Questionado na manhã desta segunda-feira (3), em São Paulo, sobre o fato de a Polícia Federal (PF) ter concluído não haver indícios de que o senador Flávio Bolsonaro (ex-PSL-RJ) tenha cometido os crimes de lavagem de dinheiro e de falsidade ideológica, o presidente Jair Bolsonaro se limitou a dizer:
— Pergunta pra PF, eu não me meto nas questões do Judiciário.
O filho do presidente é investigado em inquérito eleitoral que mira tanto as negociações de imóveis como sua declaração de bens na eleição de 2018. A previsão é de que o relatório final da polícia sobre o caso seja entregue à Justiça nos próximos dias.
Bolsonaro está na capital paulista para o lançamento da pedra fundamental do Colégio Militar de São Paulo, que será construído no Campo de Marte e tem inauguração prevista para o final de 2022. Debaixo de chuva forte, houve uma bênção católica para o início das obras. José de Anchieta foi declarado padroeiro do colégio.
Flávio Bolsonaro esteve presente na cerimônia. O presidente chegou acompanhado também do deputado Eduardo Bolsonaro (ex-PSL-SP), além dos ministros da Educação, Abraham Weintraub, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A secretária de Cultura, Regina Duarte, e o irmão de Bolsonaro, Renato, compareceram.
Após o mesmo evento, Flávio foi questionado sobre a investigação.
— Quando a investigação é isenta, só tem esse resultado possível — declarou.
O resultado apurado pela PF sobre Flávio não coincide com os elementos encontrados em um outro inquérito, do Ministério Público do Rio de Janeiro, que apura a prática de "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Nesse tipo de esquema, funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados. Flávio cumpriu mandato como parlamentar na Assembleia de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.
Segundo a Promotoria, que investiga a prática de peculato, ocultação de patrimônio e organização criminosa, Flávio lavou até R$ 2,3 milhões com transações imobiliárias e com sua loja de chocolates, uma filial da Kopenhagen. O senador nega que tenha cometido os crimes sob apuração.
Embora não sejam sobre o mesmo objeto, as investigações da Polícia Federal e do MP-RJ se esbarram em relação aos imóveis de Flávio. O procedimento que hoje está com a PF teve como origem uma notícia crime feita pelo advogado Eliezer Gomes da Silva com base em reportagem da Folha de S.Paulo de janeiro de 2018, que apontava a evolução patrimonial de Jair Bolsonaro, então deputado federal, e seus filhos políticos.
Na denúncia, o advogado destacou o fato de Flávio ter declarado em 2014 e 2016 ser proprietário de um imóvel em Laranjeiras, mas ter atribuído valores distintos ao mesmo bem em cada ano. No inquérito em andamento no âmbito estadual, o Ministério Público disse ter encontrado suspeitas de que o senador usou recursos em espécie na compra de apartamentos com o objetivo de lavar dinheiro da "rachadinha" da Assembleia Legislativa.
A investigação local começou após um relatório de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter detectado uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão no intervalo de um ano nas contas de Fabrício Queiroz, funcionário do gabinete de Flávio e amigo do presidente Jair Bolsonaro.
No caso dos apartamentos, a desconfiança do MP-RJ é que os valores registrados por Flávio em cartórios não sejam verdadeiros. Na investigação da PF, porém, não foram apontados indícios nesse sentido.
Nas reportagens de janeiro de 2018, as primeiras sobre o patrimônio da família, a Folha de S.Paulo mostrou que Flávio entrou na política com um Gol 1.0, em 2002. Quinze anos depois, quando se candidatou ao Senado, tinha dois apartamentos e uma sala que, segundo a prefeitura, valem R$ 4 milhões. Ele realizou operações envolvendo 19 imóveis.
A Folha de S.Paulo também mostrou que, no início de 2018, Bolsonaro e seus três filhos que exercem mandato — Carlos, Flávio e Eduardo — eram donos de 13 imóveis com preço de mercado de pelo menos R$ 15 milhões, a maioria em pontos altamente valorizados do Rio, como Copacabana, Barra da Tijuca e Urca.
Quando entrou na política, em 1988, Bolsonaro declarava ter apenas um Fiat Panorama, uma moto e dois lotes de pequeno valor em Resende, no interior no Rio — valendo pouco mais de R$ 10 mil em dinheiro atual. Desde então, sua única profissão é a política. Foram sete mandatos como deputado federal e, agora, como presidente.
O pedido de abertura de inquérito sobre as suspeitas em torno de Flávio chegou à PF depois que o procurador regional eleitoral do Rio, Sidney Madruga, tentou arquivar o caso. Como a Folha de S.Paulo revelou em fevereiro do ano passado, o procurador quis encerrar a apuração sem ter feito nenhuma diligência. O arquivamento pedido por Madruga foi vetado por uma câmara criminal do Ministério Público Federal (MPF), que determinou uma avaliação mais rigorosa do caso.
Na ocasião, a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio afirmou que Madruga entendeu que não havia crime eleitoral "com base na jurisprudência consolidada há anos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)". O procedimento foi enviado, então, à Polícia Federal. Assim que recebeu o material, a PF mandou um pedido de análise para a Procuradoria-Geral da República (PGR), para saber em qual instância a investigação deveria ficar. Como o inquérito foi aberto antes de Flávio tomar posse no Senado, o entendimento foi de que deveria permanecer no primeiro grau, no Rio.
Sob o comando do ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, a Polícia Federal vive clima de instabilidade desde agosto do ano passado, quando Bolsonaro anunciou uma troca no comando da superintendência do órgão no Rio de Janeiro e ameaçou trocar o diretor-geral, Maurício Valeixo.
No meio da polêmica, o presidente chegou a citar um delegado que assumiria a chefia, mas foi rebatido pela Polícia Federal, que divulgou outro nome: o de Carlos Henrique de Oliveira, da confiança da atual gestão. Após meses de turbulência, o delegado assumiu o cargo de superintendente, em dezembro.
No fim de janeiro, o presidente colocou de volta o assunto na mesa, quando incentivou um movimento que pedia a recriação do Ministério da Segurança Pública. Isso poderia impactar diretamente a polícia, que poderia ser desligada da pasta da Justiça e ficaria, portanto, sob responsabilidade de outro ministro. Bolsonaro depois voltou atrás e disse que a chance de uma mudança nesse sentido era zero, ao menos neste momento.
Por trás da crise de agosto do ano passado estava um despacho de um delegado responsável por uma investigação sobre crimes previdenciários no Rio, no qual ele levantou a suspeita de quem seria um homem identificado como Hélio Negão, mesmo codinome do deputado federal amigo de Bolsonaro.
Desde o início de seu governo, principalmente por causa de Flávio, Bolsonaro tem reclamado em momentos privados e também publicamente sobre uma tentativa de perseguição à sua família.
O inquérito da Polícia Federal está com o delegado Erick Blatt desde antes da chegada do novo superintendente.