Anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro em novembro, a Aliança pelo Brasil busca superar a burocracia para se tornar partido em tempo recorde, enquanto modera a ansiedade de apoiadores e denuncia a coleta clandestina de assinaturas. Embora a proposta de criá-la ainda nem tenha sido formalizada na Justiça Eleitoral, a legenda já tem quase 200 páginas nas redes sociais, camisetas à venda na internet e cursos sendo apresentados pelo país.
Passo inicial para lançá-la, o registro de CNPJ foi feito no dia 5, em cartório de Brasília. O cadastro deverá ser formalizado na próxima semana, às vésperas do recesso do Judiciário, quando os advogados pretendem noticiar o grupo político ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dar início ao recolhimento das quase 500 mil rubricas exigidas pela lei.
— Os apoiadores estão indóceis, reclamando que ainda não começamos, mas temos de cumprir certos processos. Fico até feliz que estejam zangados, porque demonstra disposição e engajamento — diz Admar Gonzaga, secretário-geral da Aliança.
Ex-ministro do TSE, o advogado que comanda o processo jurídico para colocar o partido de pé afirma que “todas” as estratégias serão usadas para a coleta de assinaturas. Segundo Gonzaga, a Aliança desenvolveu um aplicativo que certifica assinaturas eletrônicas e, depois, vai deixá-lo disponível à Justiça Eleitoral.
No início do mês, o TSE aprovou o uso de assinaturas digitais para a criação de partido. Mas o processo ainda precisa ser regulamentado. Até que isso ocorra, a Aliança sairá às ruas em busca de rubricas manuais. Gonzaga também pretende provocar o Judiciário para que empregue a biometria no processo e disponibilize uma urna em cada cartório para que eleitores digitem o número 38, formalizando o apoio.
Como ainda necessita do aval do TSE para recolher os nomes, interlocutores da Aliança têm alertado aliados nas redes sociais para que não assinem “listas fake”. Há duas semanas, denunciaram pelo Twitter que duas pessoas estavam recolhendo assinaturas na cidade de Camaragibe (PE). “Sigam apenas as instruções nos perfis oficiais”, alertaram. Pela internet, também é possível adquirir camisetas “piratas” estampadas com o logo da agremiação por R$ 27,90.
Apesar da inquietação de simpatizantes, porta-vozes da Aliança, incluindo Bolsonaro, reconhecem que o partido pode não estar pronto para as eleições municipais de 2020. Responsável por legalizar em menos de seis meses o PSD de Gilberto Kassab, Gonzaga teria de superar o próprio recorde e oficializar a legenda do presidente até abril.
— Vamos pegar recesso do Judiciário, regulamentação da assinatura eletrônica... Será muito difícil criar a Aliança para a eleição de 2020. Mas estamos na tentativa — afirma Bibo Nunes, um dos dissidentes do PSL que pretende migrar para a nova sigla.
Controvérsia
Em litígio com o presidente do PSL, Luciano Bivar, Bibo dissertou sobre o novo partido na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e em um restaurante em Caxias do Sul, causando desconforto em apoiadores. Para evitar protagonismos nos Estados, os únicos porta-vozes oficiais, por ora, são Bolsonaro e Gonzaga.
Bibo também se envolveu em controvérsia por causa de seu chefe de gabinete, Jorge Ramos. O assessor participou do lançamento de “comissão provisória” da Aliança em Torres, discursou na tribuna da Câmara de Vereadores e posou para fotos com simpatizantes de Bolsonaro. Foi desautorizado pelos líderes nacionais e, segundo o deputado, afastado temporariamente do cargo.
Mesmo embrionário, o futuro partido já reproduz os cismas do PSL gaúcho pela disputa de protagonismo. Ex-presidente da legenda no Rio Grande do Sul, Carmen Flores pretende liderar a migração, mas faz ressalva:
— Depende de quem for o presidente estadual. Se a mesma gaiola de loucos se juntar de novo, não.
“Nossa estratégia é tudo”
Ex-ministro do TSE e atual secretário-geral da Aliança pelo Brasil, Admar Gonzaga traça várias frentes para criar o partido a tempo de disputar as eleições de 2020. Mas admite que não há garantia de que o objetivo será alcançado.
Em entrevistas, o senhor disse que a coleta de assinaturas se dará digitalmente e até por biometria. Qual será a estratégia?
Nossa estratégia é tudo. Gostaríamos de diminuir as despesas do tribunal e o trabalho dos funcionários na conferência de assinaturas. Há uma recusa de quase 40%, porque, quando se faz o reconhecimento, as assinaturas não são idênticas. Isso é um prejuízo à cidadania, e queríamos oferecer uma possibilidade mais segura e rápida. Há também a possibilidade da biometria. Basta que o tribunal se comprometa em receber nossos cadastros e bater a impressão digital. Para isso, fornecíamos tudo, desde sistema à interface. Outra maneira seria o tribunal espalhar urnas antigas por todos os cartórios eleitorais e deixar à disposição com os números dos partidos em formação. Mas vamos começar pela assinatura “normal”. Nosso receio é chegar ao fim de janeiro com 2 milhões de assinaturas e isso não ser analisado com a rapidez que a democracia exige.
Hoje, já há pessoas recolhendo assinaturas pelo país.
As pessoas agem, às vezes com boa-fé, mas acabam gerando uma situação fora do procedimento formal. Mas também tem gente de má-fé. Recebemos até sites vendendo camisetas e bonés do Aliança, devem estar pelos camelôs do Brasil. Não controlamos isso.
A Aliança estará apta às eleições de 2020?
Não vou enganar ninguém, e o presidente tem o mesmo pensamento. Estamos convictos em ter um partido com pessoas de ficha limpa, com comportamento reconhecido na sociedade e dignas de honrar os postulados do partido de respeito à família, ética na política e transparência.
Qual será o argumento para que os deputados do PSL migrem para a Aliança sem perder seus mandatos?
Pela jurisprudência, está mais do que configurado o comportamento do PSL como constrangimento, perseguição política, pessoal e descumprimento de postulados legais, constitucionais e do próprio partido.