Principal líder de massas da política brasileira nas últimas décadas e em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República em 2018, Luiz Inácio Lula da Silva volta ao banco dos réus a partir das 8h30min do dia 24. Condenado em 1ª instância a nove anos e seis meses de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula terá sua apelação julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre.
A Corte será responsável por definir o futuro do petista, num julgamento que atrai as atenções da mídia internacional e tem reflexos no cenário eleitoral do país. Se condenado, Lula poderá ser candidato? Será preso? E se for absolvido? GaúchaZH apresenta a resposta a essas e outras questões em um guia completo sobre o julgamento e suas implicações.
Questões antes do julgamento
1. Do que Lula é acusado?
O ex-presidente foi denunciado na 13ª Vara Federal de Curitiba por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por supostamente ter recebido propina da construtora OAS em troca de favorecimentos à empreiteira em contratos na Petrobras. O suborno, no total de R$ 3,7 milhões, teria sido pago com a aquisição e reforma de um triplex no Guarujá (SP) e no custeio do armazenamento de seu acervo presidencial.
2. Como foi a decisão de 1ª instância?
Lula foi condenado em 12 de julho de 2017 pelo juiz Sergio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro. A pena estabelecida foi de nove anos e seis meses. Tanto a defesa quanto o Ministério Público Federal (MPF) recorreram.
3. O que alega a defesa na apelação?
Em 490 páginas, os advogados pedem a absolvição do petista, alegando que a condução do processo por Moro foi "parcial e facciosa". Dizem ainda que o juiz "reconheceu que não há valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras que tenham sido utilizados para pagamento de qualquer vantagem a Lula".
4. O que pede o MPF no recurso?
Em sua sentença, Sergio Moro entendeu que Lula havia cometido apenas um crime de corrupção e um de lavagem de dinheiro. A acusação se refere a três contratos da OAS com a Petrobras e, por isso, os procuradores querem que o ex-presidente seja punido por três atos de corrupção em concurso material (instrumento jurídico pelo qual as penas são somadas). Como Lula pegou seis anos por este tipo de crime, se o TRF4 atender ao pedido do MPF a pena pode subir para 18 anos. Somados os três anos e seis meses da sentença por lavagem de dinheiro, a punição total chegaria a 21 anos e seis meses. O MPF também solicita a manutenção do regime fechado para Lula e manifestou-se favoravelmente ao pedido da defesa para diminuição dos dias-multa estipulados por Moro.
5. Onde será o julgamento?
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), cuja sede é em Porto Alegre. Trata-se da Corte de 2ª instância para todos os casos da Justiça Federal nos três Estados da região sul do país. O processo contra Lula tem origem no Paraná.
6. O processo se encerra no dia 24?
Não. Seja qual for o resultado – condenação ou absolvição –, cabem recursos ao próprio TRF4.
7. Lula estará em Porto Alegre?
O ex-presidente participa de ato nesta terça-feira (23), às 18h, na Esquina Democrática, no centro da Capital. Na quarta-feira (24), porém, a presença dele em Porto Alegre não é garantida. É provável que ele acompanhe o julgamento em São Paulo, onde deve participar de ato com apoiadores.
8. Quem irá julgar?
O ex-presidente será julgado pela 8ª Turma do TRF4. O colegiado é especializado em processos criminais e julga todos os casos da Lava-Jato na Corte. Três desembargadores integram a 8ª Turma. O paranaense João Pedro Gebran Neto é o relator do processo. O presidente da turma, o gaúcho Leandro Paulsen, é o revisor. O terceiro integrante é o catarinense Victor Luiz dos Santos Laus.
9. Os desembargadores podem pedir vista antes da sentença?
Sim. Eventual pedido de vista de qualquer um dos três integrantes da 8ª Turma pode postegar a decisão.
10. É comum pedido de vista nos processos da Lava-Jato no TRF4?
Até agora, a Corte já julgou 23 apelações da operação. Em seis (26%) houve pedido de vista, sempre do mesmo desembargador, Victor Laus. Em geral, isso ocorre porque os desembargadores Gebran Neto e Leandro Paulsen são, respectivamente, os responsáveis por relatar e revisar o processo e têm, em tese, mais conhecimento sobre os detalhes de cada caso.
11. Se houver pedido de vista, há prazo para retomada do julgamento?
Não. Em geral, há entendimento tácito nos tribunais de que um processo com pedido de vista deve voltar à pauta do colegiado na sessão seguinte. Esse acordo, contudo, quase nunca é respeitado. Nos casos da Lava-Jato no TRF4, o pedido de vista mais demorado levou cinco meses. O mais rápido, duas semanas.
Após o resultado, novas dúvidas
12. O que ocorre em caso absolvição?
O MPF pode recorrer da decisão do TRF4. Neste caso, o recurso sobe para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se houver nova absolvição, ainda cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
13. E se houver condenação?
A defesa pode recorrer ao próprio TRF4 de duas formas: com embargos de declaração e infringentes.
