Prevista na pauta de votações da Câmara dos Deputados desta terça-feira (13), a Medida Provisória (MP) 881/2019 coloca dirigentes patronais e centrais sindicais em lados opostos. Conhecida como a MP da Liberdade Econômica, a proposta é vista pelo empresariado como necessária para melhorar o ambiente de negócios no Brasil, reduzindo a burocracia e facilitando a abertura de empreendimentos. Por outro lado, representantes dos trabalhadores argumentam que o texto precariza as relações de trabalho no país e prometem questionar alguns dos trechos na Justiça.
O texto inicial da MP, que recebeu o apelido de minirreforma trabalhista, continha 19 artigos e foi apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro em abril. Três meses mais tarde, comissão especial na Câmara aprovou a matéria com a incorporação de novos trechos, chegando a 53 pontos. Nos últimos dias, o projeto passou por um pente-fino. Assim, a proposta que deverá ser apreciada no plenário contempla 22 itens. Se não for aprovada na Câmara e no Senado até 10 de setembro, a medida perde a validade.
Confira alguns dos principais impactos que poderão ser gerados pela medida, caso ela receba sinal verde nas duas casas.
O que mudaria para o empresário
Dispensa de alvarás e licenças
Quem pretende criar o próprio negócio em uma atividade considerada de baixo risco não precisará mais obter alvarás e licenças municipais ou estaduais antes de abrir as portas ao público. O único requisito será a inscrição tributária requerida em lei. Na prática, a medida deve beneficiar pequenos comércios e prestadores de serviços, abrangendo advogados, cabeleireiros, costureiros, sapateiros, profissionais que fazem pequenos consertos, entre outros.
O presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Pedro De Cesaro, considera este ponto como um dos mais importantes da MP, já que a nova formatação da lei poderia reduzir a burocracia, agilizar a abertura de empresas e, por tabela, estimular a criação de empregos no país.
— Hoje, o empreendedor espera 60, 90, 120 dias para conseguir um alvará de funcionamento. O Estado já prejudica o empreendedor na hora de abrir seu negócio — afirma.
Além da redução no tempo médio de abertura de empresas, o fim da exigência dos documentos acabará reduzindo o custo de formalização da atividade, segundo Cesaro.
Perfil da fiscalização
A medida prevê que a primeira visita fiscalizatória a uma empresa seja feita com caráter orientativo e não punitivo. Ou seja, caso fiscais encontrem problemas nas instalações, inicialmente eles poderão apenas comunicar as falhas. Sendo assim, as multas só poderão ser emitidas a partir de uma segunda visita, caso os erros não tenham sido corrigidos. Hoje, o fiscal pode multar no momento em que detecta as irregularidades.
— É tanta legislação, que, muitas vezes, o empresário quer fazer a coisa certa, mas se perde. É preciso esse caráter de orientar mais e punir menos — analisa Simone Leite, presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul).
Por outro lado, entre as centrais sindicais, esse ponto é encarado com desconfiança. O presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT-RS), Claudir Nespolo, considera que as fiscalizações às empresas ficariam mais brandas, em um momento no qual já há poucos servidores para realizar as inspeções.
— As inspeções serão relativizadas. É um convite à sonegação e à transgressão das normas — avalia.
Fim do eSocial
Criado pelo governo federal em 2014, o eSocial deverá ser extinto. Hoje, por meio do eSocial, empregadores comunicam ao governo dados relativos aos trabalhadores, como vínculos, pagamentos, contribuições previdenciárias, acidentes de trabalho, entre outros. A intenção é implementar um novo sistema para o fornecimento das informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas, com menos exigências.
A avaliação da presidente da Federasul é de que o eSocial trouxe mais burocracia para as empresas, pelo excesso de informações exigidas. A dirigente destaca que as companhias seguirão prestando os esclarecimentos necessários ao governo, mas apenas sobre os temas relevantes.
— O eSocial não traz segurança jurídica. São pedidas informações até sobre os dependentes do trabalhador, todas as licenças, atestados, se as férias são coletivas ou parceladas. Essa redução de informações (no novo sistema que deve ser criado) não vai trazer prejuízo para o trabalhador — salienta.
