O Supremo Tribunal Federal (STF) impôs nesta quinta-feira (13) uma derrota ao governo Jair Bolsonaro, ao impor limites ao decreto presidencial que visa eliminar uma série de órgãos colegiados da administração pública federal — como conselhos, comitês e comissões.
Todos os ministros da Corte entenderam que o presidente da República apenas pode fechar conselhos e comitês que tenham sido criados por decreto ou por outra norma infralegal.
Eles decidiram que Bolsonaro não pode suprimir estruturas que tenham algum amparo em lei — ou seja, que tenham passado pelo crivo do Congresso Nacional. Apesar de o resultado representar uma derrota para o Palácio do Planalto, o governo escapou de uma derrota ainda maior: dos 11 integrantes do STF, cinco queriam revogar integralmente o decreto editado por Bolsonaro em abril.
Prevaleceu, no entanto, o entendimento do relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, de apenas declarar inconstitucional um dispositivo da norma que abria brecha para que o chefe do Executivo também pudesse extinguir órgãos colegiados que são mencionados em lei.
Foi a primeira vez que o plenário do STF se debruçou sobre uma medida do atual governo. O pedido para que o decreto fosse anulado foi movido pelo PT. Os ministros ainda precisarão analisar o mérito da ação mais adiante, em data ainda não marcada.
O decreto 9.759 de 2019 determina o fim de colegiados criados por decretos ou por medidas administrativas inferiores. Também estavam inclusos na medida órgãos mencionados em lei, mas cujo texto não especifica quais seriam suas competências e composição — não se sabe quantos colegiados se incluem nessa definição, que deve abarcar parte considerável dos conselhos. Estima-se, entretanto, que não sejam a maioria.
Nesta quarta-feira (12), quando o placar estava cinco a quatro para derrubar integralmente o decreto de Bolsonaro, o julgamento foi adiado em razão de um pedido de vista do presidente do STF, ministro Dias Toffoli.
Retomado o julgamento nesta quinta-feira, tanto Toffoli quanto Gilmar Mendes defenderam anular apenas parcialmente o texto, invertendo o placar.
Os ministros favoráveis a derrubar todo o decreto argumentaram que ele determina, de forma vaga, o fechamento indiscriminado de diversas estruturas da administração pública federal no próximo dia 28.
De acordo com eles, isso traz insegurança jurídica para a administração pública.
— A extinção indiscriminada de todos os conselhos, sem a identificação nominal de qualquer um deles --quando têm naturezas e funções diversas-- tem um nível de opacidade e obscuridade; e impede o Congresso Nacional e a sociedade de saberem exatamente o que está sendo feito — disse, em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso.
Além de Barroso, votaram pela suspensão total do decreto os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
A tese menos abrangente — que acabou vitoriosa — foi endossada por Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, além de Mendes e Toffoli.
— Qualquer processo pretensamente democrático deve oferecer condições para que todos se sintam igualmente qualificados para participar do processo de tomada de decisões — disse Marco Aurélio.
O decano da corte, Celso de Mello, aproveitou seu voto para criticar o que chamou de "utilização excessiva de decretos".
— Esse comportamento minimiza perigosamente a importância político-institucional do Poder Legislativo — afirmou o ministro.
O decreto analisado pelo STF estabeleceu que a partir de 28 de junho deixarão de existir uma série de colegiados da administração pública.
O texto não nomeou individualmente quais estruturas serão eliminadas, mas trouxe uma redação genérica que, segundo especialistas, coloca em risco estruturas como a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e o Conselho Nacional do Idoso e Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, entre outros.
Em maio, Bolsonaro determinou o fechamento de uma primeira leva de mais 50 colegiados. Entre os órgãos eliminados, está o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão, que fazia a interlocução dos setores empresarial e sindical com o Palácio do Planalto desde 2003.
Argumentos contra e a favor do decreto
Na ação levada ao Supremo, o PT apresentou quatro argumentos principais: o primeiro é que o presidente da República não tem atribuição para criar ou extinguir órgãos públicos. O segundo é que um decreto não tem o condão de alterar disposições previstas em lei -como é o caso de alguns conselhos.
O partido também sustentou que, ao não especificar quais colegiados serão atingidos, o decreto violou o princípio da segurança jurídica, pois criou incertezas na administração pública.
Por fim, a sigla disse que a extinção de instituições que permitem a democracia participativa viola o princípio constitucional da participação popular."Temos um decreto que fere a Constituição porque excede claramente as competências que a Constituição entrega à Presidência da República", disse o advogado do partido, o ex-ministro Eugênio de Aragão, na quarta-feira.
— Não pode o presidente da República, sem ouvir o Congresso Nacional, extinguir os órgãos da administração. Ele pode dispor sobre o funcionamento da administração, mas a extinção de órgão está na reserva legal — acrescentou.
O advogado-geral da União, André Mendonça, que fez a defesa do governo no Supremo, também na quarta-feira, negou que o decreto tenha como objetivo desmontar a participação social na elaboração de políticas públicas. Para ele, trata-se de um tema de racionalização e de eficiência da administração pública.
De acordo com Mendonça, a Secretaria Especial de Desburocratização, do Ministério da Economia, identificou a existência de 2.593 colegiados no âmbito da administração pública, "muitos dos quais inativos e inoperantes há muito tempo."
— O cerne da questão é a boa governança pública, da racionalidade administrativa e o princípio da eficiência. Garantindo-se a participação da sociedade civil na construção das políticas públicas — disse o advogado-geral da União.