O presidente Jair Bolsonaro afirmou na segunda-feira (27) que a tendência do Ministério Público é arquivar o relatório a ser entregue pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado.
— Eu não posso admitir certas acusações. Vão fazê-las. Tudo bem. Vai passar pelo Ministério Público. Eu acho que o MP vai... A tendência é arquivar esse negócio todo. Isso é um circo. Não interfiro em decisões do senhor (procurador-geral da República) Augusto Aras, zero, mas ele tem consciência do que está acontecendo — disse o chefe do Executivo em entrevista à Jovem Pan.
Aras é considerado um aliado político do Planalto e é o responsável por dar andamento a eventuais denúncias sobre a conduta do presidente durante a pandemia que devem ser apresentadas pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar também ganhou críticas de Bolsonaro durante a entrevista:
— Me chama todo momento de corrupto. Acho que está olhando para o espelho.
O chefe do Executivo garantiu que receberá o relatório "com tranquilidade".
Facada
Bolsonaro ainda declarou que não está satisfeito com a conclusão da Polícia Federal de que Adélio Bispo, que o esfaqueou durante a corrida eleitoral de 2018, agiu sozinho.
— Trocou o diretor da Polícia Federal para a gente continuar investigando, mas no meu ver tem muito interesse para que isso seja abafado — afirmou o presidente.
Mendonça
Na entrevista, Bolsonaro defendeu a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF), negou que esteja trabalhando contra o ex-ministro da Justiça e disse acreditar na aprovação do nome à Corte pelo Senado. Contudo, o Planalto não tem trabalhado ativamente para pressionar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pautar a sabatina de Mendonça no colegiado.
— Espalham boatos de que eu estaria trabalhando contra o André, não tem cabimento — disse Bolsonaro à Jovem Pan.
— André Mendonça tem resistência por parte de alguns, mas acredito que passe. (...) André sabe a Bíblia toda e conhece a legislação muito bem — acrescentou.
Ao indicar Mendonça, Bolsonaro cumpriu promessa de indicar alguém "terrivelmente evangélico" para a Suprema Corte.
De acordo com o chefe do Executivo, ele não recebeu pressões para indicar o ex-ministro ao STF, mas afirmou que é preciso ter nomes que passem no Senado, a Casa responsável por aprovar indicações à instância máxima do Judiciário.
—(É preciso) alguém que tome Tubaína comigo e passe lá por aquele gargalo que é o Senado — declarou.
Também por isso, disse Bolsonaro na entrevista, ele indicou o ministro Kassio Nunes Marques, já em atuação no Supremo.
— Era o nome que passaria com tranquilidade lá — acrescentou.
O presidente também disse manter encontros regulares com Nunes Marques. "Uma vez por mês. Às vezes, duas".
Apesar das dificuldades para emplacar Mendonça, Bolsonaro disse que, hoje em dia, a maioria do Parlamento "dança a mesma música" que o governo. Ele ainda voltou a dizer que o presidente que assumir em 2023 indicará dois ministros para o STF.
— Devagar, vai mudando — declarou.
Em 2023, aposentam-se da corte os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
O presidente também afirmou que indicaria outro evangélico para o STF caso André Mendonça, seja rejeitado no Senado.
— No compromisso que fiz junto aos evangélicos, eu indico outro evangélico. Mas acho que vai dar certo o André — reforçou.
Em seguida, o chefe do Executivo discorreu sobre o perfil que deseja para um ministro da Suprema Corte: "o que eu quero de um ministro do Supremo? A pauta de costumes, a questão da economia, o marco temporal", afirmou, na entrevista.
Bolsonaro, contudo, não quis comentar durante a entrevista sobre a resistência do presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre, em pautar a indicação de Mendonça no colegiado, o que travou o processo de indicação do ex-ministro da Justiça.
— Não quero entrar em boatos. Todo mundo quer poder — limitou-se a dizer.
Eleições
Apesar de voltar a elogiar a proposta do voto impresso, derrotada na Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as eleições de 2022 podem ter credibilidade com o acompanhamento dos processos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelas Forças Armadas.
Em agosto, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou medidas para ampliar a transparência dos mecanismos de auditoria do sistema eletrônico de votação, criticado sem provas por Bolsonaro, mas considerado seguro por especialistas. Entre as propostas, a Corte eleitoral criou uma comissão externa para acompanhar o funcionamento do sistema eleitoral com a participação de representantes de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Polícia Federal (PF) e as Forças Armadas.
— Tenho certeza que as Forças Armadas não vão aparecer como moldura desse quadro. Nós devemos ter acesso desde a primeira fase até a última fase. Se nós participarmos de todas as fases, com essas outras entidades, dá para você ter credibilidade no sistema — declarou Bolsonaro na entrevista à Jovem Pan. — As sinalizações de Barroso nos dão certa tranquilidade — acrescentou.
Ainda assim, o presidente voltou a questionar a segurança do processo eleitoral.
— Obviamente, no sistema eletrônico quando entra fator humano, você fica preocupado — afirmou, na entrevista, sobre a participação de entidades.
— Queremos lisura. Queremos garantir que se você votou no João, seu voto foi pro João. A gente quer isso aí. A gente não conseguiu o voto impresso, que seria, ao meu ver, solução ideal — voltou a dizer o presidente. — Eu temo a volta da esquerda, mas se voltar pelo voto, paciência.
