Com votação prevista para terça-feira (2), o PL das fake news contém uma aberração que ainda poderia ser corrigida, mas não será: é a extensão da imunidade parlamentar às manifestações nas redes sociais. Trocando em miúdos, isso significa que os políticos terão liberdade para mentir e disseminar inverdades, inclusive pagando para impulsionar seus conteúdos. Não será modificado porque os beneficiados por essa exceção admitida no relatório do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) são aqueles que votarão a nova lei.
A imunidade parlamentar deveria ser restrita a opiniões, mas seu conceito, cada vez mais elástico, contraria um dos principais princípios da Constituição de 1988.
No artigo 5º da Constituição está escrito: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Os parlamentares formariam uma categoria acima dos mortais e poderiam continuar usando suas redes para confundir a população, como fez o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ao espalhar o boato de que, se aprovado o projeto, trechos da Bíblia poderiam ser censurados. É falso: em seu artigo 1º, o projeto garante a livre manifestação religiosa, assim como a artística e a política.
A oposição apelidou o projeto de PL da censura, mas não é disso que se trata. Comparar o que prevê o PL com a censura real em Cuba, China ou Venezuela é desinformação ou má fé. O que o Brasil está tentando aprovar é o que também tentam outras democracias, especialmente na Europa.
No Brasil, as pessoas poderão continuar opinando nas redes. O que não podem, basicamente, é usar as plataformas para cometer crimes, como fazer propagandas nazistas, estimular crianças e adolescentes a se mutilarem, praticar bullying, o que muitas vezes leva ao suicídio.
No último domingo (30), reportagem do Fantástico mostrou como o aplicativo Discord, originalmente uma inocente ferramenta de diálogo entre grupos, tem sido usado para propagação de comportamentos de violência extrema. Em conversas na plataforma, menores de idade são expostos a situações de importunação sexual, incentivo à automutilação e crueldade contra animais.
Quem defende o vale tudo em nome da liberdade deveria assistir à reportagem para entender que não se pode ser conivente com o crime, sobretudo quando envolve crianças.
Aliás
Seria simples acabar com os perfis falsos nas redes sociais no Brasil: bastaria que só fosse permitida uma conta por CPF. Hoje, o que mais se vê são pessoas que se escondem atrás de um pseudônimo e assim sentem-se livres para agredir ou disseminar inverdades.