Líder do PT na Câmara e um dos maiores críticos da Operação Lava-Jato, o deputado federal Paulo Pimenta (RS) afirma que o juiz Sergio Moro revelou um "projeto de poder" ao aceitar o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para assumir o novo Ministério da Justiça e Segurança. Colocando sob suspeita todos os atos do magistrado na condução dos processos criminais que desbarataram um esquema gigantesco de corrupção, Pimenta diz que o vazamento de informações e até mesmo as condenações levadas a cabo por Moro tinham motivação política.
Como o PT recebeu a notícia de que o juiz Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça?
Estamos estarrecidos. A sociedade está perplexa com a consolidação do papel da Lava-Jato para a destruição do tecido político brasileiro e a eleição de Jair Bolsonaro. É inacreditável. O general (Hamilton) Mourão, numa entrevista hoje (quinta-feira), revelou que o convite ao Moro foi feito antes do final da eleição. Isso mostra que o vazamento da delação do (ex-ministro Antonio) Palocci foi feito com objetivo eleitoral.
O senhor acha que, ao aceitar o convite, Moro coloca sob suspeita os seus próprios atos?
Não tenho dúvida. O Poder Judiciário foi uma peça fundamental e decisiva para um esquema perverso, sórdido, de para tirar o Lula do caminho, para que eles pudessem ascender ao poder. O (procurador da República, ex-integrante da força-tarefa da Lava-Jato) Carlos Fernando vai junto com o Moro para o Ministério da Justiça, está na imprensa. Já li declaração dele dizendo isso. (Após a publicação da entrevista, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima soltou nota oficial negando que vá integrar o governo eleito: "O procurador segue na carreira até sua aposentadoria e pretende, posteriormente, atuar na advocacia e como consultor de compliance", diz o texto.)
Isso deslegitima a Lava-Jato, a condenação do ex-presidente Lula?
Totalmente, não só no Brasil, mas no mundo. Mesmo pessoas que até ontem nutriam alguma ilusão viram hoje. As pessoas foram esbofeteadas. Você imaginar que o juiz da Operação Mãos Limpas, que levou o (ex-primeiro ministro italiano Silvio) Berlusconi ao poder, virasse ministro da Justiça dele... imaginar isso é tão inconcebível do ponto de vista jurídico, moral, político e ético. Agora, você imaginar que o juiz da Lava-Jato, que até ontem atuava de maneira implacável na perseguição a Lula se torne ministro de um governo neofascista, de caráter policial, é algo tão grave para o tecido social, a democracia, para o Judiciário brasileiro, que nós temos que compreender a dimensão do que significa esse projeto de poder que estamos assistindo no país.
O que o PT pretende fazer?
Em primeiro lugar, vamos colocar sob suspeição de maneira mais enfática tudo aquilo que já vínhamos demonstrando. Vamos levar esse tema para fóruns internacionais. Eles estão tão estarrecidos e perplexos quanto nós. A comunidade acadêmica-jurídica mundial está perplexa. No Brasil, também. Isso altera a percepção de muitas pessoas sobre a maneira como o Judiciário e o Ministério Público Federal atuaram nesse processo, como um braço político de um projeto de poder.
Vocês estudam alguma medida jurídica para tentar reverter a condenação do ex-presidente Lula?
Com certeza. Não há dúvida do papel decisivo, preponderante, do juiz Sergio Moro e da Lava-Jato num projeto de poder para o qual era fundamental afastar o Lula para que se viabilizasse uma alternativa a ele.
Mas o senhor acha que isso era orquestrado desde lá? Desde a condenação pelo Moro, depois a confirmação em segunda instância?
Não, não. Acho que sempre houve... Isso demonstra que havia intrinsecamente um projeto de poder. O objetivo sempre foi um projeto de poder.
O senhor diz projetos distintos que se encontraram agora?
Exatamente. Projetos de poder que se revelaram. Porque se você olhar, há uma entrevista do Sergio Moro ao Estadão, uns anos atrás, em que ele diz "jamais entrarei para a política". Ou seja, ele revela que tudo era uma mentira, tudo era uma grande farsa.
Neste panorama, a concessão de um eventual habeas corpus a Lula fica mais difícil ou mais fácil?
Para mim, a primeira coisa que me vem à frente dos olhos é aquele domingo do habeas corpus (concedido a Lula por um desembargador plantonista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e, mais tarde, cassado). O desespero do Moro, a maneira como ele enlouqueceu, como ele enfrentou a Polícia Federal, enfrentou o TRF4, mobilizou o STF. Porque ali ele estava jogando o futuro político dele. A partir daquele dia, ele abdicou de qualquer outro objetivo que não fosse impedir que o presidente Lula fosse candidato, porque este seria o grande empecilho para que ele pudesse desenvolver um projeto de poder.
Mas o senhor acredita que isso facilita ou dificulta a concessão de um hábeas ao Lula? Ou não muda nada?
Muda muito. Todos os cuidados para que não fosse dado uma conotação política às ações da Lava-Jato se desfizeram hoje. Bolsonaro é o presidente que assume publicamente um conjunto de posições que são absolutamente incompatíveis com o Estado democrático de Direito, assusta uma comunidade internacional, coloca o Brasil hoje num rol de país que serão governados por um governo neofascista, de caráter policial, e do qual Sergio Moro se torna peça-chave.