Fincadas no compromisso de promover o bem público e social, nem sempre as organizações não governamentais, as chamadas ONGs, foram vistas com clareza em meio a suspeitas e casos de irregularidades. A condução das instituições deste tipo, no entanto, passa por compromissos sérios com a transparência e a prestação de contas, como qualquer empresa que administra seus recursos.
A seriedade se dá por conta do envolvimento de diferentes partes, o que vale para qualquer tipo de organização, mas especialmente as que buscam algum tipo de impacto. São várias as frentes envolvidas, tanto da iniciativa privada, que fornece os recursos, quanto da sociedade, que espera por resultados.
Na avaliação de especialistas que estudam o setor, o processo de lisura se constrói informando, seja com a tradicional prestação de contas ou mesmo por meio da figura de líderes com representatividade nas comunidades atuando como fonte de transparência. O importante é divulgar o que está sendo feito.
— Um dos grandes desafios das ONGs é justamente a transparência. As organizações têm toda uma estrutura de funcionamento, com formalização em CNPJs, até para terem acesso à capacitação de recursos — explica Paola Figueiró, professora e pesquisadora da Universidade Feevale, que também trabalha com inovação social.
O trabalho para reverter uma visão de desconfiança sobre as organizações, segundo os especialistas, é bastante desafiador, especialmente por existir um preconceito sobre como as atividades são desempenhadas. Algo que não pode ser generalizado, defendem, sobretudo pelo contexto estrutural de países como o Brasil, que dependem do terceiro setor para a garantia de direitos sociais, ambientais e educacionais.
— Muitas pessoas têm vontade de doar, mas também receio de que aquele valor não chegue da maneira que se pretende. Nas enchentes, isso aconteceu muito: as pessoas buscando quem pudesse legitimar o destino da doação. Quem está ao meu lado nesta causa? Essas pessoas também são ponte para a transparência da organização. E as redes sociais permitem cobrar mais também — diz Paola, da Feevale.
Professora da Escola de Humanidades da PUCRS, Inês Amaro lembra que o universo envolvendo ONGs, terceiro setor ou sociedade civil organizada pode ser muito amplo, incluindo desde grandes associações que operam em vários segmentos e geram grandes receitas, a pequenas organizações ou associações comunitárias. O caráter social, no entanto, não as isenta de terem obrigações de uma organização tradicional, entre elas as questões de transparência e de deveres a serem cumpridos.
— Embora sejam instituições privadas com fins públicos, são instituições que também operam com a lógica de cumprir sua missão. O que diferencia essas organizações é que os seus fins sempre serão fins voltados às demandas da sociedade — diz Inês.
O princípio da transparência é cada vez mais valorizado tanto nas empresas quanto nas ONGs, chegando a compor o arcabouço legal destas instituições. No caso das parcerias entre iniciativa privada e terceiro setor, todos os recursos têm finalidade pública, e por isso a prestação de contas é uma obrigatoriedade. Bem como as questões jurídicas e contábeis inerentes de cada atividade, cada vez mais cobradas.
A sustentabilidade financeira das ONGs pode se dar das seguintes formas:
- Por doações, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas
- Por parcerias com empresas através de projetos específicos
- Por alavancagem de recursos a partir de receitas próprias e comercialização de bens e serviços
- Por recursos públicos
Outro mecanismo para manter a idoneidade das ações são as contrapartidas. As compensações dependem de cada projeto, mas podem, inclusive, serem formalizadas para ajudar no processo de transparência, como forma de garantir que a ajuda está mesmo chegando e o quanto está se revertendo em resultados. Por isso que, para as ONGs, é importante ter proximidade com o beneficiado:
— Senão, a contrapartida se torna inviável. Ela não vai acontecer se não houver a proximidade. É preciso entender o que é necessário naquele local, porque aí o recurso vai ser mediante a um compromisso, e a roda vai continuar girando — diz Paola.
Também há cuidados a serem tomados pela empresa que contrata uma ONG para a realização dos projetos, sob o risco de danos à imagem da companhia em caso de qualquer irregularidade. Atualmente, a atenção ao recurso alocado passa pela profissionalização do braço social nas companhias, com a criação de institutos próprios, fundações ou grupos técnicos que cuidem disso. Trata-se de uma evolução da filantropia para o investimento social, cita a pesquisadora da PUCRS, Inês Amaro.
— Há organizações privadas com áreas bem estruturadas nestes projetos, com mecanismos bem elaborados de prestação de contas que envolvem resultados no detalhe para saber a comprovação do uso daquele recurso. Da mesma forma, no recurso público — diz Inês.
As especialistas lembram ainda que as universidades têm papel fundamental enquanto extensionistas para promover a aproximação das iniciativas com as organizações da sociedade civil. A parceria também é uma forma de entender os apoios necessários e se as estruturas estão funcionando como devem.