A PEC do voto impresso não conseguiu adesão suficiente dos deputados para seguir a tramitação na Câmara. À época, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), havia afirmado que o presidente se comprometeu a não mais tocar o assunto caso a proposta fosse derrotada em plenário, promessa que não se concretizou. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, chegou a ameaçar Lira por meio de interlocutor de que não haveria eleições em 2022 sem voto impresso, como revelou o Estadão/Broadcast Político.
Mourão
Depois de já ter dito que o vice-presidente Hamilton Mourão atrapalha e compará-lo a um cunhado, o presidente Jair Bolsonaro afirmou agora que o general ainda não está descartado como seu companheiro de chapa nas eleições do ano que vem.
— Não está descartado, mas não está garantido — disse o chefe do Executivo na entrevista.
Bolsonaro já sinalizou várias vezes que não pretende ter Mourão como vice em 2022, fato já reconhecido, inclusive, pelo próprio vice-presidente em entrevistas.
Questionado sobre quem poderia dividir chapa no ano que vem, se não estiver com Mourão, o presidente disse ter "algumas pessoas" no radar.
— Muitos falam que seria bom alguém de Minas ou do Nordeste. Tem que ser alguém sem ambição pela cadeira (de presidente) — destacou.
O presidente reconheceu, também, que está atrasado para escolher seu partido para disputar a reeleição.
Bolsonaro disse ainda ao longo da entrevista que é preciso ter mais militares no governo.
— Militar não é incorruptível, mas a chance de se corromper militar é menor — avaliou o presidente, desconsiderando as suspeitas de corrupção expostas pela CPI da Covid com possível participação de militares alojados no Ministério da Saúde.
De origem militar, o chefe do Planalto voltou a dizer que mantém conversas com integrantes das Forças Armadas.
— O meu relacionamento com o ministro da Defesa e com comandantes de Forças é dez. É 100%. Agora, nós conversamos onde podemos ir, onde somos prejudicados por certas ordens — declarou.
Pouco depois, na mesma entrevista, descartou mais uma vez a possibilidade de uma ruptura.
— Não queremos um regime de exceção.
Ainda no tema eleições, Bolsonaro voltou a questionar as pesquisas de intenção de voto.
— Lula tem voto, mas não é isso que estão botando — afirmou.
Em seguida, confirmou que debateria com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve enfrentar nas urnas em 2022. Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro evitou comparecer aos debates eleitorais.
Fake News
Na avaliação do presidente Jair Bolsonaro, até o STF quer se ver livre do inquérito das fake news.
— Com todo respeito, sei que posso ser investigado por algo que fiz no meu governo. Mas não dessa forma, sem anuência do Ministério Público, é um negócio capenga — disse o chefe do Planalto na entrevista. — Não vou jogar fora das quatro linhas (da Constituição), mas também não posso admitir que joguem fora das quatro linhas para me atingir.
De forma indireta, o presidente ainda criticou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pela devolução ao governo da Medida Provisória que dificultava a remoção de conteúdos falsos das redes sociais.
— Não existe a figura de devolução da Medida Provisória, engoli mais um sapo e resolvi ficar quieto — disparou.
Apesar de dizer que não deseja polemizar com o STF, Bolsonaro voltou a elogiar os atos de 7 de Setembro, marcados por ameaças à Corte e pivôs do crescimento da tensão entre os poderes.
— Foi algo inacreditável, nos dá uma injeção de ânimo — disse o presidente sobre as manifestações.
Medicamentos sem eficácia
Durante a entrevista, o presidente da República voltou a criticar o passaporte da vacina e a defender seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, marcado pela defesa de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.
— Falei de tratamento precoce na ONU, 90% (do governo) não queriam que eu tocasse no assunto — lembrou Bolsonaro, voltando a dizer que tomaria o kit covid novamente, se infectado.
Segundo ele, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o ministro da Advocacia-geral da União (AGU), Bruno Bianco, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que testaram positivo para o novo coronavírus, "tomaram alguma coisa" para se tratarem da doença.
Sem apresentar provas ou ser contestado pelos entrevistadores, Bolsonaro afirmou ainda, durante a entrevista, que o "pavor" da covid leva a queda de imunidade, e, assim, pode aumentar a possibilidade de infecção.
— Tem estudos reais aí fora de que quem se imunizou pelo vírus está dez vezes mais imunizado que pela vacina — disse, ainda, sem tampouco citar estudos científicos.
A vacinação é considerada a melhor forma de vencer a pandemia e a imunidade trazida pela infecção é muito menos duradoura, como já mostrou a ciência.
— A história vai demonstrar que nós fizemos a coisa certa — finalizou Bolsonaro sobre o assunto.
Precatórios
O presidente voltou a reconhecer, a "bomba fiscal" representada pelo pagamento de precatórios de 2022, mas afirmou que o impasse é uma armação contra o seu governo.
— Se tiver que pagar todos os precatórios ano que vem, não vai ter orçamento, vou entregar a chave para alguém — declarou Bolsonaro na entrevista à Jovem Pan. — Temos que negociar. Nós sabemos que precatórios, em grande parte, são armação, para ser educado. Mas vamos vencer — acrescentou.
—(Precatórios) Atendem, em grande parte, Estados do Nordeste. É um negócio que começou em 2002 e vem estourar no meu colo agora, parece que era programado estourar isso aí no meu colo nesse momento.
O chefe do Executivo confirmou ao longo da entrevista que o governo negocia a questão dos precatórios com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e outros ministros.