoção de conteúdos jornalísticos disponibilizados com intuito de se eximir da obrigação de que trata este artigo, ressalvados os casos previstos nesta Lei, ou mediante ordem judicial específica".
Entidade fiscalizadora
O relator Orlando Silva retirou, em seu último parecer, a previsão de criação de uma entidade autônoma fiscalizadora, que funcionaria como uma espécie de agência reguladora formada por integrantes do Executivo. A nova estrutura responsável por esta atividade está pendente, e será debatida entre os líderes partidários. Uma das possibilidades é destinar a função à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).