O desenlace da fita que uniu as novas portas da Biblioteca do Pão dos Pobres, sete meses depois que a água tomou o espaço por completo, simbolizou um novo momento não só da estrutura em si, mas de uma onda de solidariedade que tomou o Rio Grande do Sul em meio à catástrofe climática. Reinaugurado no início de dezembro, o espaço foi totalmente reformado e reabastecido de livros novos por iniciativa do coletivo Arquitetos Voluntários e empresas parceiras.
A entrega é apenas um dos exemplos de uma série de projetos liderados por ONGs, coletivos e institutos que tomaram para si a missão de reconstruir o Estado.
Daniela Giffoni, especialista em ESG e diretora executiva do coletivo Arquitetos Voluntários, conta que o grupo foi reativado assim que se entendeu a gravidade dos estragos. E que tudo começou pela governança. Onze grupos de trabalho foram organizados para que as ações pudessem ser executadas em larga escala.
— Nos estruturamos para agir assim que a água baixasse. Ou seja, começamos pela governança, planejando o que podia ser feito e mapeando as instituições que receberiam a nossa ajuda. Queríamos agir com pressa e autonomia — relata Daniela.
A prioridade traçada foi atender crianças e a ferramenta para isso, a arquitetura. Os projetos começaram por escolas, juntando doações de materiais feitas por empresas e capital arrecadado via filantropia. Cerca de 100 arquitetos integram a missão.
— Não imaginávamos o que viria depois que a água baixou. A situação era muito pior e precisamos reconstruir instalações inteiras. Fizemos parcerias com escritórios de arquitetura, que foram os responsáveis técnicos pelas plantas, e tocamos a execução com uma rede muito bem estruturada — acrescenta a diretora executiva.
A Biblioteca do Pão dos Pobres, agora repaginada, é estrutura fundamental dentro da instituição de amparo social a jovens e é aberta também à comunidade do entorno do prédio. No auge da enchente, chegou a ficar 1,5 metros submersa, danificando todo o acervo de livros e o mobiliário. Na inauguração, esperanças foram renovadas para o recomeço que se inicia — pela leitura e pela casa nova dos livros.
Ninguém fica para atrás
Exemplo entre as frentes que mobilizaram esforços e solidariedade na enchente, o resgate de animais foi um dos trabalhos que mais contou com o suporte das ONGs para as ações emergenciais. Com muitas delas já tendo protagonismo antes mesmo da cheia, o papel das organizações sociais se mostrou fundamental no tratamento adequado dos bichinhos, bem como no encaminhando deles para novos lares.
Na linha de frente de uma das iniciativas, a advogada e voluntária da causa animal Fernanda Leite, à época membro da ONG Cão da Guarda, lembra que o trabalho se revelou ainda maior depois que se fizeram os primeiros resgates. Por isso, a estratégia foi focar na assistência, como na distribuição de ração, no encaminhamento para clínicas e na logística dos animais, ajudando protetoras que já atuavam antes da crise.
— Sabíamos que haveria um gargalo gigante de animais sem destino quando a água baixasse, sobretudo dos que vinham de lugares de fora de Porto Alegre. A partir disso, nos organizamos na assistência e na organizaram das feiras de adoção — diz Fernanda.
Uma delas, montada no Shopping Total, em Porto Alegre, encaminhou 360 adoções em um mês.
Para a voluntária, a enchente deu amplitude a dificuldades que são diárias às ONGs que se dedicam à causa animal. Os entraves, no entanto, permanecem:
— O abandono de animais já existia, mas eles estavam dentro da periferia. A enchente foi só uma mostra do que a causa animal sempre passou para gerir os animais. Trata-se de uma questão de saúde pública e é importante que seja tratada como tal — alerta Fernanda, citando a importância do apoio às instituições que se dedicam à pauta.