Proposta formulada durante o governo José Ivo Sartori (MDB) e cercada de desconfiança, a concessão da TVE e da FM Cultura à iniciativa privada está fora dos planos de Eduardo Leite (PSDB). Sob o guarda-chuva da Secretaria de Comunicação desde o encerramento das atividades da Fundação Piratini, as emissoras serão reformuladas, oferecendo nova grade de programação administrada em parceria com a Secretaria da Cultura.
— Nem cheguei a me aprofundar nesse plano (de concessão). A TVE é uma TV pública, educativa e cultural e assim tem de continuar sendo — afirma a secretária de comunicação, Tânia Moreira, que já foi diretora da emissora.
As mudanças nos programas têm sido discutidas com discrição. No início do mês, um projeto preliminar foi apresentado a Tânia pelo diretor da TVE, Caio Klein. Mas a jornalista ainda não está satisfeita e pediu alterações.
Tânia e a secretária da Cultura, Beatriz Araujo, tiveram três reuniões para falar sobre a TVE. Elas esperam entregar a nova grade a Leite e anunciá-la ao público neste ano.
— A ideia é que Secretaria da Cultura, como tem uma política que viabiliza a produção de conteúdos, contribua e faça uma gestão compartilhada de conteúdo. Ainda estamos conversando e escutando — diz Beatriz.
O trabalho passa pela análise dos contratos mantidos pela extinta fundação para desenredar os entraves jurídicos deixados com o fim da instituição. Um dos mais sensíveis é o que envolve a concessão do terreno onde funcionam os canais, no Morro Santa Tereza, na zona sul da Capital, vencida desde outubro de 2016.
Proprietária da área, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) concede o local ao Estado mediante um contrato de cessão de uso sem ônus. Em troca, a TVE repassa produções locais para a transmissão nacional.
Klein foi a Brasília, em abril, pedir a prorrogação do documento por cinco anos. Foi solicitado que o governo do Estado formalizasse o novo contrato, enviado no fim de junho. Agora, a secretaria aguarda o retorno da EBC — GaúchaZH buscou um posicionamento da empresa, mas ainda não teve retorno.
Para os próximos anos, porém, a secretaria pretende transferir as emissoras para um novo endereço, ainda indefinido. Na mudança, está o temor sobre o futuro da EBC, alvo de ameaças de fechamento do presidente Jair Bolsonaro (PSL) durante a campanha eleitoral. Por ora, a empresa segue funcionado.
Em 2018, o governo cogitou transformar o prédio em um centro integrado de segurança pública. À época, a iniciativa era bem vista pelo então secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, que chegou a pedir uma consulta à EBC. A mudança também está descartada por Leite.
— Acho que não podemos ficar em um prédio que não é nosso. Uma TV não precisa mais de um espaço tão grande — adianta Tânia.
Fim de contratos afeta produção de conteúdo
Desde o início do processo de extinção da fundação, em 2016, as emissoras têm passado por um processo de esvaziamento. Pouco mais de 80 funcionários foram desligados ou se demitiram nesse período.
Hoje, somente cinco programas são produzidos localmente (Radar, Estação Cultura, Frente a Frente, Consumidor Em Pauta e Panorama), enquanto outros cinco deixaram de ser elaborados (Nação, Galpão Nativo, TVE Repórter e dois telejornais). No restante da grade, o canal retransmite as TVs Brasil e Cultura.
Cerca de 160 funcionários seguem vinculados à TVE e à FM Cultura. Nos corredores das emissoras, comenta-se que o clima entre o quadro está melhor do que na administração passada.
— A secretária (Tânia) tem pedido paciência, mas, como estamos sofrendo há bastante tempo, a angústia é grande — contou Beto Azevedo, repórter cinematográfico da TVE e diretor do Sindicatos dos Jornalistas.
De acordo com Beto, a revogação de contratos após o fechamento da Fundação Piratini afeta a produção da emissora. Ele relata que há casos em que repórter, cinegrafista e produtor estão disponíveis, mas, sem transporte, a pauta é derrubada. Depois de redefinido o plano da TVE, as novidades serão estendidas à FM Cultura.
Relembre o processo de extinção da Fundação Piratini
- Em novembro de 2016, o então governador, José Ivo Sartori (MDB), anunciou um pacote de medidas para contar a crise financeira do Estado. O plano continha a extinção de nove fundações públicas, entre as quais, a Fundação Piratini, responsável pela administração pública federal de rádio e TV do Estado e pela produção de programas.
- A Assembleia Legislativa aprovou a extinção da Fundação Piratini no mês seguinte.
- Ao longo de meses, o processo gerou uma série de desdobramentos judiciais. Em um deles, o Tribunal de Contas do Estado suspendeu a extinção de seis fundações (entre elas, a Fundação Piratini) até que o governo apresentasse como daria continuidade aos serviços prestados. Depois, o Tribunal de Justiça derrubou a decisão.
- Em outro processo, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Contas recomendaram que o governo suspendesse o encerramento das atividades da Fundação Piratini, alertando que as emissoras poderiam se tornar alvo de "censura política, ideológica e artística".
- Em maio do ano passado, o governo oficializou a extinção da Fundação Piratini.
- Três semanas depois, a Justiça Federal determinou a suspensão da formalização da extinção da fundação. Para o órgão, o arquivamento poderia prejudicar outra ação na Justiça, a qual pede a suspensão da transferência das atividades para o Estado. Até hoje, a liminar impede a baixa do CNPJ da entidade.
- Em meio à judicialização, o então presidente da Fundação Piratini, Orestes de Andrade Jr., deu encaminhamento ao projeto de conceder a TVE e a FM Cultura à iniciativa privada. Já a sede das emissoras, em um terreno de 10,8 mil metros quadrados no Morro Santa Tereza, seria transformada em um centro integrado de segurança pública.
- Fechado em ano eleitoral, o plano não avançou. Hoje, o governo Eduardo Leite descarta a iniciativa e trabalha na reestruturação dos canais, em gestão compartilhada com a Secretaria da Cultura. Uma das novidades deverá ser a mudança de endereço das emissoras.