Buscado pelo Palácio Piratini desde 2017, o acordo entre o Rio Grande do Sul e a União para adesão ao regime de recuperação fiscal vai se concretizar ao longo de 2021. A projeção é feita pelo secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, que é taxativo ao afirmar que o Rio Grande do Sul cumpre todos os pré-requisitos para assinar os novos termos do socorro federal, recém aprovado pelo Congresso.
Incerteza ainda paira, segundo Cardoso, sobre o futuro do pagamento em dia dos salários dos servidores. Se os primeiros meses de 2021 estão garantidos, o restante do próximo ano, não. Nesta entrevista de projeção para 2021, o secretário estadual da Fazenda diz que “o equilíbrio (fiscal) do Estado ainda é frágil” e que a manutenção do pagamento em dia do funcionalismo depende do comportamento da economia.
O próximo ano, conforme o chefe da Fazenda, também será marcado pelas privatizações da CEEE, no primeiro semestre, e da Sulgás, no segundo. Já o modelo de venda da CRM, estatal gaúcha de mineração, é alvo de incertezas e não há prazo para a venda se efetivar.
Ao falar sobre a possibilidade de uma nova tentativa de reforma tributária em 2021, Cardoso diz que isso dependerá de fatores externos, como a economia e o debate tributário nacional.
Qual o cenário projetado para as finanças do RS em 2021?
Conseguimos uma série de avanços importantes, mas claro que ninguém contava com a pandemia. No biênio 2019 e 2020, o Estado aprovou um conjunto único de medidas. As reformas previdenciária e administrativa foram muito profundas e já estão dando efeitos em termos de economia de gastos, temos privatizações em andamento e, na parte tributária, a gente conseguiu avançar. Os frutos disso a gente já tem conseguido colher. O Estado termina o ano com fluxo de caixa mais estabilizado. Mas, 2021 ainda é um ano de incerteza e projetos desafiantes, e um quadro de incerteza econômica: a pandemia ainda não está resolvida, o Brasil está muito mais endividado do que há um ano, existe muito ruído político em nível nacional. Então é um ano ainda desafiante e incerto, com projetos importantes para a gente ter sucesso, como privatizações, adesão ao regime de recuperação fiscal e o próprio Fundeb (por conta das novas regras).
Os servidores receberão em dia durante todo o ano de 2021, já que as alíquotas de ICMS ficaram elevadas?
A gente ainda não tem essa certeza, o equilíbrio (fiscal) do Estado ainda é frágil. A gente evitou essa perda (de receita com a manutenção do ICMS elevado), mas a gente ainda não tem uma poupança guardada. O Estado está contando com a receita mensal para fazer seus pagamentos. Então, a gente depende de como vai evoluir a economia (em 2021).
Até quando é possível dizer que estão garantidos os salários em dia?
A reforma (com manutenção das alíquotas elevadas de ICMS) acabou de ser aprovada. Tem um monte de questões financeiras acontecendo. O acordo para compensações pela Lei Kandir foi sancionado na terça-feira (29). Agora, vamos reprojetar o fluxo de caixa para o ano que vem. A gente prefere hoje não dar uma data. Ainda estamos trabalhando no mês a mês.
Nas últimas semanas, se concluiu a formatação do novo modelo de regime de recuperação fiscal. Mudaram a lei e as regras. Como fica a situação e os prazos para o Rio Grande do Sul?
O regime ficou muito melhor como estrutura. Evita ter de renegociar outro regime de recuperação logo depois. A previsão é de sanção da lei do novo regime na primeira quinzena de janeiro, depois tem a regulamentação pela Secretaria do Tesouro Nacional. Então vamos trabalhar a partir de janeiro nesta via dupla, eventualmente colaborar com a regulamentação e refazer o nosso cenário para adesão ao regime. A adesão fica muito mais próxima. A gente não volta para a estaca zero de jeito nenhum. O conjunto de medidas é basicamente o mesmo. O regime como um todo ficou melhor, como trajetória de longo prazo. Um Estado assim como o nosso precisa de muitos anos de disciplina fiscal. Botar o salário em dia dos servidores é uma grande vitória mas não significa solução de nossos problemas.
E a estimativa de data para adesão?
Acredito que no ano que vem. Até porque a lei ficou mais ou menos assim: você sinaliza o interesse em aderir, isso deve acontecer no início do ano de 2021, assim que regulamentar. A gente tem as condições, a gente possui os critérios de enquadramento. E aí o prazo de negociação vai ser o prazo que o futuro decreto presidencial estabelecer. Mas essa negociação final não tomaria mais do que um ano. A gente espera concluir neste ano que vem.
Quando se concretizam as privatizações da CEEE, da Sulgás e da CRM?
