Quando a vice-presidente de Inclusão da Netflix, Vernā Myers, cravou que “diversidade é convidar para a festa e inclusão é chamar para dançar”, há dez anos, os passos dessa coreografia ainda riscavam os primeiros rodopios nas grandes corporações. Uma década depois, a diversidade nas empresas fala não só da urgência de incluir perfis distintos nos quadros de qualquer porte, mas de trabalhar para que os espaços sejam ambientes de acolhimento e de oportunidade para essas pessoas.
Conhecido como Política DEI e cada vez mais citado nos compromissos públicos das companhias, o conceito que abrange iniciativas nesta frente prioriza três diretrizes que se completam: diversidade, equidade e inclusão. O tripé alinha estratégias afinadas às boas práticas de ESG, impactando positivamente a vida dos profissionais e da sociedade.
O que diz cada letra da sigla
- Diversidade: é pensar na variedade. Há muitas características que definem as identidades de uma pessoa, como raça, gênero, idade, origem e outras. Priorizar uma equipe diversa é contemplar as identidades múltiplas entre os colaboradores.
- Equidade: é sobre dar condições justas. As pessoas não são iguais nas suas origens e trajetórias de vida, o que implica em diferenças no acesso à educação, por exemplo. Priorizar a equidade significa reconhecer as diferenças para que todos tenham as mesmas condições de chegar a um mesmo ponto.
- Inclusão: é dar as condições para que as diversidades se desenvolvam. Para ser inclusivo, é preciso garantir a participação de todas as pessoas, independentemente de suas limitações ou identidades.
A influência do DEI vem avançando nos últimos anos. Conforme levantamento mais recente da to.gather, startup de inteligência de dados que acompanha resultados em diversidade no mercado brasileiro, mulheres são quase 40% nas empresas, enquanto pessoas pretas e pardas são mais de 31%, bem acima de percentuais anteriores.
Empresas brasileiras de renome como Natura, Magazine Luiza e Ambev se tornaram referências na última década ao aplicarem políticas de diversidade e inclusão. As ações, recebidas com resistência na largada, abriram caminho para que medidas como processos seletivos inclusivos, compromissos públicos de boas práticas e equidade de salários fossem ponto de partida também para empresas menores.
— Se olharmos para os últimos cinco anos, podemos dizer que avançamos bastante em comparação a cenários passados. Viemos, de fato, caminhando. Mas precisamos fazer mais e isso fica bem evidente. Há ambientes que ainda não são tão receptivos e isso depende da realidade de cada empresa. Precisamos de estratégias mais direcionadas — observa Erika Vaz, CEO e cofundadora da to.gather.
Vencida a barreira de se falar sobre diversidade, o desafio atual é fazer com que a pauta esteja nas estratégias das companhias, com metas a serem cumpridas e métricas que mostrem os resultados das políticas de inclusão. Segundo a to.gather, 60,9% das companhias no país encaminham a pauta ao setor de Recursos Humanos (RH), em meio a outras demandas, sem que haja nestas empresas áreas ou lideranças para gerir exclusivamente políticas de diversidade e inclusão. As políticas de DEI são tratadas com dedicação exclusiva por somente 22,1% das empresas, de acordo com o estudo, que mapeou 289 companhias de 20 segmentos do mercado no país.
A falta de lideranças ou equipes intimamente ligadas às discussões, muitas vezes, enfraquece o andamento das demandas nas empresas. Especializado em diversidade, inclusão e inovação social, o gaúcho Filipe Roloff foi listado entre os 50 futuros líderes LGBTs mais importantes do mundo pelo jornal britânico Financial Times. Ele reforça a necessidade de governanças que coloquem a inclusão tanto nos processos de pessoas quanto nos negócios em si. Sem isso, a pauta não vai para frente, diz.
— Trabalhar com diversidade, inclusão e equidade não é só um pilar no RH das empresas. É uma conversa ampla e complexa que atravessa a vida das pessoas — lembra Roloff.
Reflexo no mercado
Estudos citados por especialistas na área mostram que, quanto mais diversas as equipes, maiores os resultados para as empresas. Para Gabriela Ferreira, consultora e professora da Escola de Negócios da PUCRS, os ganhos são em duas frentes.
— Um lado é o de dentro da empresa, onde as pessoas trabalham melhor e tem qualidade de entrega melhor porque se sentem bem em um ambiente acolhedor, especialmente as de estratos minorizados. Do lado de fora, pesquisas mostram que clientes passam a admirar mais as marcas que têm esses princípios — diz Gabriela.
