O juiz mais popular que o país já teve, Sergio Moro, determinou a prisão do ex-presidente com os maiores índices de popularidade na história recente do país, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A detenção foi ordenada no entardecer desta quinta-feira (5).
No documento em que autoriza a execução da pena de 12 anos e um mês de reclusão a que o petista foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o magistrado ressalva que, “em atenção à dignidade do cargo que ocupou”, Lula tem a oportunidade de se apresentar voluntariamente à sede da Polícia Federal (PF) de Curitiba. O prazo vence às 17h desta sexta-feira (6).
Imediatamente após a divulgação da ordem de prisão, mobilização foi convocada por redes sociais para que apoiadores do petista rumassem para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo (SP), onde Lula estava. Milhares atenderam e ocuparam as ruas. Em outras cidades do país, como Porto Alegre, também ocorreram atos em defesa do ex-presidente.
Caso se confirme, será a primeira vez na história do país que um ex-presidente da República é preso por crime comum. A determinação ocorreu um dia após o Supremo Tribunal Federal (STF) negar habeas corpus preventivo ao petista, no qual pedia para recorrer em liberdade contra a condenação imposta no âmbito da Operação Lava-Jato.
Moro, em sua ordem de prisão, fez mais uma deferência ao condenado: informou que uma sala especial foi preparada para dar início ao cumprimento da pena: “O ex-presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”. O prédio da PF em Curitiba onde Lula deve permanecer preso foi inaugurado em 2007, na gestão do petista.
A ordem de prisão foi determinada de forma tão rápida que até a PF foi surpreendida. Delegados, de forma reservada, admitem que esperavam decisão a respeito de Lula apenas para a semana que vem.
Moro só determinou a prisão porque o juiz-substituto Nivaldo Brunoni, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), considerou que não cabiam mais recursos contra a ordem de prisão emitida pela Corte, após o julgamento em segunda instância do ex-presidente, ocorrido em 24 de janeiro.
Em seu despacho, o magistrado, que substitui o desembargador João Pedro Gebran Neto, destacou que a condenação em segundo grau foi unânime, não ensejou embargos infringentes e, por isso, “deve ser dado cumprimento à determinação de cumprimento da pena”. Brunoni ressaltou também que o STF “denegou por maioria” o habeas corpus ao ex-presidente.
Ordem emitida 19 minutos após ofício
Ao determinar a prisão, o substituto do TRF4 ignorou a possibilidade de que os defensores de Lula impetrassem embargos dos embargos, um recurso contra a sentença condenatória, que os advogados pretendiam apresentar segunda-feira. O recurso é sistematicamente negado pela Corte.
A iniciativa de Brunoni pode ter surpreendido o próprio presidente do TRF4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores. Pela manhã, disse em entrevista que os novos embargos propostos pela defesa de Lula poderiam demorar vários dias para serem analisados.
Um dos defensores de Lula, Cristiano Zanin considerou que a ordem de prisão contraria orientação do próprio TRF4, que em janeiro definiu que a determinação só seria emitida após esgotamento de todos os recursos no segundo grau.
Para críticos da Lava-Jato, a velocidade com que os trâmites foram cumpridos soou como “telepática”. O documento de Brunoni foi publicado às 17h30min no sistema eletrônico da Justiça Federal. Exatos 19 minutos depois, Moro assinou despacho de quatro páginas ordenando que Lula se apresente para cumprir a pena.
Moro, com o ato, pode ter tentado evitar aquilo que poderia ser mais uma reviravolta jurídica a beneficiar Lula. Um grupo de advogados ingressou na tarde desta quinta-feira, no STF, com pedido de liminar para impedir prisões de condenados em segunda instância.
A solicitação é encabeçada por um dos juristas medalhões de Brasília, Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay. Ele pede urgência na análise de uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) que garanta liberdade de sentenciados em segundo grau. Kakay alega que eles não podem esperar o julgamento do mérito da questão por parte do STF, porque “ninguém pode devolver aos indivíduos os dias passados de forma ilegítima no cárcere”.
A liminar deve ser analisada pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, o mais exaltado na defesa de liberdade para condenados em segunda instância, durante a sessão do Supremo em que foi discutido o pedido de Lula para permanecer livre.
Caso venha a se confirmar, a prisão de Lula não será a primeira em sua longa carreira. Em 1980, ele ficou um mês preso por liderar greve de 200 mil metalúrgicos na região do ABC Paulista. A paralisação dos operários durou 41 dias. Na época, foi saudado pela intelectualidade como renovador do sindicalismo brasileiro. Poucos anos depois, foi fundador do PT.
Outros processos ainda em trâmite
A grande diferença é que a prisão determinada agora não é pela liderança de Lula em protestos políticos, mas por corrupção. Ele foi condenado por Moro por aceitar um apartamento triplex como suborno por parte da construtora OAS em troca de supostos favores prestados pelo seu governo à empreiteira.
Dirigentes da empresa afirmaram isso. Mensagens telefônicas, interceptadas pela PF, mencionavam obras feitas na cobertura do edifício em Guarujá (SP) a pedido da ex-primeira-dama Marisa Letícia – pelo menos, essas foram as provas consideradas para condenar o ex-presidente por Moro e pelo TRF4.
Lula responde ainda a outros oito processos criminais na Justiça Federal, um deles prestes a ser julgado: o da suposta doação de um terreno para o Instituto Lula, que teria ocorrido em troca de benesses à construtora Odebrecht.
O julgador será o mesmo. Tudo isso em um ano eleitoral, em que Lula é apresentado pelo PT como seu candidato à Presidência.
Condenado em segunda instância, Lula dificilmente conseguiria vingar como candidato, já que a Lei da Ficha Limpa considera inelegível político condenado por colegiado judicial. Mas o ex-presidente continuava na corrida, embalado pelo arsenal de recursos sempre disponíveis no cipoal jurídico brasileiro. A prisão determinada agora pode minar de vez as chances de Lula retornar ao comando do país.