Encarar as práticas ESG como ponto estratégico é o grande despertar de desenvolvimento das empresas e das sociedades como um todo. Para Andrea Pampanelli, doutora em Sustentabilidade e Engenharia, conselheira de Administração e consultora ESG pela The Green Factory e referência no tema, as práticas que aliam, juntos, o ambiental, o social e o econômico precisam ser ações que se materializam.
Apesar da relevância do Brasil e do Rio Grande do Sul na agenda ESG, o Estado ainda está um passo atrás na mensuração que demonstra o engajamento com a cultura da sigla, conforme a pesquisadora. Neste sentido, a catástrofe climática que alagou cidades nos meses de abril e maio pode ser ponto de virada para as companhias traçarem seus compromissos e saberem manifestar suas ações perante ao mercado.
Nem todas as práticas valem para todas as empresas, lembra Andrea, mas é preciso começar:
— É entender o que vale para mim e a partir disso definir a jornada. Vale para a pequena, a média e a grande empresa. Não é para fazer propaganda, mas para trazer consistência.
Leia na entrevista a seguir:
O Brasil parte de um protagonismo em ESG. Como avançar nesta pauta?
Penso que é o Brasil entender o quão protagonista ele é nesta agenda. Somos o país que tem a maior reserva natural do mundo, que é responsável por uma série de recursos e ainda tememos quanto a definir isso.
Gosto muito de uma fala do Jorge Caldeira, imortal da Academia Brasileira de Letras, um pesquisador da economia brasileira, que diz que um grande símbolo do fracasso da economia brasileira da época republicana foi na década de 1980, quando decidimos não fazer parte do mercado globalizado, do mundo da internet. Isso ficou marcado enquanto sociedade.
Os anos 2000 são marcados por uma mudança de um novo ciclo do pensamento econômico, onde se coloca em xeque tanto as posições de direita e de esquerda de que a natureza é fornecedora infinita de recursos. Todos os modelos econômicos são baseados nisso. O Brasil é o centro desse novo modelo, da economia de baixo carbono. Cruzar a fronteira significa entender isso, tornar-se protagonista quanto a isso.
A enchente que vivemos agora, por exemplo, é um grande problema, mas pode ser uma oportunidade. Se entendermos que, sim, houve toda a tristeza, os problemas e as mazelas, mas que podemos tornar o nosso Estado resiliente ao clima e transformar os modelos econômicos a serem mais capazes de dar conta, nos coloca em uma vantagem competitiva incrível em relação ao restante do Brasil e do mundo.
Se conseguirmos trazer ciência, tecnologia, engenharia, pensamento sistêmico para transformar um problema em oportunidade, podemos ser um celeiro muito fértil pela frente.
Quais seriam os próximos passos?
Enquanto Brasil, podemos ter políticas de governo mais claras em relação a isso. Tem um trabalho muito forte da iniciativa privada, mas ainda existe uma timidez em se colocar como protagonista, enquanto país, por todos os desafios que isso representa.
O ESG não é só o social, o ambiental ou o econômico. É o ambiental, o social e o econômico. Enquanto não entendermos que a pobreza é um tema material significativo, vamos ter dificuldade em ter este olhar sistêmico. O protagonismo do país passa por aí. Nas empresas, é entender como isso afeta.
O que daqui eu enxergo como problema? E de que forma eu posso transformá-lo em oportunidade? Onde eu estou localizado pode ser impactado pelas questões climáticas? O que eu posso fazer a partir daqui? Eu posso me beneficiar desta nova economia enquanto negócio? Entendo que passa por aí.
E como está o Rio Grande do Sul na cultura do ESG? Em que áreas precisa ainda evoluir?
O Rio Grande do Sul sempre foi um Estado muito forte na questão ambiental. Tivemos grandes marcos no movimento ambientalista. O nosso organismo de controle ambiental, a Fepam, é muito presente. As coisas não são feitas de qualquer jeito e há um mérito nisso. Viajo muito pelo Brasil e vejo como as coisas acontecem em outros lugares e digo que o barato sai caro. Talvez tenhamos dificuldades, os negócios às vezes veem como um entrave, mas há uma cultura feita do modo adequado.
A crise climática que aconteceu agora criou uma série de mecanismos, tanto no setor público quanto em outras iniciativas. O grande desafio para o gaúcho é sair de um “ranço”. Ranço que eu digo é a máxima de que a questão ambiental, ou o ESG como um todo, tem um posicionamento político por trás. E não necessariamente. Isso vem dos primórdios de um movimento que prega a questão da sustentabilidade como algo que quer frear o desenvolvimento da sociedade, do capitalismo, do desenvolvimento dos negócios.
