A Polícia Federal prendeu preventivamente o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro nesta quarta-feira (22), em uma operação intitulada Acesso Pago, que investiga a responsabilidade dele no caso do gabinete paralelo da pasta, utilizado para favorecer prefeituras na destinação de verbas. O esquema foi revelado pelo Estadão.
Agentes da corporação cumpriram 13 mandados de busca e apreensão e cinco ordens de prisão em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal. Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura também foram alvos.
Entenda, em tópicos, o que a Polícia Federal já apurou sobre o caso.
Por que o ministro foi preso?
O mandado de prisão preventiva contra Ribeiro foi expedido por ordem do juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, e cita supostos crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência. As acusações se referem a um suposto balcão de negócios envolvendo a liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para prefeituras.
Como funcionava o esquema?
De acordo com o Estadão, um "gabinete paralelo" formado por pastores no MEC tem garantido repasses federais com agilidade fora dos padrões. Os pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade, que hoje são alvos da PF, conquistaram acesso ao Executivo federal ainda em 2019, antes mesmo da chegada de Ribeiro ao MEC, e são próximos da família Bolsonaro.
Com trânsito livre na pasta, os pastores atuariam como lobistas, segundo o Estadão. Viajam em voos da FAB e abrem as portas do gabinete do ministro para prefeitos e empresários. O grupo é capitaneado por Santos e Moura.
O Estadão identificou a presença dos dois em 22 agendas oficiais no MEC, 19 delas com o ministro, nos últimos 15 meses. Algumas são descritas como reunião de "alinhamento político" na agenda oficial de Ribeiro, que também é pastor.
Em 2019, eles foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao menos duas vezes. Em 2020, mais uma audiência na Presidência da República. O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) também os recepcionou.
Segundo a publicação, eles operariam em duas frentes: levam prefeitos a Brasília, participando de encontros no MEC, e acompanham o ministro em viagens pelo país.
Movimentação financeira suspeita
A defesa do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro admitiu que houve um depósito de R$ 50 mil na conta de Myriam Ribeiro, mulher do ex-chefe da pasta. O advogado Daniel Bialski alegou que o valor seria oriundo da venda de um carro. No entanto, segundo a investigação da PF o valor estaria ligado aos pastores. O criminalista não comentou a relação do depósito com o ex-ministro, nem nomeou o autor do depósito.
Quem são os pastores?
Gilmar Santos é líder do Ministério Cristo para Todos, um ramo da Assembleia de Deus, com sede em Goiânia. O ministro Ribeiro já pregou no templo, durante culto denominado Ceia Geral. A igreja dele é de pequeno porte, se comparada a outros braços da Assembleia de Deus com atuação nacional. Além de Goiás, está presente em Estados como Maranhão, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Santos diz ter mais de 40 anos como pastor. Também é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos.
Santos se notabilizou no meio evangélico como um pregador conhecido por frequentar diversas igrejas, para além do meio "assembleiano". Apesar da amizade pública e do acesso diferenciado ao ministro Milton Ribeiro, o vínculo com o governo Bolsonaro é anterior à chegada de Ribeiro à Esplanada dos Ministérios.
Quem abriu as portas do governo a ele e a seu braço direito, Arilton Moura — também investigado na operação —, foi o deputado João Campos (Republicanos-GO), pastor da Assembleia de Deus Ministério Vila Nova, ligado à Convenção de Madureira, conforme informações de integrantes da bancada evangélica.
Braço direito de Gilmar Santos, Moura atua como assessor de Assuntos Políticos da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos.
Moura é apresentado, em registros oficiais do governo, com o cargo de secretário nacional da entidade. Em 2018, ocupou o cargo de secretário extraordinário para Integração de Ações Comunitárias, no governo Simão Jatene, no Pará.
Em março de 2022, Moura foi acusado de pedir pagamentos em dinheiro e até em ouro em troca da liberação de recursos para escolas e creches, conforme denúncia do prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB).
Qual o custo aos cofres públicos?
Desde o começo de 2021, Gilmar Santos e Arilton Moura intermediaram reuniões de prefeitos no ministério que resultaram em pagamentos e empenhos (reserva de valores) de R$ 9,7 milhões dias ou semanas após os encontros.
Só em dezembro do ano passado, o órgão firmou termos de compromisso — uma etapa anterior ao contrato — com nove prefeituras, totalizando R$ 105 milhões em repasses, após reuniões com os pastores.
Quais vantagens as prefeituras tinham?
A destinação de verbas para uma prefeitura geralmente é um processo burocrático e demorado. Com a ajuda dos pastores, contudo, certos municípios conseguiram a liberação do empenho de recursos em tempo recorde. É o caso da prefeita Marlene Miranda (PCdoB), de Bom Lugar (MA), que teve o pedido de dinheiro atendido em apenas 16 dias, prazo muito abaixo dos padrões da distribuição de recursos da pasta. A Secretaria da Educação de Pernambuco, por exemplo, levou 10 anos para obter R$ 198,7 mil do FNDE.
Uma das principais atuações dos pastores seria justamente esta: abrir a agenda do ministro para acesso de prefeitos e empresários próximos ao grupo, de modo a levar ao MEC suas demandas. Marlene, por exemplo, pediu R$ 5 milhões para a construção de uma escola em sua cidade. Ela esteve no gabinete de Ribeiro em 16 de fevereiro, por intermédio dos religiosos. Em 4 de março, o FNDE reservou R$ 200 mil para pagamento à prefeitura.
Marlene é uma das exceções no esquema. Prefeitos do Progressistas, do PL e do Republicanos teriam preferência para conseguir a ajuda dos pastores. Essas legendas integram o núcleo duro do Centrão. O bloco de partidos é justamente o que comanda o FNDE.
Prioridade a "amigos" de pastor é citada em áudio
Em conversa gravada, Milton Ribeiro admitiu que prioriza o atendimento a prefeitos que chegam ao MEC por meio dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Falando a dirigentes municipais dentro do ministério, Ribeiro disse que segue ordem do presidente Jair Bolsonaro.
— Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos) — diz ele.
Arilton Moura e Gilmar Santos estavam presentes na reunião.
— A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar — afirmou Ribeiro, em gravação divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.
O que diz a defesa do ex-ministro?
Nesta quarta-feira, a defesa de Milton Ribeiro classificou a ordem de prisão preventiva como "injusta, desmotivada e indiscutivelmente desnecessária". O advogado de Ribeiro informou ainda que já pediu acesso aos autos da investigação, que corre sob sigilo, para entrar com habeas corpus e tentar derrubar decreto de custódia preventiva. A defesa busca o "reconhecimento da coação ilegal imposta", argumentando que os fatos que motivaram a prisão "são pretéritos e sem contemporaneidade".
Qual o destino de Ribeiro?
O juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, determinou que, assim que a prisão preventiva fosse cumprida, o ex-ministro fosse levado para a Superintendência da Polícia Federal em Brasília. A audiência de custódia do aliado do presidente Jair Bolsonaro — que chegou a dizer que botava "a cara toda no fogo" pelo então ministro — está prevista para as 14h desta quinta-feira (23). A defesa pediu à Justiça que o ex-ministro não seja transferido a Brasília e possa permanecer custodiado no Estado de São Paulo, até uma audiência por videoconferência.