Ao final de uma década marcada por mobilizações minguadas, o magistério estadual volta a cerrar fileiras em uma greve capaz de unir a categoria – que, nesta terça-feira (26), lotou a Praça da Matriz, em Porto Alegre. Iniciado no último dia 18, o movimento atinge colégios que, até então, não tinham a tradição de parar. Há casos de municípios onde todas as escolas suspenderam as aulas, inclusive em locais do Interior onde a rede se resume a uma única instituição do tipo (leia mais detalhes no final deste texto).
Ainda que os números do Palácio Piratini e do Cpers-Sindicato sejam divergentes e não se comparem aos registros dos anos 80, o nível de engajamento chama atenção. Segundo a entidade sindical, das 2,5 mil instituições mantidas pelo Estado, 1,5 mil aderiram ao movimento (60%). A Secretaria da Educação aponta quantidade menor (1 mil), mas, ainda assim, a estimativa representa 40% do total. Em 2017, a última greve terminou com adesão de 13%, segundo informações da pasta à época.
Para ex-secretários da Educação e pesquisadores ouvidos por GaúchaZH, não há dúvidas de que o protesto em curso difere do que se viu no Rio Grande do Sul nos últimos dois governos. O estopim da revolta é a tentativa da gestão Eduardo Leite de revisar a carreira dos docentes. Datada de 1974, a lei que rege o tema nunca foi atualizada.
— Já passei por muitas greves e posso dizer com segurança: o plano de carreira é a única coisa que realmente mobiliza os professores — resume Iara Wortmann, 76 anos, ex-secretária da Educação no governo Britto.
Para Fernando Becker e Juca Gil, da Faculdade de Educação da UFRGS, o projeto que revê a progressão funcional é o estopim da reação. Pesam, também, 47 meses de vencimentos parcelados e cinco anos de salários defasados.
— A verdade é que os professores não aguentam mais — resume Becker.
Pesquisador na área de políticas educacionais, Gil cita ainda a insatisfação diante do não pagamento piso nacional do magistério. Após 11 anos, a norma segue sendo descumprida. Nesse período, o Executivo foi comandando por três partidos diferentes (PSDB, PT e MDB).
— Os professores foram suportando, foram remediando, mas parece que a bomba explodiu. É verdade que o plano de carreira tem problemas, mas a solução apresentada não garante melhorias nas condições de trabalho ou mais dignidade para os docentes — avalia o estudioso.
Há ainda outro fator a ser levado em conta. Ex-secretária da Educação na gestão Yeda Crusius, Mariza Abreu, 65 anos, lembra que as últimas ações do sindicato se concentraram em reivindicações salariais inviáveis frente à penúria financeira do Estado, gerando frustração e desmobilização. Foi o que ocorreu ao longo do governo de José Ivo Sartori (MDB).
— A categoria parou de embarcar em greves por reajuste, porque viu que não davam em nada. De repente, surge algo que parece factível: tentar impedir a aprovação do projeto que muda o plano de carreira. Mas isso é um equívoco. Se esse plano é tão bom, como os professores chegaram à situação atual? O governo precisa explicar as discrepâncias — diz Mariza.
Leite, que nesta terça-feira (26) sinalizou com a possibilidade de modificações na proposta, vem tentando fazer isso. Na última segunda-feira, ele divulgou vídeo esclarecendo os motivos das mudanças, garantindo que não haverá perdas e prometendo melhorias aos que ganham menos. O governador reclama da falta de diálogo por parte do Cpers e sustenta que alterações são necessárias para que os mestres possam receber o piso e voltar a ter perspectivas promissoras:
— Com a mudança, o Estado passa a ter a possibilidade de dar aumentos que hoje são impossíveis, porque são impagáveis. Sabemos que o futuro imediato não é o ideal, é claro, mas é melhor do que hoje. Ficar como está é a pior solução possível.
Presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Schürer discorda de Leite e não perdoa o governador por ter determinado o corte do ponto dos grevistas. A medida, segundo ela, reforça a insatisfação. Em assembleia no centro da Capital, nesta terça-feira (26), a categoria decidiu pela continuidade do movimento.
— Posso dizer com tranquilidade: nos últimos 10, 15 anos, nunca tivemos uma greve tão forte e vamos até o fim — diz a sindicalista.
No interior, professores param pela primeira vez e escolas aderem 100% à greve
Assustados com a possibilidade de mudanças no plano de carreira, professores que nunca haviam entrado em greve decidiram parar. Mesmo onde há apenas uma escola estadual, aulas estão paralisadas por tempo indeterminado.
É o caso de Sertão Santana, município de 6,4 mil habitantes na Região Centro-Sul. Lá, a Escola Comendador Eduardo Secco – única da rede, com 340 alunos – aderiu à mobilização. Conforme a vice-diretora Tânia Giru de Medeiros, 53 anos, é a primeira vez que isso ocorre.
— Só tivemos um dia de paralisação em 2017, mas usamos a data para discutir cidadania com os alunos. Eu mesma, em 33 anos de magistério, nunca tinha aderido a uma greve — diz Tânia.
A docente afirma que a decisão foi explicada à comunidade:
— Organizamos mateada, fomos na rádio, na prefeitura. Como a gente é do Interior e a mentalidade é mais conservadora, tínhamos receio da reação, mas recebemos apoio.
A 17 quilômetros de distância, em Mariana Pimentel, a Escola Gonçalves Lêdo vive a mesma situação. Com 139 alunos, também é a única estadual de Ensino Médio no município. Neste ano, comemora 80 anos.
— Já fizemos paralisações de um dia, mas é a primeira vez que todos aderem. Chegamos ao limite. O governo pode até cortar o ponto, isso não faz diferença para quem já recebe parcelado. O que não aceitamos é perder direitos — afirma a vice-diretora Elizandra Pazutti Magagna, 43 anos.
Em Barão do Triunfo, na mesma região, a Escola José Joaquim de Andrade também aderiu. Não há outros estabelecimentos estaduais no município.
— Enquanto era só o parcelamento, a gente estava dando um jeito. A partir do momento em que ameaçam nossos direitos, é diferente — diz a diretora Rosane Gonçalves, 50 anos.
As três instituições enviaram representantes à assembleia promovida nesta terça-feira (26) pelo Cpers-Sindicato na Praça da Matriz, em Porto Alegre. O ato acabou com confusão. Manifestantes forçaram a entrada do Palácio Piratini e a BM entrou em confronto com eles. Ao todo, 13 ficaram feridos - 11 professores e estudantes e dois policiais.