O senador Flávio Bolsonaro, o policial militar (PM) aposentado Fabrício Queiroz e outros ex-assessores do filho do presidente Jair Bolsonaro foram alvo nesta quarta-feira (18) de uma operação comandada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Entre os 24 alvos da operação que apura suposta lavagem de dinheiro estão parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro — sendo que alguns moram em Resende (RJ).
Já foram recolhidos documentos e celulares na casa de alguns dos alvos. O Ministério Público ainda não se pronunciou sobre a operação, alegando que o procedimento corre sob sigilo.
As buscas e apreensões ocorrem após quase dois anos do início das investigações contra o PM aposentado. A Promotoria fluminense recebeu em janeiro de 2018 o relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) apontando movimentações atípicas de Queiroz.
No caso de Flávio, o alvo de busca e apreensão foi a loja de chocolates do senador. Os agentes chegaram por volta das 6h40min ao shopping Via Parque, na Barra da Tijuca (zona oeste), onde fica a franquia da Kopenhaguen do senador, e deixaram o local por volta das 10h40min.
Flávio é dono de 50% da franquia desde janeiro de 2015. A firma é citada num relatório do Coaf que descreve oito transferências que somam R$ 120 mil dela para o senador entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. A empresa também foi alvo de quebra de sigilo bancário e fiscal pela Justiça em abril.
A defesa de Flávio ainda não se manifestou. Já a da família de Queiroz afirmou que recebe a ação "com tranquilidade e, ao mesmo tempo surpresa, pois é absolutamente desnecessária".
— Ele sempre colaborou com as investigações, já tendo, inclusive, apresentado todos os esclarecimentos a respeito dos fatos — disse o advogado Paulo Klein. — Ademais, surpreende que o mesmo MP reconhecendo que o Juízo de Primeira instância seria incompetente para processar e julgar qualquer pedido relacionado ao ex-deputado o tenha feito e obtido a referida decisão — completou.
Ele se refere ao posicionamento da procuradora Soraya Gaya, que atua na 2ª Câmara Criminal, que foi favorável à concessão de foro privilegiado ao senador em habeas corpus protocolado por Flávio. A defesa desistiu depois do pedido.
Queiroz é pivô de uma investigação que tem como alvo o próprio senador e outras 101 pessoas físicas e jurídicas, que tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados.
A Promotoria suspeita de um esquema conhecido como "rachadinha" no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro no período em que foi deputado estadual e manteve Queiroz como seu empregado (2007-2018).
A prática consiste em coagir servidores a devolver parte do salário para os deputados. Estão sendo investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
Mensagens reveladas pela Folha de S.Paulo em outubro já mostravam a preocupação de Queiroz com as investigações do Ministério Público. Em áudios de WhatsApp, ele descrevia o caso como um problema "do tamanho de um cometa" e se queixava de falta de proteção.
— Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Ver e tal É só porrada. O MP (Ministério Público) tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir — disse o PM aposentado, em áudio de julho deste ano.
Os áudios foram enviados por Queiroz a um interlocutor não identificado, por meio do WhatsApp. A fonte que repassou as gravações à reportagem pediu para não ter o nome revelado.
A apuração sobre Flávio começou em janeiro de 2018 quando o Coaf, órgão federal ligado ao Banco Central, enviou espontaneamente um relatório indicando movimentação financeira atípica de Queiroz de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia Legislativa do Rio.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Flávio, por sua vez, afirmava que quem devia explicações sobre a movimentação financeira era seu ex-assessor.
Desde que o caso foi revelado, Queiroz teve raras aparições públicas. De acordo com sua defesa, ele está em São Paulo desde dezembro do ano passado para o tratamento de um câncer.
A apuração ficou pouco mais de quatro meses interrompida por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, alegando que o Coaf não poderia compartilhar dados detalhados das movimentações bancárias — tese que foi derrotada no plenário no início do mês.
Embora estivesse empregado no gabinete de Flávio de 2007 a 2018, a origem da relação de Queiroz com a família Bolsonaro é o presidente da República. Os dois se conhecem desde 1984 e pescavam juntos em Angra dos Reis.
O PM aposentado também depositou R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro em 2016. O presidente afirma se tratar de parte da quitação de um empréstimo de R$ 40 mil.
Queiroz também passou um problema para a família presidencial para além da questão financeira. Foi o PM aposentado quem indicou duas parentes do ex-capitão Adriano da Nóbrega para ocupar cargos no gabinete de Flávio na Assembleia. O ex-PM é acusado de comandar uma das milícias mais violentas da cidade e é considerado foragido há quase um ano.
Em setembro, o Ministério Público do Rio abriu um terceiro inquérito para investigar denúncias de irregularidades no gabinete de Flávio. O objetivo é "apurar eventual improbidade administrativa decorrente do emprego de 'assessores fantasmas', isto é, pessoas investidas em cargo em comissão junto ao gabinete do então deputado estadual que não teriam exercido funções inerentes à atividade parlamentar".
Já existe um inquérito civil no MP-RJ para investigar uma eventual prática de improbidade administrativa no gabinete de Flávio — mas, nesse caso, sobre a devolução de parte dos salários de funcionários ao gabinete, ato conhecido como "rachadinha".
Agora, segundo o Ministério Público, o objeto desse terceiro procedimento não é apurar a devolução de salários por funcionários, apenas se exerciam suas funções.
Alvos:
- Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro
- Márcia Oliveira de Aguiar, mulher do ex-assessor
- Evelyn Queiroz, filha do ex-assessor
- José Procópio Valle, ex-sogro de Bolsonaro
- Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada de Bolsonaro
- Francisco Diniz, primo de Ana Cristina
- Daniela Gomes, prima de Ana Cristina
- Juliana Vargas, prima de Ana Cristina
- Maria José de Siqueira e Silva, tia de Ana Cristina
- Marina Siqueira Diniz, tia de Ana Cristina
- Guilherme dos Santos Hudson, tio de Ana Cristina
- Ana Maria Siqueira Hudson, tia de Ana Cristina