No ano marcado pela eclosão da pandemia do coronavírus, com efeitos devastadores sobre todos os setores da sociedade, o governo do Rio Grande do Sul conseguiu fechar 2020 com um déficit seis vezes menor do que o registrado em 2019. O desafio, agora, é garantir que os resultados sigam melhorando, mesmo diante das incertezas de 2021.
Apesar da crise e das dificuldades impostas pela covid-19, o rombo ficou em R$ 597 milhões no ano passado, bem abaixo dos R$ 3,4 bilhões contabilizados no período anterior (veja os gráficos). A cifra inclui valores não pagos da dívida com a União, o que ocorre desde 2017.
Para o resultado, contribuíram pelo menos três fatores. O primeiro deles envolve as reformas administrativa e previdenciária aprovadas entre 2019 e 2020. As mudanças permitiram uma redução inédita das despesas com pessoal, estimada em cerca de R$ 1 bilhão. Em segundo lugar, o governo manteve sob estrito controle os demais gastos e não concedeu reajustes aos servidores.
O terceiro ingrediente essencial para o desfecho foi o socorro federal em meio à epidemia. Entre junho e setembro de 2020, a União repassou cerca de R$ 2 bilhões ao Estado. Até o recurso entrar em caixa, o governador Eduardo Leite viveu meses difíceis.
Só em maio, o ICMS — principal imposto estadual — teve queda de 28,6% em relação ao mesmo período de 2019. Os atrasos nos contracheques de servidores se alongaram. As perspectivas eram as piores possíveis, até que chegou a ajuda de Brasília.
O dinheiro liberado em quatro parcelas compensou as perdas na arrecadação e foi essencial para que Leite conseguisse, depois de quase cinco anos, voltar a pagar os salários dos servidores do Executivo em dia.
Com a melhora do fluxo de caixa, também foi possível regularizar os compromissos com fornecedores, que chegaram a ter dois meses de atraso, e manter os repasses a hospitais e a prefeituras dentro da normalidade. Até a dívida do caixa único (que centraliza as contas de todos os órgãos do Estado) diminuiu.
— O que houve foi uma conjunção dos astros. Tudo convergiu para que o governo conseguisse superar as adversidades. As reformas foram aprovadas no momento certo, eliminando benefícios que não tinham mais o menor cabimento, a revisão do plano de carreira dos professores ajudou e o auxílio da União foi providencial. Começo a acreditar que temos chances de atingir o equilíbrio, mas é claro que isso ainda está condicionado a uma série de variáveis — afirma Darcy Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas.
Para o economista Eugenio Lagemann, professor aposentado da UFRGS e ex-auditor fiscal, tudo depende do desenrolar de 2021. Na avaliação dele, a expectativa de uma boa safra pode ajudar o Estado a seguir com os compromissos em dia, mas ainda há dúvidas sobre os rumos da pandemia, a velocidade da vacinação e o impacto das novas variantes da covid-19.
— O problema é que 2021 é um novo ano e chega cheio de indefinições. Sabemos que o governo federal dificilmente terá margem para socorrer Estados e municípios outra vez. Isso fez toda a diferença em 2020 — pondera Lagemann.
O cenário nebuloso também preocupa o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso. Apesar dos avanços, Cardoso concorda que o destino da economia será determinante para o futuro das finanças do Estado. Além disso, ele continua apostando na adesão ao regime de recuperação fiscal da União como garantia de que os problemas estruturais do Rio Grande do Sul terão solução (leia mais detalhes abaixo).
— Tivemos resultados melhores em 2020, mas as medidas de ajuste precisam continuar. A situação ainda exige atenção — reforça Cardoso.
Novo plano à vista
Embora o Palácio Piratini venha tentando, sem êxito, aderir ao regime de recuperação fiscal desde 2017, há um fato novo capaz de destravar as negociações em 2021: a lei, sancionada em janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro, que facilita o acesso ao programa federal.
Com isso, a Secretaria Estadual da Fazenda se prepara para apresentar um novo plano de reequilíbrio das contas à equipe do Tesouro Nacional. Isso deve ocorrer assim que a norma estiver regulamentada, provavelmente a partir de março.
Caso a adesão se confirme, o Estado terá assegurada a suspensão gradual do pagamento da dívida por 10 anos (hoje a inadimplência é amparada em liminar judicial) e obterá autorização para novos financiamentos (atualmente proibidos). Em troca, terá de reduzir incentivos fiscais, instituir um teto de gastos estadual e privatizar estatais, entre outras medidas.
Por conta das exigências e pelo fato de empurrar o problema da dívida para o futuro, o assunto não é consensual fora do governo — críticos sustentam que as contrapartidas são duras demais. No caso do Rio de Janeiro, único Estado a aderir à proposta até agora, o governo fluminense enfrentou dificuldades nos últimos três anos para cumprir o acordo.
Em dezembro, aquele Estado teve de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para não ser excluído do regime pelo Tesouro Nacional e para evitar a cobrança dos passivos vencidos, o que inviabilizaria a gestão. Agora, o governo do Rio planeja pedir adesão ao novo regime, já com as regras alteradas, na tentativa de solucionar o impasse.
Nesta quarta-feira (3), o governador Eduardo Leite tocou no assunto ao apresentar a agenda de projetos prioritários em 2021, entre eles a atualização da lei estadual que autorizou o Rio Grande do Sul a ingressar no programa federal, em razão das mudanças na legislação nacional. Durante a coletiva de imprensa, Leite argumentou que não há alternativa ao Estado.
— A alteração no regime vem no sentido de facilitar a adesão. Se, com o ingresso facilitado pela lei, o Estado não fizer a sua parte, a liminar que temos se fragiliza. O Estado tem de mostrar boa vontade, porque é isso que vai sustentar a liminar — enfatizou Leite.
De 2017, quando obteve aval da Justiça para parar de pagar a União, até dezembro de 2020, o Palácio Piratini deixou de repassar R$ 11,1 bilhões aos cofres federais (equivalente a oito folhas do Executivo). Se a liminar cair, será preciso voltar a bancar as parcelas mensais, de cerca de R$ 300 milhões (em torno de R$ 4 bilhões ao ano). Leite e o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, afirmam que não haverá recursos para isso.