
À frente da maior rede estadual de educação do país, o empresário e economista Renato Feder afirma que o caminho para estimular o aprendizado na rede pública de ensino é atrelar o desempenho escolar às oportunidades oferecidas aos estudantes. Em sua gestão na Secretaria da Educação de São Paulo, Feder colocou em prática programas que valorizam os alunos com boa performance com vagas em universidades, na educação profissionalizante e com vagas de estágio pagas pelo governo.
Diferentemente do que sustentam parte dos especialistas no tema, Feder avalia que a possibilidade de reprovação deve ser mantida para estimular que todos os alunos estudem mais.
— O argumento contra a reprovação é de que o estudante acaba evadindo, o que é muito ruim para quem reprova. É verdade. Mas o fato de existir a reprovação é muito bom para que todos estudem mais, e isso prevalece — afirmou o secretário, em entrevista a Zero Hora.
Uma das principais vozes em defesa do banimento dos celulares em sala de aula, que caracteriza como “uma praga”, Feder estará em Porto Alegre na próxima quinta-feira (3) para palestrar em um dos painéis do Fórum da Liberdade.
Abaixo, leia os principais trechos da entrevista concedida a ZH por videoconferência.
O senhor é um dos palestrantes confirmados no Fórum da Liberdade, que acontecerá em Porto Alegre. Quais ideias pretende apresentar no evento?
Principalmente sobre gestão da área pública. Como é possível entregar uma educação de qualidade e elevar a qualidade das escolas públicas para que elas se igualem às escolas particulares. Hoje, no Brasil, as escolas particulares têm mais qualidade do que as escolas públicas. E não deveria ser assim, porque justamente quem mais precisa, que são os mais vulneráveis, acaba tendo uma educação pior. Vamos mostrar como a política pública consegue dar resultados e como fazer para que as crianças tenham uma educação melhor dentro da escola pública.
Recentemente foi aprovada e regulamentada a lei federal que impede o uso de celulares nas salas de aula. São Paulo tem lei sobre isso desde o ano passado. Já é possível avaliar os resultados dessa medida?
Essa é uma medida excelente que colocou tanto São Paulo quanto o Brasil na vanguarda da educação. A maioria dos países ainda não tem uma legislação que proíba o celular dentro da escola, que é algo extremamente importante. Fizemos uma pesquisa com todos os diretores da rede e a grande maioria deles disse que o celular já está fora da rotina escolar.
O celular é uma droga, uma praga dentro da escola. Ele é um desastre. Não a tecnologia, mas o celular, porque ele acaba com a capacidade do estudante de se concentrar em um único assunto, o que é importante para o desenvolvimento cognitivo.
RENATO FEDER
E essa lei não retira a possibilidade do uso da tecnologia para o aprendizado?
Não retira. A rede estadual de São Paulo é extremamente tecnológica, mais até do que as escolas particulares. Temos aula de programação, inteligência artificial na plataforma Redação Paulista, que ajuda o estudante a escrever melhor, duas plataformas de matemática, duas de leitura, uma plataforma para os estudantes aprenderem inglês. Temos kits de robótica, atingindo mais de um milhão de alunos que tem duas aulas de robótica por semana. Temos também a Prova Paulista no computador. Tudo isso nos computadores que a secretaria fornece. Pode-se, em exceção, usar o celular, mas não é o que acontece. Temos quase um milhão de computadores para três milhões de alunos.

Quando da aprovação da lei, setores da direita se queixaram que ela impediria a fiscalização de supostos casos de “doutrinação” nas escolas. Como vê essa crítica?
A gente recebeu. É uma preocupação importante, porque se você é a favor da liberdade, em tese, restringir é ruim. Dialogamos com essa crítica comparando a permitir bebida alcoólica a menores de idade. A criança de 10, 11, 12, 13, 14 anos, não tem maturidade para saber se a bebida alcoólica é boa ou não para ela. O mesmo acontece com o celular, porque tem um poder de vício muito grande. Temos de evitar isso, pelo menos dentro da escola. Depois, a família decide se dará mais ou menos celular ou tempo de tela. Mas, na escola, estava atrapalhando demais. O celular tem um fator de vício químico, através da dopamina. A criança não está pronta ainda para tomar essa decisão sozinha.
Mas o senhor acredita que há casos de doutrinação política por parte de professores?
Sobre doutrinação, é um movimento muito mais focado nas escolas particulares. Na escola pública, o volume de reclamação é muito menor. Não é um assunto muito forte na escola pública, é muito mais forte na escola particular.
Não é um assunto de preocupação nosso, nem à esquerda, nem à direita. Hoje a gente não tem queixas de professores tentando fazer doutrinação.
Há grande preocupação aqui no RS com a manutenção dos jovens na escola e com a melhoria da aprendizagem. Como enfrentar esses temas?
