Encerrada por decreto assinado por José Ivo Sartori em maio, a Fundação Piratini, antiga administradora da FM Cultura e da TVE, terá novo destino. Pelos planos do governo, as emissoras serão concedidas à iniciativa privada e o terreno de 10,8 mil metros quadrados no Morro Santa Tereza, em Porto Alegre, sediará um centro integrado de segurança pública.
O rumo das emissoras e do imóvel era uma dúvida desde o início do processo de extinção das fundações. Finalizada em dezembro do ano passado, a proposta foi aprovada por Sartori em março. Mantido em sigilo, o edital de licitação está em análise pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Praticamente finalizado, o processo só deverá ser lançado após as eleições de outubro. Se reeleito, Sartori colocará o edital na rua. Caso contrário, entregará o documento para que o futuro dirigente decida se levará adiante.
A licitação deverá prever a concessão pelo prazo de cinco anos. No primeiro ano, o valor pago pelo governo será de, no máximo, R$ 20,4 milhões. A cada 12 meses, o repasse à empresa vencedora deverá cair 2,5%, chegando a cerca de R$ 16 milhões ao final do contrato. O controle das emissoras seguirá com a administração direta, mas a operação passará para o setor privado.
Caberá à produtora os serviços de geração e transmissão de sinal, a contratação de pessoal e a produção de conteúdo local das emissoras. Terá ainda de utilizar estúdios e equipamentos próprios, viabilizar a digitalização dos acervos e implantar o sinal digital nas retransmissoras da TVE.
De acordo com estudo da Fundação Piratini, esse é um modelo inédito entre as emissoras públicas estaduais no país. O principal argumento do governo para o modelo está na economia — o valor do edital equivale à metade dos gastos com o órgão em 2017.
Duas reuniões já ocorreram na PGE para discutir o edital. Agora, é aguardada a análise jurídica final. Pelo cronograma do Piratini, 195 dias devem se passar entre o lançamento do edital e o início de operação da nova empresa.
Hoje, o principal obstáculo nos planos do governo está no âmbito judicial. Uma liminar impede a extinção formal da fundação, e 137 celetistas seguem empregados, amparados por decisão da Justiça do Trabalho que reconhece a estabilidade de seus cargos. Questionada pelo Piratini, a decisão aguarda análise do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conselho será responsável pela curadoria do conteúdo
O processo de reformulação da TVE e da FM Cultura foi comandado pelo atual diretor de Radiodifusão e Audiovisual da Secretaria de Comunicação do Estado, Orestes Andrade Jr., ex-presidente da Fundação Piratini. Ao assumir o órgão a pedido de Sartori, em janeiro de 2017, recebeu carta branca para elaborar o novo formato.
Nos bastidores do palácio, houve resistência, mesmo que tímida, ao modelo. Dois dos mais influentes auxiliares do governador e entusiastas do ideário de um Estado mínimo, o vice-governador, José Paulo Cairoli, e o ex-secretário do Planejamento, Carlos Búrigo, defenderam que o Estado deveria se concentrar somente nas áreas essenciais, poupando os valores previstos no edital. O plano de concessão, porém, prevaleceu.
— Não existe TV pública sem alguma participação do Estado, mas, hoje, a fundação está amarrada. O princípio de desburocratizá-la que serviu para o seu nascimento não é mais uma realidade — diz Orestes.
Alvo de críticas do funcionalismo desde que assumiu o processo de mudança, o diretor nega que o plano represente a terceirização de um serviço público. Segundo ele, uma das inspirações para o modelo via licitação está na operação das TVs do Judiciário e do Legislativo. Os canais do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Câmara de Deputados, entre outros, são operados por uma empresa privada.
— Não quer dizer que estamos terceirizando ou entregando o conteúdo para uma empresa privada. Isso seria ilegal — garante.
Com as outorgas repassadas ao Estado, a responsabilidade de decidir sobre o conteúdo seguirá com o poder público, defende o diretor. Pelo plano, a curadoria ficará a cargo de um comitê inspirado na emissora britânica BBC. Formado em 30 de maio, o chamado Conselho Consultivo de Programação deverá estabelecer as diretrizes dos programas, seguindo as finalidades de emissoras educativas, e fiscalizar para que os canais não sejam usados para fins político-partidários ou publicitárias.
O conselho é formado por 11 integrantes (confira a lista dos integrantes abaixo). Do grupo, foram excluídas entidades que historicamente participaram do Conselho Deliberativo da Fundação Piratini — entre eles, a Federação da Agricultura (Farsul), a Federação das Indústrias (Fiergs), o Centro dos Professores (Cpers/Sindicato) e o Sindicato dos Jornalistas.
No plano, as emissoras contam com um novo slogan, elaborado pela agência de comunicação Moove, contratada pelo governo — "TVE Digital, uma TV toda nova para você" e "Cultura 107.7, nossa música em primeiro lugar". Mais modernos, os logos ganham as cores azul, rosa e verde.
Na tentativa de fomentar a cultura local no projeto, o governo aposta em financiamentos por meio do Fundo Setorial Audiovisual, vinculado à Agência Nacional do Cinema (Ancine). Um dos pontos da licitação prevê que a empresa vencedora lance um edital no mesmo valor do contrato para a produção de conteúdos pela indústria audiovisual gaúcha.
Uma primeira experiência ocorreu em 2015, quando o Piratini apresentou edital de R$ 4,2 milhões, negociado no governo anterior, para a montagem de cinco séries inéditas. Em fase de finalização, os programas irão ao ar a partir de agosto.
Já na FM Cultura, a produtora terá de se comprometer em direcionar a programação para músicas de artistas do Rio Grande do Sul de todos os gêneros.
Futuro das emissoras
Os integrantes do Conselho Consultivo da TVE e da FM Cultura
— Um representante da Secretaria de Comunicação
— Um representante da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia
— Um representante da Secretaria da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer
— Dois representantes da indústria audiovisual (Fundação Cinema Rio Grande do Sul e Instituto Estadual de Cinema)
— Um representante da indústria musical (Instituto Estadual de Música)
— Um representante das agências de publicidade (Associação Riograndense de Propaganda)
— Um representante dos Jornalistas (Associação Riograndense de Imprensa)
— Um representante da rede de parceiros de programação da TVE e da FM Cultura
— Dois representantes da sociedade civil, indicados pelo governador do Estado