Técnicos do Ministério da Justiça elaboraram uma nota em que apontam "diversos elementos" no projeto sobre abuso de autoridade que podem "inviabilizar tanto a atividade jurisdicional, do Ministério Público (MP) e da polícia, quanto as investigações que lhe precedem". O documento foi apresentado pelos funcionários da pasta comandada pelo ministro Sergio Moro no dia da votação do texto na Câmara, em uma reunião com o relator da matéria, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e com parlamentares do Podemos, PSL, Cidadania e Novo.
O encontro ocorreu na gabinete do líder do governo na Casa, Major Vitor Hugo (PSL-GO). Os integrantes dessas siglas foram contrárias à proposta avalizada pela Câmara na quarta-feira (14) e enviada para sanção do presidente Jair Bolsonaro. O projeto endurece as punições por abuso de autoridade de agentes públicos, incluindo juízes, promotores e policiais.
O texto foi encaminhado para análise do Poder Executivo e Bolsonaro tem 15 dias para sancionar ou vetar o projeto, o que pode ser feito de forma integral ou parcial. A nota foi elaborada antes da votação na Câmara, mas contém argumentos que podem ser utilizados pelo presidente caso ele decida vetar dispositivos do projeto. Na nota técnica, o Ministério da Justiça lista pontos de discordância no texto e sugere supressões e alterações.
Um exemplo ocorreu na parte da redação que estabelece ser crime "constranger o preso ou detento" a exibir-se à curiosidade pública, submeter-se a situação vexatória ou produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
A pasta defendeu que o dispositivo "é marcado por uma forte carga subjetiva que é capaz de prejudicar o exercício da atividade policial" e, por isso, pediu a remoção da expressão "redução de sua capacidade de resistência", que consta na redação final. Além disso, o ministério defendeu que fosse cortado o inciso que veda a produção de prova contra si mesmo ou contra terceiro.
A nota técnica do ministério de Sergio Moro também critica o artigo que penaliza o agente público que não se identifica ou apresenta uma identidade falsa ao preso na hora da sua captura. A pena também se aplica para interrogatórios. O Ministério da Justiça considerou que o dispositivo "deve, igualmente, ser rejeitado".
— Eu mesmo queria fazer alterações, eu queria aumentar as penas. Eu acho que um a quatro anos é muito pouco, porque o estrago é muito grande quando essas instituições cometem abusos. Mas não pude mexer porque o acordo era não mexer no texto — disse o deputado Ricardo Barros à Folha de S.Paulo.
Barros argumenta que um eventual veto a esse trecho não deve ser derrubado pelos parlamentares porque o tema já é regulado por uma súmula vinculante do STF (Supremo Tribunal Federal). A nota técnica do Ministério da Justiça manifesta ainda oposição ao item que pune o ato de impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado.