— A gente foi tratado que nem cachorro desde que ele ganhou a eleição. Nunca atendeu a gente em porra nenhuma.
Foi com essa declaração — capturada pelo deputado Daniel Silveira (RJ) durante reunião da bancada do PSL — que o deputado Felipe Francischini (PR) deixou transparecer, em meio à guerra aberta da sigla com o Palácio do Planalto, seu incômodo com o governo Jair Bolsonaro (PSL).
A fala de Francischini respingou como pólvora no Planalto, onde ele era visto como um aliado, em especial por presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a comissão mais importante da Câmara.
Todos os projetos devem ser avaliados na CCJ quanto à sua constitucionalidade antes de poderem avançar na Casa. Foi o caso, por exemplo, da reforma da Previdência, aprovada na comissão em abril.
Cabe ao presidente, entre outras coisas, conduzir a agenda de pauta de votação do colegiado.
À época da Previdência, Francischini já demonstrava irritação com o governo.
— O que me deixa perplexo é essa falta de estratégia mesmo — afirmou a jornalistas durante intervalo de uma das sessões. Ele reclamou a colegas que estava sendo cobrado para agir como líder de governo e que estava "tomando tiro" para defender a reforma sem ajuda.
Com a reforma aprovada, a comissão ainda tem na pauta projetos caros ao Planalto. É o caso da proposta de emenda à Constituição (PEC) para controlar o aumento de gastos públicos, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).
Francischini também reclamou de falta de articulação nesse caso.
— Toda vez que eu tento entrar no item, falta apoio. Vou colocar na pauta de novo quando o governo pedir, quando o governo mostrar que tem intenção de fazer e conversar com os deputados — disse à Folha em setembro.
Na segurança, a comissão também tem projetos relevantes. Um é o do excludente de ilicitude (que abre brechas para policiais matarem em confronto), que foi retirado pelo grupo de trabalho do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, mas que pode vir a ser aprovado por outro meio.
De acordo com relatos feitos à Folha, aliados de Bolsonaro ficaram irritados com o tom das declarações feitas por Francischini, que foi gravado dizendo que o racha do partido começou pelo próprio Bolsonaro.
— Ele que começou a fazer a putaria toda falando que todo mundo é corrupto — disse o deputado. — Ele (Bolsonaro) f... o partido, f... a bancada, expõe a gente em rede social. Daí a gente vai lá e (inaudível) a liderança para ele achar que está tudo bem? Então, porra, o que ele está oferecendo? Ele só liga quando precisa de ajuda para foder com alguém? — reclamou.
O caso pode ter implicações imediatas nas votações da CCJ, mas também no comando da comissão nos próximos anos. No início da atual legislatura, em fevereiro, foi acordado que o PSL teria a presidência pelos próximos quatro anos.
No primeiro ano, Francischini seria o presidente, e no segundo, a deputada Bia Kicis (DF). O racha pode pôr fim a esse acordo, já que Bia está na ala pró-Bolsonaro, enfraquecida na legenda. Agora, um dos cotados para comandar o colegiado no ano que vem é o deputado Coronel Tadeu (SP).
Ela deve ser, inclusive, destituída do comando do diretório do PSL no Distrito Federal pelo comando nacional do partido, hoje nas mãos do deputado Luciano Bivar (PE), desafeto de Bolsonaro.
Em meio a ataques, Francischini se defendeu de acusações de ter "surfado na onda" bolsonarista.
— Eu não sou surfista de onda. Eu tenho a minha postura, eu não estou tomando lado de partido por interesse próprio, primeiro porque eu não sou nem da Executiva do Estado do meu partido. Meu pai (o deputado estadual Delegado Francischini) é presidente, no entanto eu não participei de nenhuma reunião do Estado ou em município para entregar diretório, essa política que o pessoal fala de estruturação de partido — disse o presidente da CCJ na sexta (18), pouco antes de reunião da direção do PSL para discutir a crise com o Planalto.
Ele também nega a pecha de traidor.
— Com o governo, as minhas críticas construtivas são abertas. A minha agenda, tudo está postado nas minhas redes sociais.
Irritou aliados do Planalto o fato de Francischini ter dito, durante a reunião do PSL gravada, que participou de jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tratar de possível fusão do partido com o DEM.
— A gente foi na casa do Rodrigo (Maia), tava o Mendonça (Mendonça Filho, ex-ministro da Educação), tava o Rodrigo Maia, ligamos para o ACM (ACM Neto, prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM), comigo e com o Rueda (Antonio Rueda, vice-presidente do PSL). Eles estão loucos, esperando para fazer a fusão do Democratas com o PSL — disse, acrescentando que tenta barrar o processo para evitar perda de fundo partidário.
No encontro do partido na sexta-feira, Francischini tentou apaziguar os ânimos.
— Eu me acostumei a trabalhar na CCJ sozinho. Os 15 membros do PSL que estavam na CCJ sabem, uns estão de um lado, uns do outro, mas nenhum pode fazer uma crítica ao meu trabalho, que eu não passei relatoria ou trabalhei pelos projetos. A regra de ouro eu tentei passar no mês passado, vocês acompanharam, não tinha ninguém para me ajudar. Tive que tirar de pauta porque a obstrução estava gigantesca. Se tem uma pessoa que pode fazer uma crítica construtiva a todos os lados sou eu — disse.
Assessores palacianos dizem não saber agora a que lado Francischini pertence e que o clima é de quebra de confiança.
A briga pelo poder no PSL colocou em campos opostos fiéis bolsonaristas e apoiadores de Bivar. Bolsonaro e o deputado pernambucano entraram em rota de colisão na semana passada, quando o presidente afirmou a um apoiador que Bivar está "queimado pra caramba".
O chefe da sigla também foi alvo de operação da Polícia Federal que investiga esquema de candidaturas laranjas, caso revelado pela Folha.
Bolsonaro passou a pedir transparência na legenda. Ele manobrou para destituir o atual líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e emplacar o filho Eduardo Bolsonaro (SP). Até agora, o plano fracassou. Em resposta às investidas, a ala opositora a Bolsonaro suspendeu cinco deputados e ampliou o poder de Bivar. Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro (RJ) devem ser tirados do comando dos diretórios de São Paulo e do Rio de Janeiro.