Proporcionar a educação das equipes sobre temas relacionados à diversidade é ponto de partida para a criação de ambientes de trabalho inclusivos. Ainda que sejam regras muitas vezes estabelecidas em lei, a inclusão de grupos diversos somente se dá quando há entendimento sobre as particularidades de cada um, do alto escalão de liderança aos cargos de níveis iniciais de uma companhia.
Entre as frentes, o chamado letramento dos funcionários é medida primordial. Mas começa ainda antes dele, pelo conhecimento das realidades, diz o especialista em diversidade social e fundador da Conexão Diversa, Matheus Felippe.
— Educação é a solução para muitas coisas, principalmente para inclusão das diversidades. Não adianta dar curso e não entender o que se pensa — diz o especialista.
Por isso, a primeira pergunta a se fazer é: o que passa na sua mente ao conviver com pessoas diferentes de você? A partir do questionamento, avança-se para o próximo ponto, que é entender que falar sobre inclusão é falar sobre respeito.
— Ambiente inclusivo é quando você não precisa esconder a sua característica ou deixar parte de você ao cruzar a porta da empresa. Porque quando você entende que isso é um valor, você consegue ser quem você é — completa Felippe.
Muitas iniciativas internas permitem tornar o tema mais próximo dos colaboradores. Entre elas, os grupos de afinidade são os mais buscados, principalmente nas grandes corporações. Eles permitem que as pessoas compartilhem experiências de vida e reúnam apoio para causas conjuntas.
Na Randoncorp, referência na indústria gaúcha e nacional, quatro grupos com ações específicas têm o objetivo de sensibilizar e educar sobre os temas. Em 2023, 380 participantes fizeram parte dos grupos de afinidade de mulheres, pessoas com deficiência, raça e etnia e LGBT+ (sigla que abrange lésbicas, gays, bissexuais, trans e mais). Aceleração de carreiras femininas e reconhecimento ao legado de cada profissional também estão entre as frentes de governança traçadas pela companhia.
Os exemplos estão em todos os segmentos de empresas. Na Lojas Renner, as iniciativas de diversidade e inclusão levaram à criação do Plural, programa que orienta sobre as estratégias da varejista nesta linha. Além dos grupos de afinidade, a empresa tem Código de Conduta para políticas internas e uma plataforma pioneira de aprendizagem, a Universidade Renner, que conecta os trabalhadores a programas de curadoria, mentorias e grupos de estudo, entre outros canais de desenvolvimento.
Reconhecida como a melhor empresa para trabalhar entre agências nas categorias Étnico-Racial e LGBTI pelo ranking Great Place To Work Diversidade, a Agência Bistrô, de Porto Alegre, é referência em fomentar a diversidade no ambiente de trabalho.
Fernanda Aldabe, VP Institucional da empresa, conta que quando a agência foi criada, há 17 anos, falava-se muito pouco sobre diversidade, mas que marcar o compromisso de dar chance a pessoas diversas desde cedo favoreceu a sua distinção no mercado. Hoje, o posicionamento público é o principal ponto de atração de clientes da Bistrô. Também é o maior atrativo para que as pessoas queiram trabalhar no local:
— As pessoas dizem que sentem o ambiente da agência seguro para trabalhar. Elas vêm porque pesquisam a história da empresa.
A cultura da diversidade precisa ser amadurecida de dentro para fora, diz a gestora. Entre uma série de ações, como a Escola Bistrô, a agência aposta no letramento da equipe de 70 funcionários e em muita conversa para que todos conheçam as suas particularidades. A empresa é signatária do Pacto Global da ONU, rede que reforça princípios de direitos humanos, trabalho justo, meio ambiente e anticorrupção.
— Ser diverso não é fazer o dia da mulher, colocar um arco-íris na logo da empresa ou criar vaga inclusiva para preencher um “check”. Isso é o mínimo. As empresas precisam pegar para si a responsabilidade como agentes de mudança e o papel de fazer essa mudança, não de apenas cumprir cotas — diz Fernanda.
Com a experiência de quem entende o dia a dia nas empresas, Matheus Felippe diz que o maior desafio ainda é criar lideranças que estejam afinadas à diversidade. Reconhecido três vezes no prêmio Top Ser Humano da Associação Brasileira de Recursos Humanos RS, o especialista foi eleito o 5º líder de RH mais influente do Brasil pela GOintegro em 2022. No ano passado, entrou na lista do Top 100 influenciadores de RH Brasil pela RH Summit.
— A maioria das pessoas que está em cargos de liderança não sofre preconceito na mesma intensidade dos grupos que levantam aquela bandeira. O fato de não sofrer com a discriminação e achar que o mundo é bom para mim faz não perceber a dor de quem sofre com a desigualdade, a discriminação e a vulnerabilidade — diz Felippe.
Depois, o problema é da ordem de orçamento. Segundo o especialista, ainda há empresas que não destinam recursos para as pautas de diversidade. É preciso ter investimento para isso, assim como pessoas preparadas para lidar com o tema.
Passo a passo: veja dicas para criar ambientes inclusivos
- Trocar vieses. Os especialistas reforçam que um ambiente não se torna inclusivo “do nada”. As pessoas precisam se conhecer e se aproximar da diversidade, para então quebrarem padrões construídos culturalmente.
- O que é lei? Há uma legislação brasileira vigente a ser cumprida e as empresas precisam saber as regras. Lei de cotas, lei de combate ao assédio, lei de combate ao racismo e lei de equidade salarial são algumas delas.
- Letramento. O contato com a diversidade é ampliado a partir do treinamento das equipes. Cursos, palestras e demais atividades estão entre as estratégias. As datas inclusivas podem ajudar a trazer o tema para dentro das discussões.
- Dados. A empresa precisa conhecer a sua equipe. Aplicar censos de diversidade e pesquisas de clima e satisfação são um caminho para isso. O setor de RH também pode ajudar a mapear as equipes, sem expor nomes. Da mesma forma, o time de compliance pode fornecer informações sobre alegações e denúncias, também de forma anônima.
- Diagnóstico. Os dados permitem avaliar o grau de diversidade da empresa e definir as ações necessárias para aproximar os públicos. Também orientam sobre cargos a serem criados e sobre como alinhar o tema com as equipes.
- Grupos de diversidade e inclusão. É preciso proporcionar que os grupos falem das suas bandeiras. O especialista Matheus Felippe reforça que as lideranças precisam estar presentes nas discussões, com membros que “apadrinhem” ou “amadrinhem” os grupos ou comitês de diversidade.
- Mensurar resultados. É importante computar quantos treinamentos foram realizados, quais metas foram definidas para o próximo ciclo e observar a evolução dos dados. As métricas permitem olhar o quanto a pauta avançou.
- Ir além. Outras estratégias ajudam a estabelecida a cultura inclusiva dentro da empresa, como a atração de pessoas de grupos minorizados por meio de recrutamento de seleção baseado em metas sociais de diversidade, ações afirmativas e treinamento do time de seleção de vagas.