Correção: o nome da juíza responsável pela decisão que havia proibido a veiculação da reportagem em agosto de 2021 é Tatiana Di Lorenzo, e não Karine Farias Carvalho, como informou este texto entre 15h29min e 19h02min de 11/01/2022. O texto foi corrigido.
Uma delação premiada feita ao Ministério Público (MP) revela um suposto caso de pagamento de propina ao atual prefeito de Bagé, Divaldo Lara (PTB), realizado por uma organização social que administrava postos de saúde e ambulâncias na cidade.
Segundo a denúncia do MP, o prefeito receberia valores de até R$ 40 mil por mês para manter contratos de cerca de R$ 27 milhões com a Ação Sistema de Saúde e Assistência Social. O dono da organização, Giovani Collovini Martins, foi quem denunciou o suposto esquema na delação.
Os fatos foram revelados no Jornal do Almoço desta terça-feira (11), na RBS TV, pelo repórter Giovani Grizotti. A reportagem estava sob censura após decisão da Justiça gaúcha, em agosto do ano passado.
A juíza Tatiana Di Lorenzo, da 18ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, concedeu liminar a pedido de Lara e determinou que a RBS TV não divulgasse os dados obtidos na investigação do MP, decisão que foi mantida pelo desembargador Jorge André Pereira Gailhard, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
A RBS TV recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), e obteve decisão favorável do ministro Gilmar Mendes. Em liminar, ele suspendeu a proibição.
Segundo a delação, R$ 800 mil em propinas teriam sido distribuídos em contratos com as prefeituras de Bagé e de Santana do Livramento. O valor seria dividido entre os dois municípios.
Lara afirma que as denúncias não são verdadeiras e que os contratos, que são de 2018, foram extintos. Ele garante ainda que não conhece o delator e que vai processá-lo na Justiça. O prefeito diz também acreditar que, quando os fatos forem aprofundados pela Justiça, serão julgados improcedentes.
De acordo com o promotor Antônio Kepes, da Procuradoria de Prefeitos do Ministério Público, a Ação Sistema de Saúde e Assistência Social contratava mão de obra para as áreas da saúde e educação. A fiscalização do contrato, no entanto, não era realizada.
— Era uma farra, não havia fiscalização. Quando feita, era prestação de contas com auxílio de servidor da prefeitura. Eles se reuniam até para isso — afirmou.
Em Bagé, a delação resultou em denúncia criminal por crimes como corrupção e organização criminosa, e uma ação civil pública por improbidade administrativa, na qual o promotor Claudio Morosin conseguiu o bloqueio de bens de Divaldo Lara e ainda pediu à Justiça que ele seja declarado inelegível. Na ação criminal, a Justiça ainda aguarda a manifestação dos envolvidos para decidir se aceita a denúncia.
Em troca de contratos de R$ 20 milhões, segundo o delator, o prefeito teria recebido propina mensal de R$ 40 mil. O delator afirmou que o pagamento seria feito por seu sócio, Edinilson Nogueira Kailer, atual diretor da Solução em Gestão, organização que administra unidades de saúde em Novo Hamburgo. A esposa de Edinilson, Edinele Kailer Martins, também faria parte do esquema, conforme o MP.
A RBS TV teve acesso a um vídeo gravado ainda antes da delação, no qual o delator descreve os supostos pagamentos feitos a Lara por seu sócio.
— Recebi uma mensagem do Edinilson dizendo o seguinte: "Vou sacar R$ 40 mil para o DL". E foi mais ou menos o período ali em que o prefeito se ausentou, ele foi pra Europa. DL, na verdade, queria dizer Divaldo Lara — explicou Giovani Martins.
A investigação
Na investigação, os promotores cruzaram mensagens de celular com quebras de sigilo bancário. Em uma delas é citado o saque de R$ 40 mil. O extrato bancário confirma que, no dia da mensagem, um saque foi realizado, e em dinheiro vivo, em uma agência.
Os pagamentos de propina, conforme o delator, aconteciam nos dias em que a prefeitura liberava o dinheiro do contrato à empresa, como mostra uma tabela obtida pela reportagem. Para cada transferência, um saque na boca do caixa.
Entre os dias 25 e 27 de outubro de 2017, o município transferiu para a conta da Ação Sistema de Saúde e Assistência Social mais de R$ 600 mil. Nesses dias, foram descobertos dois saques, em dinheiro vivo, de R$ 40 mil cada.
O delator diz que o dinheiro foi entregue em um posto desativado da Polícia Rodoviária Federal na BR-153. O cruzamento de dados entre as quebras de sigilo bancário e telefônico mostram que o sócio da organização se deslocou da agência bancária até o local.
Segundo o MP, o prejuízo aos cofres públicos teria sido de R$ 1,1 milhão. Além das propinas, o órgão diz que descobriu um cabide de empregos para apadrinhados políticos na terceirizada. O delator afirma que vereadores e o próprio prefeito indicavam cargos, sem qualquer critério.
Um relatório de inteligência, ao qual a reportagem teve acesso, mostra nomes de funcionários da entidade e fotos em que aparecem fazendo campanha eleitoral para Divaldo Lara. O prefeito teria mandado contratar até uma sobrinha dele.
Além de Lara, foram denunciadas pelo MP outras sete pessoas, incluindo sócios da organização e altos funcionários do município. A denúncia ainda não foi recebida pela Justiça. Com os bens bloqueados por causa de outros dois processos, Lara se reelegeu em 2020, com 50% dos votos. Uma de suas bandeiras na campanha foi o combate à corrupção, simbolizado por um relho.
Contrapontos
O prefeito de Bagé, Divaldo Lara, afirma que as denúncias, que são do ano de 2018, improcedem. Os contratos referidos na reportagem foram extintos e inclusive já passaram pela aprovação e crivo do Tribunal de Contas, não havendo nenhuma ilicitude nos mesmos. Não há nenhuma prestação de serviço desta empresa em Bagé. Com relação ao colaborador, o prefeito informa que nunca o viu pessoalmente , que nem sequer o conhece e que tomará as medidas judiciais cabíveis. Divaldo Lara atribui o fato de uma notícia velha vir à tona novamente à clara intenção de adversários políticos, que fazem denúncias vazias e que se utilizam do Ministério Público e da imprensa para propagar inverdades.
O advogado de Divaldo Lara, José Henrique Salim Schmidt, informa que a colaboração premiada referida na reportagem foi impugnada judicialmente por incompetência da Justiça do Estado para sua homologação e já foi informado ao juízo o descumprimento dos compromissos assumidos pelo colaborador, o que retira a credibilidade de suas afirmações, eis que atuou em outras licitações, causa de rescisão do acordo de colaboração premiada.
As defesas de Edinilson Nogueira Kailer, Edinele Kailer Martins e também da Ação Sistema de Saúde e Assistência Social informaram à reportagem que não irão se manifestar.
A defesa do delator Giovani Collovini Martins disse que não houve nenhum descumprimento de requisitos legais.