Mais do que uma tendência no âmbito empresarial, as práticas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) vêm se consolidando como importante estratégia para empresas e grandes companhias gerarem impacto na sociedade. Na jornada pela construção de um legado, as organizações sociais, a exemplo das ONGs, são facilitadoras para a adesão das empresas às agendas, sobretudo no campo social.
Para especialistas, trabalhar em conjunto com organizações do terceiro setor pode ser um bom caminho para concretizar as estratégias ESG. Rodrigo Cavalcante, diretor executivo da Phomenta, negócio de impacto que faz o elo entre essas duas cadeias, diz que a parceria traz vantagens para ambas as partes. Movimenta uma corrente que, no fim do dia, apoia mais pessoas, mais áreas e abraça mais desafios sociais.
Para as empresas, que acabam entrando mais forte na pauta ESG, a iniciativa sai de um lugar de discurso para assumir práticas mais concretas, resolvendo também as dores internas do próprio negócio, diz Cavalcante. Isso além de promover o desenvolvimento dos recursos humanos e dos colaboradores, em um momento em que os próprios funcionários preferem trabalhar em negócios com propósito.
Para as organizações sociais, que conhecem as realidades locais, a parceria é uma forma de difundir o que a instituição faz, fortalecendo as suas atividades e atraindo mais recursos. Essas duas pontas alinhadas, diz o diretor, resultam em impacto social.
— Tem muita empresa que está olhando para o social na sua parte interna, com desenvolvimento da cadeia de fornecedores, de colaboradores, de diversidade e inclusão, mas tem outra área que é o além da empresa. Uma fábrica que está em determinado bairro tem impacto naquela vizinhança e ela quer o que chamamos de licença social para operar, uma aprovação da comunidade para estar ali. As ONGs são as organizações que entendem as dores e os desafios do território, que muitas vezes a empresa não entende. O nosso trabalho é fazer este elo — diz Cavalcante.
Em negócios com o da Phomenta, o suporte fornecido para a relação entre ONGs e empresas vai de métricas a uma comunicação assertiva entre as partes, traduzindo a linguagem dos dois mundos.
— O diálogo passa por criar esse lugar. Diminuir os jargões do ambiente corporativo, do inglês, mas também os do próprio terceiro setor, que também tem expressões que a iniciativa privada não conhece — diz o diretor da Phomenta.
Com experiência de mais de 20 anos em projetos que fazem diferença, o coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) no Rio Grande do Sul, Junior Torres, diz que há espaço para as empresas contribuírem muito mais. As iniciativas, além de aproximarem as firmas da realidade e de efetivarem as práticas ESG, conquistam mercado.
— Se fôssemos reunir todas as pessoas que moram em favelas e periferias do Rio Grande do Sul, teríamos a segunda maior cidade do Estado. Estamos falando de mais de 500 mil pessoas. Como que uma empresa não vai olhar para um volume tão grande de pessoas? Isso é fundamental também para mercado — diz Torres.
Em Alvorada, na Região Metropolitana de Porto Alegre, um projeto liderado pela Cufa com apoio financeiro da CEEE Grupo Equatorial é responsável por impactar mais de mil pessoas no município. Por meio de oficinas de esporte e cursos diversos, a iniciativa dá oportunidade de lazer e de profissionalização na comunidade. As atividades incluem aula de boxe, funcional para terceira idade, oficina de costura, curso de produção de salgados e de eletricista. O projeto ainda serve 250 almoços diários.
O resultado da ação é visível em impacto social, relata Rodrigo Borga, coordenador da Cufa em Alvorada:
— Muda a vida das pessoas. Temos adolescentes que não se interessavam no colégio e agora estão mais motivados a partir da cobrança pelo esporte. Ou muitas mulheres que arrumaram espaço para um lazer e uma oportunidade de renda. Muda até o comportamento em casa.
Analista de responsabilidade social da CEEE Equatorial, Luciana Hoffmann Teixeira menciona a aceitação do projeto na comunidade e a importância da parceria para a concretização dos objetivos. O grupo prepara o lançamento ainda este ano do seu próprio instituto, o Instituto Equatorial, para ampliar os projetos de cunho social.
— Quanto mais conhecemos a Cufa, mais nos sentimos gratos pela parceria e admiramos o trabalho que é feito. Temos a confiança de que vão atender quem precisa. A união com as ONGs é extremamente necessária para garantir o sucesso dos projetos — diz Luciana.
— Toda prática corporativa que vier a beneficiar a comunidade faz diferença. Sabemos os desafios que o Rio Grande do Sul enfrenta, de infraestrutura, de geração de trabalho e renda, da própria fome. Independentemente da área, é fundamental esse despertar das empresas — completa Torres, coordenador da Cufa no RS.
Companhias se movem pelos demais
O compromisso social de uma das maiores varejistas do país vai muito além da moda e passa pelo empoderamento de mulheres. Desde 2016, a Lojas Renner vem desenvolvendo projetos com foco na cadeia de valor, olhando com atenção especial a um grupo específico: o de mulheres imigrantes. Desde então, 550 refugiadas já foram capacitadas, em 12 regiões brasileiras.
Entre as iniciativas apoiadas nesta frente, estão os projetos Empoderando Refugiadas, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e do Pacto Global e da ONU Mulheres, e a Coalizão de Moda Justa e Sustentável, gerido pela Aliança Empreendedora com foco em empreendedoras migrantes e costureiras autônomas.
Eduardo Ferlauto, gerente geral de sustentabilidade da Renner e diretor executivo do Instituto Lojas Renner, conta que a iniciativa trabalha desde a técnica de costura até a gestão de negócios. Um último programa foi focado na especialização de mulheres para entrada delas no centro de distribuição da companhia. Das 550 mulheres, pelo menos 120 já foram incorporadas ao corpo de funcionárias da Renner.
— Isso sem pensar no impacto em cadeia, das suas famílias que também indiretamente acabam sendo envolvidas — destaca Ferlauto, lembrando que quase 10 mil venezuelanos chegam ao Brasil por dia, um desafio social e econômico ao país.
A aposta no pilar social é um ganha-ganha para todos, tanto de diversidade quanto de oportunidade de renda. As imigrantes, especialmente, trazem com elas experiências de vida e conhecimento em línguas estrangeiras, agregando o ambiente da empresa.
Em iniciativa semelhante pelo viés da moda, a Be8, referência na produção de biocombustíveis, também aposta no empoderamento feminino a partir da profissionalização para gerar impacto. A diretriz faz parte de uma série de outros projetos de investimento social focados em diversos grupos.
Com parceria do Sebrae Regional Norte na gestão de negócios e da Universidade de Passo Fundo (UPF) com o curso de moda, o Amplitude Moda Circular proporciona a mulheres em situação de vulnerabilidade uma capacitação que possa garantir trabalho e renda. As beneficiadas do projeto são mulheres da Mães da Cufa (Central Única de Favelas), Cooperativa Cootraempo e Caritas.
Fazem parte do programa 50 mulheres, entre participantes e mentoras.
Ana Curia, gerente de sustentabilidade da Be8, diz que se percebeu a necessidade de, além de ensinar a costurar, dar oportunidade para essas mulheres se estruturarem para terem seus próprios negócios. Por isso o foco no empreendedorismo. O resultado, conta, aparece principalmente na autoestima das mulheres impactadas.
— É um resgate de cidadania, de pessoa como indivíduo, com pleno potencial para recomeçarem as suas vidas. É um resgate de independência dessas mulheres, de recuperação da autoestima, um empoderamento pelo conhecimento — diz Ana.