O Estado precisa amadurecer enquanto isso e a ideia de trazer a polarização política para um tema que tem de ser olhado com pragmatismo. Isso pode ser uma oportunidade. Podemos fazer desse limão uma limonada, desenvolver, inclusive, ciência e tecnologia. Temos grandes universidades, grandes pensadores. Dá para fazer um monte de coisa bacana se olharmos o problema de cima e tentarmos fugir dos vieses históricos.
A enchente escancarou a urgência de se falar da questão ambiental. Como incorporar essa mentalidade nas empresas?
Trazendo ciência e tecnologia para isso. Por exemplo, se pensarmos num empreendimento, o que ele precisa olhar, do ponto de vista ambiental? Primeiro, onde eu estou localizado, é uma área de risco? Tenho possibilidade de tratar os meus resíduos? Essa é a pergunta estruturante.
A segunda questão é: a minha estrutura enquanto negócio precisa sofrer alterações para dar conta desse novo normal que se colocou, de uma sociedade que está clamando por um olhar ambiental, social e de governança mais estruturado? Pode ser que não se consiga fazer tudo de primeira, mas tem de estar claro na jornada.
O S do social se tornou ainda mais presente durante a cheia, principalmente a partir das iniciativas de voluntariado. Esse episódio marca um novo momento?
Isso serve para o Brasil como um todo, não só aqui para o Rio Grande do Sul. A desigualdade é um tema material, ponto. O desenvolvimento de ações que minimizem isso é fundamental para qualquer um, seja no desenvolvimento de políticas públicas, seja na iniciativa privada.
O que observei durante a enchente foi um olhar muito atento para o cuidado de todos que estão em volta. Todas as empresas estavam desenvolvendo ações claras para dar conta das necessidades dessas pessoas, para que pudessem se reerguer, porque as empresas são feitas de pessoas. A questão social, aqui, é um elo bem sensível dessa mola propulsora.
Como o ESG vai ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul?
Ele deveria trazer o olhar estratégico. A questão climática e as pautas que dizem respeito a temas ambientais e sociais precisam fazer parte da agenda estratégica das organizações. Não tem como ser diferente.
O ESG serve exatamente para entender como encarar de forma estratégica o social, o ambiental e econômico nas decisões assertivas nos negócios. Não é uma ação. Não são ações pontuais. São estratégias que olham os negócios como um todo e com abordagens de longo prazo.
O que eu me proponho enquanto ética e bem comum? Para isso, vou precisar olhar condições e sistemas, ou seja, os riscos, a capacidade de suporte, mas também entendendo como a liderança que está no negócio vai fazer com que essas condições sejam reais, que as pessoas percebam. Não é um valor da boca para fora, mas um valor de verdade.
Qual a importância de as empresas estabelecerem métricas claras quanto aos seus objetivos e comunicá-los de forma transparente para o mercado?
Isto é fundamental, ainda mais para se posicionar. Não adianta dizer que eu faço. Eu tenho que mostrar que faço, e os indicadores têm exatamente esse papel. Neste sentido, penso que as empresas no Rio Grande do Sul ainda estão um passo atrás.
Elas precisam entender que isso é estratégia, para depois conseguir medir e dizer o que vai medir, porque senão o que acabamos vendo é uma coletânea de coisas que são bonitas no papel, que até o indicador eu consigo medir, mas que na prática não se materializam. Principalmente as agendas social e ambiental, que são agendas físicas. As ações se materializam e são tangíveis.
Acho que há um passo atrás, que é entender a importância de incluir essa temática na estratégia. Ela é tema do dono da empresa, do conselho de administração. É ali que ela tem de estar sendo discutida, para definir o que será feito em termos estratégicos e como vai se desdobrar em outras coisas.
O ESG é uma exigência nas grandes corporações e uma realidade em outras menores. Ainda dá tempo de começar?
Sim. O ESG é uma jornada, não é um “check the box” (lista de ações a serem cumpridas). Mesmo uma empresa bem pequeninha tem obrigações e coisas muito simples para serem feitas. Tem de começar pelo básico.
Uma empresa pequena não tem muitos recursos, mas começar pelo básico pode ser trabalhar para que melhor consiga atender os requisitos da sua licença de operação ambiental, ou trabalhar para que tenha um código de conduta que defina a regra básica do jogo, de como se farão as coisas dentro da empresa. Se eu não consigo dar conta de toda a sociedade, pelo menos para melhor cuidar dos meus, em termos de ética, de dar apoio para as pessoas e para as suas famílias.
Se a empresa cuidar do bem básico, que faz parte do universo, e fazer isso de forma adequada, ela já está trabalhando em prol do ESG. E entender que as coisas não vão ficar prontas de primeira, que serão ciclos, e por isso que têm de estar no planejamento. Talvez os resultados não aconteçam na velocidade das empresas maiores, mas ao longo do tempo vai se observando uma crescente bem bacana. É só ter foco, determinação e entender que isso é estratégico.