Criando oportunidades ao estudante atreladas à aprendizagem. Hoje nossa política mais importante é o Provão Paulista, no qual o jovem, no Ensino Médio, faz provas seriadas e tem uma alta chance de ir direto para a universidade pública. A gente fazia pesquisas mostrando que apenas 25% dos alunos estudavam após o Ensino Médio em São Paulo. Hoje, 79% dos estudantes querem ir para um curso superior, seja na graduação, seja o técnico. Também temos a Bolsa Estágio Ensino Médio, em que chamo as empresas para contratar estagiários. São 30 mil vagas esse ano. A empresa abre as portas para o meu aluno e não paga nada, o Estado paga. É um investimento de R$ 150 milhões para o estudante ir para a empresa trabalhar por seis meses. E a empresa só contrata alunos com frequência e vê nota que ele tira nas avaliações. O terceiro estímulo é o Aluno Monitor, em que o estudante que estiver indo bem é pago para ajudar os que estão ficando para trás. O quarto estímulo é o Prontos Pro Mundo, que são mil vagas por ano para fazer intercâmbio, voltado a quem for bom aluno, ao menos um por município. E o quinto estímulo é a Educação Profissionalizante. Hoje, somando a rede de escolas estaduais e escolas técnicas, temos 30% dos estudantes na educação profissionalizante.
Esses estudantes já saem da escola com uma formação profissional?
Exatamente. Eles têm carga horária de 1,2 mil horas nas áreas de programação e desenvolvimento de sistemas, ciência de dados, administração, logística, vendas, agronegócio, enfermagem, farmácia e hotelaria. Em 2026 vamos oferecer mais dois cursos: de robótica e elétrica. E os jovens querem muito essas vagas, são cursos são muito disputados, e os estudantes com a melhor nota pegam a vaga.
Houve um ajuste recente na carga horária do Ensino Médio. Como isso foi adaptado para tornar mais atrativo aos estudantes?
A gente ofereceu o que o estudante queria. O estudante quer empreender, então a gente tem aula de empreendedorismo. O estudante quer falar em público, então a gente oferece a aula de oratória, aula de liderança, aula de educação financeira, que é o maior sucesso. Hoje a aula mais elogiada pelos alunos é a de educação financeira. Fez tanto sucesso que levamos ao ensino fundamental.
E como vocês lidam com a reprovação? Aqui no RS uma das medidas tomadas foi permitir que os alunos passem de ano mesmo reprovando em algumas disciplinas.
São Paulo tem a aprovação (automática) em alguns anos, mas não vejo isso como o caminho ideal.
Esse é um tema polêmico, tem que tomar muito cuidado. O ideal é você permitir a reprovação e apoiar o estudante para que ele só reprove em último caso. Mas o fato de ter a reprovação como possibilidade faz o aluno estudar mais. Na prática, muito estudante pensa “não vou reprovar”, então acaba estudando menos.
Como é a regra em São Paulo?
A regra é de que não há reprovação no sétimo e no oitavo ano (do Ensino Fundamental).
E tem algum sistema de dependência, de o aluno ir para a turma seguinte e recuperar a disciplina?
Aqui não há dependência. Ela é extremamente ineficaz.
Por qual motivo?
Quando o estudante vai fazer essa dependência? No contraturno? Ele não fica. A escola não está preparada, tem que abrir uma turma para um aluno de dependência, tem que casar a grade. É muito complexo de executar. Aqui em São Paulo a gente faz recuperações, dá aulas de reforço e faz provas adicionais. Esse é o caminho que a gente considera o ideal. Permitir a reprovação, mas dar o maior número de oportunidades para o estudante estudar e passar.
Como se dá o reconhecimento aos professores?
Temos um programa inovador de bônus. O professor de português ganha sobre aprendizagem de português. O professor de química, sobre a de química. Como a gente avalia muitos estudantes, consegue saber como cada um está em cada disciplina.
O governo federal acabou com o programa de escolas cívico-militares implementado na gestão anterior. Estados como São Paulo possuem normas para continuar esse programa por conta própria. Esse modelo é solução para aumentar a aprendizagem?
A gente entende que, em casos de escolas com maior vulnerabilidade ou que pedem mais disciplina, é um bom modelo. Porque traz disciplina para a escola. O que significa disciplina? Os alunos entrarem em fila na sala de aula, se levantarem para cumprimentar os professores, cantarem o hino nacional, usarem o uniforme. Para algumas situações, isso é muito positivo.
Seria para casos específicos, então?
Sim, casos específicos. A gente está propondo aqui, e é sempre por meio de votação, para cerca de cem escolas das 5 mil.
O senhor teve um trabalho de repercussão no Paraná e se tornou secretário em São Paulo. Hoje seu nome é cotado para ser ministro da Educação caso um candidato de direita ou centro-direita seja eleito em 2026. Tem esse desejo?
(Sorrindo) Hoje o meu dia é melhorar a educação de São Paulo. Se em algum momento, no futuro, vier o convite, é sim, um sonho. Mas nesse momento estou focado aqui na secretaria de São Paulo.