14. Para que servem os embargos de declaração?
Têm o objetivo de pedir esclarecimentos a algum ponto confuso ou obscuro da decisão. Em geral, não modificam a essência do acórdão. Em alguns casos, é possível que mudem determinado ponto, inclusive com redução de pena. Os embargos de declaração precisam ser protocolados no máximo dois dias após a publicação do acórdão.
15. Para que servem os embargos infringentes?
É recurso utilizado quando há algum voto divergente no colegiado. Nestes casos, a defesa pede que prevaleça o voto mais favorável ao réu. Se Lula for condenado por dois votos a um, por exemplo, pode ingressar com embargos infringentes pedindo que prevaleça o voto pela absolvição. Esse tipo de recurso precisa ser protocolado em prazo máximo de até 10 dias após a publicação do acórdão.
16. Quem julga os embargos infringentes?
O recurso é enviado ao relator, Gebran Neto, para juízo de admissibilidade, ou seja, se aceita os embargos. Se o recurso for negado, é permitida à defesa ingressar com agravo regimental na 4ª Seção do TRF4, colegiado que reúne os seis desembargadores da 7ª e 8º turmas, ambas especializadas em matérias criminais. O órgão é presidido pela vice-presidente da Corte, desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère. Caso a 4ª Seção recuse o agravo, a tramitação da apelação está encerrada na 2ª instância. Se os embargos forem admitidos por Gebran, num primeiro momento, ou pela 4ª Seção, após o agravo, é feito novo julgamento, pela própria 4ª Seção, desta vez com outro relator.
17. Se a condenação for por unanimidade (3 a 0), cabem embargos infringentes?
Sim. Isso ocorre quando há desacordo parcial entre os magistrados. Isso pode acontecer, por exemplo, quando os três votam por condenação, mas estipulam penas diferentes. Neste caso, a defesa pode ingressar com embargos infringentes pedindo que prevaleça o menor tempo de prisão. Todavia, ao final de cada julgamento os membros da 8ª Turma têm formado uma espécie de voto médio para definir as penas de cada réu, o que praticamente elimina a possibilidade de surtir efeito esse tipo de recurso nas condenações por unanimidade.
18. Já houve embargos infringentes na Lava-Jato?
Sim. Em quatro apelações, mas nenhum foi aceito.
19. Se condenado, Lula pode ser preso?
Não no dia do julgamento (24). Caso tenha a condenação mantida pelo TRF4, Lula só teria ordem de prisão expedida contra si após se esgotarem todos os recursos na própria Corte. Esse entendimento vem sendo aplicado pelo TRF4 mesmo depois de o STF permitir a execução provisória da pena após condenação judicial em segundo grau.
20. Como tramitaria uma ordem de prisão contra Lula?
Após esgotados todos os recursos no TRF4, a própria Corte pode determinar a execução provisória da pena. Em seguida, a ordem de prisão é expedida por Moro, juiz natural da causa. Após o recolhimento do condenado, quem administra a punição é a 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável por administrar a execução penal.
21. Em quanto tempo seria expedida eventual ordem de prisão?
É impossível prever com exatidão. Nos dois processos da Lava-Jato em que réus soltos receberam ordem de prisão após esgotados os recursos na 2ª instância, esse período foi de nove e de 10 meses após o julgamento de segundo grau. Se esse tempo médio se repetir no processo de Lula, ele só seria preso a partir do final de outubro, período que coincide com o segundo turno das eleições presidenciais de 2018.
22. Onde Lula seria preso?
Essa é uma decisão de Moro. Em geral, o juiz determina que os réus condenados passem a cumprir a pena em um estabelecimento prisional próximo ao local de residência. Neste caso, Lula ficaria preso em São Bernardo do Campo (SP) ou em São Paulo.
23. O ex-presidente pode não ser preso mesmo após esgotados os recursos no TRF4?
Sim. Ele pode ingressar com habeas corpus no STJ ou no STF. Também é possível enviar pedido de efeito suspensivo da pena.
24. Se Lula for condenado, como fica sua candidatura à Presidência?
Pela Lei da Ficha Limpa, uma condenação por órgão colegiado impede alguém de concorrer a cargo público. Contudo, mesmo que seja considerado culpado pelo TRF4, Lula tem direito de registrar a candidatura. O prazo para inscrições dos candidatos vai de 20 de julho a 15 de agosto. A lei eleitoral diz que, enquanto o pedido não é julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele pode fazer campanha. Caso o TSE negue o registro, ainda cabe recurso. Até o julgamento final pela Justiça Eleitoral, o que tenderia a ocorrer só em outubro, próximo da data da eleição, o petista permaneceria com a candidatura sub judice, mas manteria o direito de concorrer. Além disso, um artigo (26-C) adicionado à lei das inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990) pode manter Lula na eleição. O texto permite que enquadrados pela Ficha Limpa recorram a tribunais superiores (STJ e STF) com pedido de liminar para efeito suspensivo da inelegibilidade. O mérito da questão ganha prioridade na Corte onde a cautelar for obtida.
25. Há outras ações penais contra o petista?
Sim. Lula é réu em mais cinco processos. Foi denunciado ainda em outras duas ações penais e responde a um inquérito. No total, com a apelação a ser julgada dia 24, tem a conduta averiguada pela Justiça em nove procedimentos.