Relator do processo que discute o repasse de dados bancários sigilosos de órgãos de controle – como a Receita e o antigo Coaf – para o Ministério Público, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, buscou descolar o debate realizado no plenário na manhã desta quarta-feira (20) do caso do senador Flávio Bolsonaro (de saída do PSL-RJ).
– Aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro – afirmou, ao iniciar seu voto nesta manhã.
O ministro classificou a relação entre Flávio e o processo em julgamento de "lenda urbana".
A sessão plenária foi suspensa por volta das 12h, com previsão para ser retomada a partir das 14h30min. O voto de Toffoli ainda não havia terminado, mas o ministro já deu indícios de que considera necessário impor limites ao repasse de informações sigilosas.
Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio sob suspeita de ter desviado parte dos salários de servidores do antigo gabinete na Assembleia Legislativa, prática conhecida como "rachadinha".
O inquérito sobre o senador, filho do presidente Jair Bolsonaro, foi paralisado após decisão de Toffoli, de julho, que suspendeu todas as apurações e ações penais do país que usaram dados detalhados de órgãos de controle, como a Receita e o antigo Coaf (rebatizado de UIF, Unidade de Inteligência Financeira).
Naquela ocasião, Toffoli atendeu a um pedido da defesa de Flávio. O julgamento desta quarta-feira pode levar à anulação da investigação sobre o senador, além de centenas de outras - consequentemente, a discussão está, na prática, atrelada ao caso do filho do presidente.
A investigação sobre Flávio no Rio de Janeiro partiu de relatórios do antigo Coaf. O órgão apontou movimentações de R$ 1,2 milhão, consideradas atípicas, nas contas do ex-assessor Fabrício Queiroz.
Segundo levantamento da Procuradora-Geral da República (PGR), a decisão de Toffoli de julho resultou na paralisação de ao menos 935 investigações e ações penais no país, além do inquérito sobre Flávio.
Ao iniciar seu voto, Toffoli também procurou esclarecer outros aspectos do processo que, para ele, estavam confusos. Ele afirmou que, diferentemente do que sugerem as manifestações da PGR, os procuradores solicitam, sim, relatórios de inteligência financeira à UIF.
Segundo dados que Toffoli obteve com a UIF, nos últimos três anos a unidade repassou de forma espontânea ao Ministério Público Federal (MPF) 1.607 relatórios de inteligência financeira (RIFs) e fez outros 1.165 "por requerimento" de procuradores.
A partir desses números, o ministro buscou justificar uma decisão polêmica de 25 de outubro, revelada pela Folha na semana passada, que determinou à UIF que lhe enviasse cópias de todos os relatórios financeiros produzidos nos últimos três anos - documentos que citavam dados sigilosos de 600 mil pessoas físicas e jurídicas.
Em vez de enviar cópias, a UIF deu ao ministro uma espécie de senha de acesso ao seu sistema eletrônico.
Sob críticas de procuradores, que viram uma "devassa" nessa determinação, Toffoli a revogou, afirmando não ter acessado o sistema da UIF para consultar os dados sigilosos -que incluíam vários políticos e autoridades com prerrogativa de foro por função.
– Para chegar a receber esses dados, foi necessário dar uma decisão bastante dura, na qual eu não fiz acesso, não fiz cadastro (no sistema da UIF para olhar os relatórios), mas, se não fosse aquela decisão, jamais eu teria obtido esses dados – justificou o ministro.
Em julgamento, está um recurso extraordinário que começou com um caso específico de um posto de gasolina no interior de São Paulo que teria sonegado impostos.
Como o processo tem repercussão geral, esse caso específico - em que houve repasse de dados da Receita para o Ministério Público - servirá para que o tribunal discuta a tese, de modo genérico e com impacto em todos os processos semelhantes pelo país.
No início da sessão desta manhã, o procurador-geral, Augusto Aras, defendeu o sistema vigente de repasse de informações para o Ministério Público e afirmou que o método é o mesmo adotado em 184 países.
– O Brasil necessita respeitar esse sistema. É a credibilidade do sistema financeiro, é um momento crucial para o crescimento econômico do país que mantenhamos a estrutura (vigente) para a segurança jurídica dessas relações econômicas tão relevantes – disse.
Entenda a decisão de Toffoli sobre o Coaf
O que Toffoli decidiu em julho?
O presidente do Supremo suspendeu investigações criminais que envolvam relatórios com dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça - ainda que o inquérito tenha outros elementos que o embasem. A decisão atinge inquéritos de todas as instâncias baseados em informações de órgãos de controle, como o antigo Coaf (hoje UIF), Receita Federal e Banco Central. É esse o tema do julgamento desta quarta (20).
O que seriam "dados detalhados"?
Informações que vão além da identificação dos titulares das transações suspeitas e do valor movimentado.
O que isso tem a ver com Flávio Bolsonaro?
A decisão de Toffoli atendeu a um pedido da defesa do senador e paralisou a investigação do MP-RJ que envolve Flávio e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. A apuração começou com o envio à Promotoria de um relatório do Coaf apontando movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz.
O que está sendo investigado sobre Flávio?
O MP-RJ apura se houve "rachadinha" no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual no RJ. Nesse esquema, servidores devolvem parte do salário aos deputados. Há suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.