Foi por uma porta secundária que o governador Eduardo Leite acessou o Palácio do Comércio, no centro de Porto Alegre, para realizar palestra organizada pela Federasul a um grupo de empresários nesta quarta-feira (20). A mudança, provocada pela equipe de seguranças, foi feita para ele desviar do protesto de cerca de 20 professores que o aguardavam na entrada principal do prédio. Os educadores empunhavam cartazes e bandeiras do Cpers e, em uma alusão ao sobrenome do governador, despejaram o conteúdo de duas caixas de leite na calçada.
A categoria é uma das mais atingidas pelo pacote encaminhado pelo Piratini à Assembleia. Os projetos modificam carreiras, extinguem benefícios e aumentam a alíquota previdenciária de parte do funcionalismo — os inativos que ganham até R$ 5,8 mil (teto do INSS) também deverão passar a contribuir, segundo o texto do governo. Se a proposta que prevê alterações no magistério for aprovada, um professor no topo da carreira com mestrado e doutorado não poderá ganhar mais de R$ 3.887,30 de salário básico, além de benefícios com valores nominais.
Em entrevista coletiva realizada antes da palestra Tá na Mesa da Federasul, Leite afirmou que a mudança do plano de carreira, criado em 1974, é necessária para que, mais adiante, o governo possa dar aumentos para a categoria. Segundo Leite, a concessão de reajustes, agora, seria impossível porque qualquer percentual incidiria sobre o total da remuneração e não apenas sobre o básico — com impacto também no benefício dos educadores aposentados. A situação traria repercussão financeira tão grande que o Estado não conseguiria absorver, de acordo com o governador. Para ele, o conjunto de regras de 45 anos atrás é o causador da estagnação dessa carreira.
— Tenho convicção: o plano da forma como se apresentou no Estado do Rio Grande do Sul com suas repercussões em efeito cascata foi o responsável em boa parte pela estagnação da carreira do professor. Prova disso é que passaram governos de todos os partidos e as perdas foram em todos os governos. Quando houve ganho é com penduricalhos que se criaram e que ampliam a distorção, que dificultam ainda mais um plano de carreira decente, digno para os professores. Outras categorias conseguiram ter aportes sem ter plano de carreira como o do magistério tem. Se ele é tão bom e tão digno de ser defendido como os professores defendem, como ele deixou chegar à situação atual? — sustentou Leite.
Nenhuma bancada com mais de quatro deputados declarou publicamente apoio integral ao pacote composto por oito projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição. Os parlamentares receberam com cautela o conteúdo e são bombardeados diariamente com e-mails e mensagens de funcionários públicos descontentes com as mudanças. O governador disse nesta quarta-feira que a prudência é compreensível já que só agora, com o envio dos textos, é que as bancadas poderão analisar mais profundamente o tema. Ele voltou a dizer que está disposto a conversar com os deputados e com os próprios professores, só que há pouca margem para mudanças:
— Estamos abertos ao diálogo. Acho que as bancadas receberem com cautela é compreensível, é um projeto complexo, amplo. Por mais que a gente tenha discutido anteriormente, agora é que se apresentam os projetos com maior clareza. Assim como estamos dispostos a dialogar com as bancadas, estarei disposto a dialogar com o professores soluções e saídas possíveis. Não tem gordura para queimar. Você tem que escolher onde você vai queimar para poder ter esse espaço fiscal.
O chefe do Poder Executivo do Estado se comprometeu a diminuir as alíquotas majoradas do ICMS renovadas no fim de 2018 por projeto do então governador José Ivo Sartori. Prevendo insuficiência financeira para o exercício de 2019 e 2020, Leite, então eleito, foi a campo e articulou com os parlamentares o apoio ao texto com a argumentação de que no fim do ano que vem o percentual extraordinário seria derrubado. Para que as alíquotas voltem ao patamar de 2015, Leite condicionou o apoio da Assembleia ao pacote.
— Nosso compromisso é de que as alíquotas majoradas do ICMS possam se encerrar no fim do ano que vem. Todo o custo que for aportado nos projetos e negociações não é o governo que paga, é a sociedade, é o povo. Se a Assembleia fizer uma opção de aumento de gastos, temos que achar de onde se tira o dinheiro, essa é a questão — afirmou em entrevista.
Antes de o governador detalhar o pacote aos empresários que assistiam a sua palestra, a presidente da Federasul, Simone Leite, festejou o anúncio da Secretaria da Fazenda em relação à substituição tributária do ICMS. As empresas com faturamento de até R$ 78 milhões por ano poderão decidir se entram ou não nesse regime. O modelo anunciado era uma reivindicação antiga do setor.
A plateia também interrompeu com aplausos diversos momentos da palestra de Leite sobre o endividamento do Estado, histórico de saques dos depósitos judiciais, insuficiência de recursos destinados para investimentos públicos e as medidas sugeridas por seu governo para transpor os problemas das contas públicas.