Um governo com base de apoio fragmentada, envolvido em polêmicas sucessivas e conduzido por um presidente da República que insiste na retórica divisionista. A despeito do território fértil à oposição, os partidos de esquerda perderam protagonismo nos primeiros meses de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Até agora, o antagonismo político mais eficaz ao presidente tem sido praticado ora pelo centrão, ora pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Restrita a 131 deputados na Câmara e míseros 12 parlamentares no Senado, as bancadas de PT, PCdoB, Psol, PSB e PDT não têm força sequer para propor uma CPI ou apresentar uma proposta de emenda à Constituição cujo apoio mínimo é de 171 assinaturas.
Embora tenha levado Fernando Haddad ao segundo turno e colhido 47 milhões de votos, o PT não conseguiu transformar seu ex-candidato em principal nome de contraponto a Bolsonaro. Na Câmara, tampouco a eleição de 54 deputados, a maior bancada da Casa, seguida pelo PSL, com 53, deu ao partido força para liderar uma frente de oposição ao governo. Pelo contrário, por vezes Psol, PDT e PSB cogitam até mesmo isolar o antigo aliado. Em geral, porém, optam pelo pragmatismo de votar contra o governo, a despeito das divergências interna.
— No passado, a oposição não era tão isolada. Tanto partidos de esquerda quanto de direita tinham aliança com os de centro. Hoje são justamente as força de centro que cumprem o papel de oposição. Como o governo tem uma agenda descalibrada, muitas vezes sem respaldo da própria população, elas fazem o contraponto. Na reforma da Previdência, o centrão se apropriou do discurso da oposição, fazendo uma carta com vários itens que queria retirar do texto. E conseguiu — avalia o cientista político Antônio Queiroz, analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
No PSB, segundo maior partido de oposição, uma discussão interna busca reorientar a atuação parlamentar. Vice-presidente nacional da legenda, o deputado Júlio Delgado (MG) também cita a reforma da Previdência como exemplo dos equívocos cometidos nos últimos meses. Conforme Delgado, a bancada do PSB atuou para suavizar o texto, obteve conquistas importantes, mas depois fechou questão para votar contra, quando a matéria chegou ao plenário. Mesmo assim, 11 deputados contrariaram a orientação partidária e votaram a favor, na maior defecção registrada na esquerda. Os insurgentes respondem agora a processo disciplinar e estão à mercê de expulsão.
— É preciso sair dessa armadilha do maniqueísmo, de ser contra só porque a proposta é do governo. É como querer derrubar o avião só porque não gostamos do piloto, estando dentro da aeronave. O texto da reforma que chegou aqui era tenebroso. Nós batalhamos para atenuar as perdas do trabalhador, conseguimos mudar vários pontos e depois votamos contra. É coisa de doido. É possível ser crítico e propositivo — sustenta o deputado.
Delgado diz que, embora os partidos de esquerda tenham 131 deputados, o tamanho real da oposição ficou demonstrado no placar da MP da Liberdade Econômica, aprovada por 346 votos a 76. Para fugir dessa postura que relegou o setor a um gueto, Delgado defende votar a favor de medidas consideradas positivas e combate sem tréguas a eventuais retrocessos propostos por Bolsonaro, sobretudo na agenda ambiental e de costumes:
— É preciso trazer a sociedade de volta para o nosso lado. Os simpatizantes de Bolsonaro são contra a nomeação do filho (para a embaixada nos Estados Unidos), estão preocupados com o meio ambiente, mas não querem a volta do PT. Então tem espaço para crescermos. Tomara que outros partidos também enxerguem a oportunidade e fujam dessa briga de torcidas entre petistas e bolsonaristas.
Falta de protagonismo
Maior partido de oposição, o PT rejeita a sugestão dos aliados de colaborar com eventuais propostas do governo. A aposta é na polarização política com Jair Bolsonaro. Líder da sigla na Câmara, Paulo Pimenta (RS) diz que é necessário reforçar com cada vez mais ênfase as contrariedades com a agenda do Planalto e credita a falta de protagonismo dos petistas nas discussões no Congresso a uma conspiração da mídia:
— Há uma tentativa deliberada da grande imprensa de nos silenciar. O (Fernando) Haddad fez quase 50 milhões de votos e nunca mais deu entrevista na TV aberta. A mídia escolhe quem ela quer que seja oposição.
Pimenta não aceita as críticas de PDT e PSB de que o PT é refém do slogan "Lula Livre" e defende a adoção de uma postura antagônica baseada nesse discurso como forma de resgatar as pautas caras à esquerda, como a inclusão social e a defesa do ambiente. Para ele, apenas PT, PSOL e PCdoB representam a oposição orgânica no Congresso.
— PSB e PDT são nossos aliados em determinadas pautas e em outras não. Já o centrão não tem nada de oposição. A pauta econômica deles é a mesma do governo. Eles têm têm diferenças de método, mas não de conteúdo — afirma.
Apesar das divergências, o PT espera contar com os tradicionais parceiros na montagem de uma amplo arco de alianças para as eleições de 2020. Embora não tenha candidatos naturais e competitivos em capitais importantes no mapa político, como Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, a legenda acredita que a disputa será plebiscitária, com o eleitor fadado a escolher candidatos vinculados a Bolsonaro ou à esquerda.
— Temos bons candidatos em Manaus, Fortaleza e Rio Branco, mas estamos no esforço de montar um tabuleiro nacional para a criação de uma frente progressista. Podemos apoiar o PCdoB em Porto Alegre com a Manuela (d'Ávila) ou o PSOL com o (Marcelo) Freixo no Rio. O importante é combater o avanço da extrema-direita. Será a disputa de uma agenda humanista contra uma autoritária — sugere.
O tamanho da oposição
Na Câmara
PT - 54
PSB- 32
PDT - 27
Psol - 10
PCdoB - 8
No Senado
PT - 6
PDT - 4
PSB - 2