Bárbara Lucas, pesquisadora de diversidade na Faculdade IENH e gestora de Recursos Humanos na Klabin, lembra que a diversidade agrega valor simbólico e financeiro para as companhias.
— Além de tudo, é um diferencial de mercado. Quando se compara empresas que tem grupos mais diversos, elas apresentam lucratividade maior, de 20% a 30%. Os índices de diversidade são relevantes inclusive na bolsa de valores, ou seja, a empresa passa a valer mais. É um diferencial estratégico — diz a pesquisadora.
Criar ambientes
Muitos dos ganhos de produtividade alcançados entre as equipes têm a ver com o ambiente acolhedor para se trabalhar. Mas não basta criar vagas inclusivas sem permitir que as pessoas se sintam à vontade para estar nesses locais. Assim como são necessárias lideranças representativas das diversidades para que os espaços sejam seguros e empáticos às diferenças.
Funcionário há 12 anos da gigante Be8, em Passo Fundo, Leonardo Araújo da Silva, 33 anos, desenvolveu uma deficiência auditiva de maneira inesperada aos quatro anos de idade. A particularidade nunca foi um impeditivo, porém, para que estudasse e decolasse no ambiente profissional. Nessa mais de uma década, já transitou por diversos setores dentro da empresa e se sente à vontade para conquistar mais.
— O ambiente me acolheu e incentivou para um crescimento pessoal e profissional. É algo que me inspira muito — diz Silva, hoje assistente de faturamento na companhia.
O profissional conta que a deficiência, de início, gerava curiosidade dos colegas em relação à comunicação. Mas que o interesse de integrá-lo ao time fez as equipes passarem a entender a audição reduzida como algo natural.
— Os colegas começaram a ter conhecimento de como integrar. Hoje, um ajuda o outro e quando colegas novos chegam, isso também é compartilhado. Deixo a audição de lado porque não é uma barreira. Penso no futuro, em buscar conhecimento cada dia mais. O que importa é a inteligência e o conhecimento de cada um — diz.
O espaço receptível às ideias e às identidades diversas amplia a capacidade de desenvolvimento de talentos. Isso contribui para a construção de perspectiva, fazendo com que os funcionários vejam futuro para as suas carreiras. Para Roloff, o ponto é fundamental para que os colaboradores possam contribuir com o que têm de melhor.
— As pessoas precisam vestir a camisa da empresa, mas no momento que elas não puderem vestir a sua própria camisa, no sentido de trazer a sua identidade, elas não vão abrir a boca para falar algo diferente em uma reunião de trabalho, onde se espera que justamente as pessoas tragam a sua maneira de pensar — diz o especialista.
Como incluir políticas DEI nas empresas:
Criar ambientes diversos e inclusivos começa pelo entendimento do quadro de funcionários, como num “senso de diversidade”. É preciso conhecer o público interno e levantar onde estão as ausências de pessoal. A partir do entendimento deste cenário, é possível traçar metas e diretrizes que se tornarão estratégia.
— Precisamos entender o público que está no corpo das empresas e mapear quem está faltando trazer para dentro. Trazer pessoas diversas amplia a visão de mundo das pessoas, torna-as mais empáticas, acessíveis, colaborativas, e isso reflete em outras competências que entregam bons resultados. Todo mundo ganha com a diversidade — reforça Bárbara, pesquisadora da Faculdade IENH.
O passo seguinte é inserir o tema no dia a dia das empresas, comunicando sobre as ações e a importância das iniciativas. Muitas vezes, comunicar implica uma mudança de cultura nas organizações, lembram os especialistas.
Depois, é preciso promover o treinamento das pessoas, para que todos estejam familiarizados aos temas. É o que se chama de letramento das equipes.
O último e não menos importante passo diz respeito aos resultados.
— É preciso ter dados e métricas para que no final de algum período a empresa consiga mensurar os resultados que as ações tiveram. Isso mantém as lideranças engajadas e faz não perder o apoio interno — diz Erika Vaz, da to.gather.
Outras ações para promover políticas DEI
- Código de ética com foco nos compromissos da companhia
- Criação de comitês de diversidade e grupos de discussão
- Equidade salarial
- Implementação de compliance (normas internas)
- Plano de carreira
- Benefícios complementares
- Processos seletivos inclusivos
- Promoção de acessibilidade plena