Por trás da resposta dura dada pelo governador Eduardo Leite ao presidente da República, Jair Bolsonaro, a quem acusou de semear "confusão" e "mentiras", está a indignação diante de insinuações do chefe do Executivo nacional, lançadas nas redes sociais, de que os Estados receberam dinheiro federal e não usaram na área da saúde.
Bolsonaro afirmou que o governo gaúcho recebeu R$ 40,9 bilhões do Palácio do Planalto em 2020, mas incluiu nesse bolo — sem fazer qualquer distinção ou ressalva — desde repasses obrigatórios, que estão previstos na Constituição e que independem de sua vontade, até valores não pagos da dívida com a União, suspensa por liminar desde 2017, que nada tem a ver com a pandemia.
A título de comparação, toda a receita corrente líquida do Estado foi de R$ 42,1 bilhões em 2020, segundo relatório de execução orçamentária publicado em 28 de janeiro.
Leite, que ensaia voo nacional e pode concorrer à Presidência em 2022, convocou uma coletiva de imprensa, na segunda-feira (1º), para confrontar as afirmações de Bolsonaro e apresentar o posicionamento do governo do Estado em relação ao destino dado ao dinheiro.
Os recursos
Dos R$ 40,9 bilhões citados por Bolsonaro, segundo o governador, R$ 3,05 bilhões foram de fato recursos extras liberados em meio à crise sanitária, sendo que R$ 826 milhões foram carimbados para a saúde. A maior parte do valor (R$ 2,149 bilhões) envolveu verbas sem vinculação obrigatória a uma determinada área, isto é, de uso livre.
Todos os Estados receberam dinheiro dessa forma, que foi transferido a partir de articulação do Congresso para ajudar a repor as perdas econômicas. No caso do Rio Grande do Sul, só para suprir a queda na arrecadação de ICMS foram repassados R$ 1,945 bilhão em quatro parcelas (veja os detalhes abaixo).
Esse dinheiro, conforme o Palácio Piratini, foi essencial para evitar um colapso nos serviços públicos prestados à população. Aliado aos resultados das reformas administrativa e previdenciária, que permitiram redução inédita das despesas com pessoal em cerca de R$ 1,1 bilhão em 2020, a cifra de uso livre ajudou o governo do Estado a regularizar o pagamento de servidores, mas não foi só isso. Com o recurso extra e o esforço na contenção de outros gastos, também foi possível regularizar os compromissos com fornecedores, que chegaram a ter dois meses de atraso, e manter os repasses a hospitais e a prefeituras dentro da normalidade. Sem essas medidas, a situação hoje seria ainda pior para a população.
Quanto aos R$ 826 milhões para a saúde, com destinação específica para o enfrentamento da pandemia, o valor, conforme Leite, foi integralmente utilizado para esse fim. A verba extra ajudou, por exemplo, na abertura de novos leitos de UTI, que passaram de 933 antes da pandemia para 2.109, um crescimento de 126,4%. A área da saúde recebeu R$ 1,1 bilhão a mais do governo gaúcho em 2020, em comparação com 2019. A diferença supera os R$ 826 milhões repassados pela União e representou crescimento real (descontada a inflação) de 13,25%.
Em entrevista ao programa Timeline, na Rádio Gaúcha, na manhã desta terça-feira (2), o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, falou sobre o tema e reforçou a posição de Leite ao criticar o presidente.
— O que não se deve fazer é causar confusão, misturar informações e dados que nada têm a ver com a pandemia. O governador mostrou explicitamente que o volume de recursos que veio para o Estado relacionados à pandemia somou R$ 3 bilhões e não R$ 40 bilhões. Quando a gente parte para um debate que não é técnico, a gente confunde as pessoas. Os recursos que os Estados recebem do governo federal não são benevolências, são estabelecidos na Constituição. Parte do imposto de renda pertence às prefeituras e aos Estados, da mesma forma que metade do IPVA pertence às prefeituras, não é uma benevolência do governador fazer a transferência — disse Cardoso.
O que diz o Ministério da Economia
GZH pediu um posicionamento oficial do Ministério da Economia sobre o tema. Por e-mail, a assessoria de comunicação da pasta não comentou a diferença de interpretação dos dados nem a manifestação do governo estadual. Limitou-se a informar que "as transferências constitucionais e legais e os repasses extraordinários devido à covid-19 feitos ao Estado do RS podem ser consultados na página de transferências constitucionais do Tesouro".
Além disso, enviou um resumo dos principais valores que, segundo o órgão, foram transferidos em 2020 ao governo estadual, que, somados, chegam a cerca de R$ 15 bilhões — sendo R$ 6,5 bilhões em transferências constitucionais e legais, R$ 2,3 bilhões de repasses extraordinários devido à covid-19, R$ 126 milhões extras via Fundo de Participação dos Estados e R$ 6,1 bilhões em valores não pagos da dívida.
Bolsonaro ainda havia incluído no cálculo R$ 12,2 bilhões em auxílio emergencial para cidadãos gaúchos, embora esse dinheiro não tenha passado pelos cofres do Estado.