É inegável que Luiz Inácio Lula da Silva coreografou a sua apresentação à Polícia Federal para cumprir pena de 12 anos por corrupção. Ele transformou em comício, com grande apelo popular, aquilo que poderia ter sido sua derrota, o ato final na vida de um político. Esbanjou carisma ante seus fiéis e foi, literalmente, carregado nos braços pelos partidários.
Tinha tudo para virar confusão, das grandes. Quem sabe, tragédia. A cronologia de erros começa com o prazo dado pelo juiz Sergio Moro para que Lula se apresentasse, 24 horas. A intenção do magistrado era dar dignidade ao condenado, compatível com seu status de ex-presidente.
O juiz só não entendeu que prazo, em política, pode render o preparo de um discurso. As 24 horas dadas por Moro eram tudo que o político mais popular do Brasil (e também um dos mais rejeitados) precisava para metamorfosear sua derrocada em palanque eleitoral. O PT chamou e mais de mil pessoas correram para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, onde Lula nasceu para a política e onde resolveu desafiar a ordem de prisão. "Não me apresento, eles que venham me buscar", disse aos correligionários. Lula abraçou, beijou, se alimentou do apoio dos petistas. Tudo foi filmado, para futuro uso eleitoral.
A multidão entendeu o "venham me buscar" como senha para resistir. Os policiais federais encarregados de cumprir a ordem de prisão ficaram num brete. Usar a força acarretaria, na melhor das hipóteses, em feridos. Na pior, numa tragédia.
Foi então que o Ministério Público Federal (MPF) e a PF endureceram o jogo. Ventilaram que pediriam a prisão preventiva de Lula, por incitamento à desordem e descumprimento de mandado judicial. Vejam: a prisão preventiva significa que, mesmo que ganhasse um habeas corpus contra sua condenação (o que pode acontecer em dias), o ex-presidente ficaria preso, por força de outra ordem, a da prisão provisória. Muito mais difícil sair da cadeia, nessas circunstâncias. Aconselhado, Lula trocou o discurso incendiário pelo da conciliação. Aceitou se entregar. Do outro lado, policiais e procuradores não forçaram a barra. E o Brasil, pelo menos por enquanto, adiou a possibilidade de arcar com mártires nessa campanha eleitoral que se anuncia a mais belicosa das últimas décadas.