O presidente da União Geral dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul (UGT), Norton Jubelli, reconhece que o eSocial é um sistema “complicado de operar”, mas reforça que a submissão dos dados sobre a empresa e o empregado é relevante.
— A questão é se o governo vai conseguir simplificar (as exigências) sem perder informações importantes — pondera.
O que mudaria para o trabalhador
Trabalho aos domingos e feriados
Qualquer atividade econômica poderá ser exercida aos domingos e feriados, mesmo aquelas nas quais não há acordo coletivo que trate este tema. Nestes casos, o trabalhador manterá o direito a folga, que poderá ocorrer em outro dia da semana. Além disso, a medida prevê que, a cada quatro semanas, pelo menos um dia de descanso seja obrigatoriamente no domingo.
— O grave dessa medida é que ela desorganiza a jornada e não respeita mais a folga do trabalhador — diz Claudir Nespolo, presidente da CUT-RS.
Nespolo destaca ainda que o trabalho aos finais de semana e feriados deve ser regulado pelas convenções coletivas, algo que já ocorre com diversas categorias. O dirigente critica a possibilidade de os dias de jornada passarem a ser negociados diretamente entre empregado e empregador, apontando que “não existe negociação igual entre desiguais”.
Para o presidente do IEE a medida não colidiria com os acordos das categorias que já têm autorização para atuar aos finais de semanas e feriados. O objetivo é, segundo ele, apenas não impor limitação de dia e horário aos estabelecimentos que quiserem funcionar nos horários alternativos.
— O foco é o pequeno empreendedor que quer abrir aos domingos e que tenha funcionários que queiram trabalhar aos domingos, fazendo com que isso não seja mais proibido por lei —pontua.
Controle do ponto
Empresas com menos de 20 funcionários não precisarão mais fazer o registro do ponto dos trabalhadores. Hoje em dia, somente empresas com menos de 10 funcionários estão dispensadas de adotarem um sistema de marcações. A medida ainda liberaria o chamado controle de ponto por exceção, nas situações em que exista acordo entre empregado e patrão. Isso possibilitaria o registro apenas nos dias em que as jornadas fugissem do horário previsto no contrato de trabalho.
Dirigentes sindicais e o próprio Ministério Público do Trabalho (MPT) manifestam contrariedade a essa alteração, por acreditar que ela poderá servir para encobrir horas-extras sem pagamento e jornadas além do estipulado em contrato.
— Esses trabalhadores vão estar sob a proteção de quem? Sob a boa-fé de quem vai contratá-los? — indaga Norton Jubelli, presidente da UGT-RS.
Já os empresários alegam que a falta de registro do ponto não implicaria supressão de direitos trabalhistas. O presidente do IEE, Pedro De Cesaro , garante que o horário previsto no contrato de trabalho seria cumprido à risca e, caso excedido, ocorreria o pagamento de horas-extras ou seria concedido banco de horas.
— Se está colocado no contrato que o trabalho é das 8h às 18h, o contrato vai ser cumprido. Por isso não haveria mais necessidade da obrigatoriedade do ponto.
Carteira de trabalho digital
A carteira de trabalho passaria a ser totalmente digital, sendo vinculada ao CPF do trabalhador. Com isso, o documento de papel não teria mais utilidade e todos os registros relativos ao empregado seriam realizados eletronicamente.
Apesar de ver com bons olhos a promessa de modernização do documento, o presidente da UGT-RS, Norton Jubelli, teme que a carteira digital tenha sua função desvirtuada no futuro. O dirigente levanta a hipótese de o documento ser um primeiro passo para a criação da chamada carteira de trabalho verde e amarela, proposta por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Nesta modalidade, o contrato individual prevaleceria sobre a CLT.
— Se o intuito é atualizar (a carteira), não vejo problemas. Não há mais nexo em guardar uma carteira de papel em casa, com as assinaturas de uma vida inteira. Nosso receio é que essa carteira seja um pega-ratão e que ali na frente haja um projeto de carteira verde e amarela — aponta Jubelli.