A CEEE são três vendas separadas. O edital já publicado é o da CEEE Distribuidora. Usualmente, essas operações demoram 60 dias ou um pouco mais. A CEEE Geradora e a Transmissora estamos finalizando o edital, são vendas separadas, mas o fato é que na CEEE a conclusão das vendas está prevista para o primeiro semestre. No caso da Distribuidora, não se tem expectativa de receber recursos. No caso da Geradora e Transmissora, sim. A Sulgás provavelmente no meio do segundo semestre estará com a venda concluída. No caso da CRM é um pouco diferente, pois é um negócio cuja atratividade e potencial de venda é incerto. Ainda estamos modelando. A gente não tem uma data e um modelo.
A arrecadação em 2021 foi resolvida pelo projeto tampão de manutenção das alíquotas elevadas de ICMS por mais um ano. Qual é o plano da Fazenda para os tributos gaúchos a partir de 2022?
A gente sempre colocou com muita clareza que o RS tem um déficit tremendo, que se acumulou ao longo do tempo. E apesar de a gente estar com uma situação de caixa melhor, a gente continua sem pagar a dívida com a União, e essa situação não será eterna. O Estado precisa encaixar na sua receita o pagamento de despesas que hoje não está pagando. E temos pela frente o desafio da nova emenda constitucional do Fundeb (que pode exigir do Estado um aumento de investimento de R$ 3,2 bi em educação). A opção soberana da Assembleia foi de manter o patamar de arrecadação por mais um ano. Há incerteza especialmente grande sobre a pandemia. Quanto tempo ainda vai demorar? Se torna muito difícil projetar o quadro de 2021 e de 2022, nem se fala. Além disso acho que é provável que a reforma tributária nacional volte com mais força em 2021. Imagino que será uma agenda prioritária tanto do Congresso quanto do governo federal. O que virá da reforma tributária nacional também vai impactar a nossa discussão. Os valores, os princípios de uma reforma da tributária, estavam na nossa proposta. Se isso vai voltar ou não depende do momento econômico. Se a reforma nacional andar, vários dos temas que havíamos colocado estarão já contratados. Eventualmente, não dependerá de um debate local. É prematuro dizer. O debate de outra reforma vai depender desses elementos: como estará a economia do país, como a gente vai evoluir no fluxo de caixa e se a reforma nacional vai avançar.
Olhando em retrospectiva, qual ponto da reforma tributária tentada pelo governo do Estado em 2020 enfrentou mais resistência?
Era uma proposta ousada e transformadora. Acho que, quando a gente falou em (cortar) incentivos da cesta básica e sobre o quão ineficientes eles são, é algo que causa reação (negativa). E causou um estranhamento de que fosse algo arrecadatório, em cima dos mais humildes. A solução que a gente trazia era a desoneração para quem precisa, com a devolução de ICMS, não a desoneração sobre o produto. Foi uma inovação que gerou muita reação. Acho que também a mudança nos impostos sobre a propriedade (ITCD, imposto que incide sobre a transmissão de heranças e doações) sempre é difícil, mesmo que você mostre que estaria muito mais do que compensando. A verdade é que era uma reforma grande, uma mexida completa, em muitos itens ao mesmo tempo, em meio à pandemia. E sabendo que qualquer Estado ou país, quando faz reforma tributária, é absolutamente impossível que todo mundo continue pagando o mesmo que pagava. Só é possível se se fizesse uma redução generalizada da tributação, o que o Brasil poderia ter tentado no momento de grande crescimento econômico. No momento (atual) de esgotamento é muito difícil fazer uma reforma e renunciar a muita arrecadação. Você tem que ter um olhar de justiça e eficiência, e eventualmente algumas pessoas e produtos podem ser onerados, porque no conjunto da economia não vão prejudicar a competitividade. A gente tem que ser capaz de construir esse pacto coletivo em algum momento.
Além da reforma tributária, outros projetos estruturantes do governo do Estado também foram adiados, como mudança das alíquotas da previdência dos militares e a implementação do teto de gastos. Qual o peso dessas duas medidas?
Sobre as alíquotas, são quase R$ 200 milhões a mais ao ano, e a aprovação desse projeto recuperaria o alinhamento de contribuição entre os servidores civis e militares. Se contar que representaria uma redução de contribuição para 96% dos ativos, por conta da implementação das alíquotas progressivas. Teto de gastos estadual é uma exigências do novo regime. Ele entrou como uma das medidas obrigatórias para quem aderir à recuperação fiscal. É um debate obrigatório que o Estado terá que fazer. Não garante propriamente nenhuma economia a curto prazo, mas tem um efeito a longo prazo de evitar qualquer adicional de recursos que se acabe sendo direcionado para despesas de pessoal e custeio.