A resistência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em se entregar contrasta com seu comportamento nas primeiras 24 horas de cadeia. A presença do petista pouco alterou a rotina na Superintendência na Polícia federal (PF) de Curitiba. Considerado um detento exemplar, ele não reclamou, não fez pedidos e tampouco foi hostil com os agentes.
Mais célebre detento da Lava-Jato, Lula ocupa uma sala de 15 metros quadrados no último andar do prédio. A porta não tem grades, mas permanece fechada. Do lado de fora, uma equipe faz a vigilância 24 horas por dia. São dois a três agentes se revezando na guarnição ao ex-presidente. Ele foi orientado a bater na porta caso precise de algo, mas até o final da tarde de ontem não havia feito nenhuma solicitação.
– Por enquanto, está tudo tranquilo – diz um dos agentes envolvidos na operação.
Lula chegou calado à sede da PF. Aparentando abatimento e cansaço, praticamente não falou durante a viagem de São Paulo a Curitiba no turboélice modelo Cessna 208B Gran Caravan da corporação, tampouco no deslocamento de helicóptero desde o aeroporto Afonso Pena. Ao desembarcar no terraço do prédio, desceu uma escada pela área externa escoltado por cinco agentes. Pouco antes, os policiais haviam feito um ensaio da descida, com um agente fazendo as vezes do ex-presidente. A luz também foi ajustada no local para evitar qualquer acidente.
Tão logo entrou no edifício, Lula pôde conversar com os advogados Cristiano Zanin Martins e Sigmaringa Seixas durante uma hora e meia. Em geral, a PF não autoriza a visita de advogados aos finais de semana, mas o superintendente de Curitiba, Mauricio Valeixo, atendeu a um pedido do juiz Sergio Moro para que fosse permitida a entrada dos defensores do petista. Ontem à tarde, os dois advogados estiveram mais uma vez com Lula.
Ainda na noite de sábado, Valeixo também recebeu no prédio a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR) e o presidente do PT local, o ex-deputado Dr. Rosinha. Valeixo informou aos parlamentares que Lula estava bem e tranquilo, mas não permitiu que eles se reunissem com o ex-presidente. Pelas regras da carceragem da PF, apenas familiares em primeiro grau dos presos podem fazer visitas.
Amanhã, governadores do Nordeste pretendem se reunir com Lula. A viagem a Curitiba foi idealizada pelo governador do Ceará, Camilo Santana (PT) e deve contar com oito dos nove gestores estaduais da região. Apenas Paulo Câmara (PSB), do Pernambuco, ainda não confirmou presença. Não há garantias de que o grupo seja autorizado a estar com Lula. A princípio, ele não pode receber visitas de políticos.
A sala do ex-presidente tem uma cama de solteiro, uma mesa e banheiro com chuveiro elétrico. Com autorização de Moro, ele recebeu uma televisão com sinal dos canais abertos. Valeixo, que entrou em férias no domingo e seguiu em viagem para os Estados Unidos, deixou clara orientação aos subordinados: apenas ele e os três policiais do topo da hierarquia da superintendência terão contato com o preso.
Informações sobre o cotidiano do ex-presidente, refeições e outras particularidades não serão repassadas à imprensa. Além de preservar a privacidade de Lula, o objetivo é sobretudo evitar o vazamento de imagens do ex-presidente na prisão – preocupação manifestada expressamente por Moro a Valeixo.
No primeiro dia, porém, Lula recebeu o mesmo desjejum dos demais 19 presos custodiados no local: café com leite e pão com manteiga. Por volta das 11h, chegou o almoço, uma marmita com arroz, feijão, uma porção de carne e salada.
A PF ainda estuda como serão os banhos de sol do ex-presidente. Pelas regras da superintendência, os custodiados só saem da cela 10 dias após a chegada. O período é considerado importante para à aclimatação à prisão. Há possibilidade, contudo, de que seja aberta uma exceção ao petista. Já as visitas estarão liberadas a partir de quarta-feira, uma vez por semana, e restritas aos familiares em primeiro grau _ no caso dele, os cinco filhos.
Além dos cuidados com Lula, a partir de agora os policiais também planejam o funcionamento do prédio. Por decisão da Justiça estadual, toda a área ao redor da superintendência foi bloqueada. Além dos PMs que seguem aquartelados dentro da sede, há policiais em barreiras em todo o quarteirão.
O complicado é que há depoimentos marcados para a semana e também a emissão diária de passaportes. Um servidor da corporação deverá ser deslocado para um dos pontos de acessos controlados pela PM para verificar se as pessoas que tentarem passar pelo local realmente tem algum compromisso na sede da PF.
- Nossa preocupação é manter a integridade física de todo mundo, seja contra ou a favor de Lula, garantir o pleno funcionamento da PF e a tranquilidade dos moradores da região – disse o comandante do Batalhão de Trânsito da PM, coronel Naassio Polak.
Depois do tumulto de sábado à noite, quando policiais soltaram bombas de gás e dispararam balas de borracha contra manifestantes petistas, o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a CUT ocuparam as ruas perto da PF. Dez ônibus já estão estacionados e os manifestantes montaram um acampamento, batizado de "Lula Livre", por tempo indeterminado. Pelo menos 40 caravanas do interior do Paraná também estariam se deslocando para a região.
- Temos condições de resistir até a vitória final – diz o coordenador do MST, Roberto Baggio.
Na tarde de ontem, políticos do PT estiveram no local e a cantora Ana Cañas fez um pocket show aos manifestantes. A rotina dos moradores acabou bruscamente alterada. Muitos reclamam que não conseguem sair de casa e que o barulho perturba o sossego.
– Nós é que estamos presos aqui, não o Lula. Meu filho não pode sair, não posso receber visitas e meus gatos fugiram, assustados – desabafou uma dona de casa, pedindo anonimato por receio de retaliações.
Condenado em primeira e segunda instância, Lula agora deposita suas esperanças nas Cortes superiores. A partir de hoje, começa a contar prazo de 15 dias para a defesa ingressar com recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF).