A reclamação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto à celeridade do julgamento da apelação contra a sentença do juiz Sergio Moro é criticada pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso. Para ele, a velocidade é justificada por se tratar de um caso de maior relevância e pondera que o próprio réu é beneficiado com esse tipo de ação.
O ministro aposentado avalia que, caso a condenação seja confirmada, a eventual inelegibilidade ocorreria somente depois de esgotadas as possibilidades de recursos dentro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Quanto às manifestações políticas e populares, pró e contra Lula, Velloso sustenta que o Estado deve "estar presente" para coibir situações tensas que possam evoluir para um confronto. Ele classifica atos que estimulem a violência como "terroristas". Confira os principais trechos da entrevista.
A defesa do ex-presidente Lula afirma que não há provas de crime cometido por ele no caso do triplex. Como o senhor avalia essa situação?
O fato de um réu condenado dizer que não há provas é uma regra geral. Afirmar se há prova ou não, somente com o exame dos autos. A condenação foi baseada no recebimento de propina, confirmada pelo ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Ele afirma que o petista sabia de irregularidades na estatal. O depoimento do delator é realmente um indicativo. Não se condena apenas no depoimento. O depoimento indica fatos que, certamente, foram investigados.
A ex-primeira-dama Marisa Letícia é citada diversas vezes na ação, mas morreu em fevereiro de 2017. O senhor acredita que, em um caso de grande repercussão como esse, a morte de uma das principais citadas interfere? Traz prejuízo ao julgamento?
Não. O que acontece: falecido o réu, então, essa ação se extingue, a ação contra a pessoa falecida. Mas, aquilo que foi revelado a respeito, se foi investigado, não se extingue. Fatos não se extinguem com a morte do réu e há extinção da ação em razão do óbito.
A defesa fez reiterados pedidos de suspeição de Moro e pediu explicações sobre a celeridade com que a apelação de Lula foi colocada na pauta do TRF4. O senhor considera os pedidos legítimos?
É um absurdo. Temos de aplaudir o juiz que decide com certa rapidez, que não se deixa levar pelo exagero das formalidades. Reclamamos contra a lentidão. Agora, se os processos estão andando mais aceleradamente, parabéns. A Justiça está de parabéns. Sabemos que o TRF4 é um tribunal que decide com uma certa rapidez. É um bom tribunal.
ZH fez um levantamento sobre a velocidade com que o TRF4 colocou em pauta a apelação de Lula. Foram 196 dias, que é a metade do tempo médio das demais. Sendo um dos casos de maior relevância, o tempo está adequado?
Acredito que os casos de maior relevância devem ser julgados mais aceleradamente, claro. Isso resulta até em benefício do réu. Ora, se o processo anda mais rápido, não é vítima da famosa lentidão judicial, acho que traz benefício à sociedade e também ao réu.
No caso de condenação em 2ª instância, Lula ficará automaticamente inelegível?
A Lei da Ficha Limpa estabelece que uma condenação por órgão colegiado, em um tribunal, torna inelegível o condenado. A lei veio em razão do clamor da sociedade, cansada de tolerar candidaturas de pessoas condenadas por tribunal, mas sustentando a tese de que seria necessário o trânsito em julgado. Anteriormente, tinha-se um hino à impunidade.
A Ficha Limpa pode ser aplicada antes dos embargos de declaração (recurso para pedido de esclarecimento) e antes de eventuais embargos infringentes (quando a sentença ou parte dela não é unânime)?
Essa é uma questão processual. O que a lei diz é condenação por um órgão colegiado, presume-se que seja uma condenação definitiva. Se ainda pende recurso, então não há uma condenação definitiva desde que seja recurso no próprio tribunal de 2ª instância e não no STJ ou STF. Se forem cabíveis os embargos infringentes, se houver voto vencido, então, aguarda-se o julgamento desses embargos infringentes.
A expectativa é de clima tenso no dia 24, data do julgamento na Capital. Apoiadores do ex-presidente prometem atos, críticos garantem resposta. Qual sua análise?
Manifestações pacíficas são próprias de um sistema democrático, de um país em que se pratica a democracia. Agora, no momento em que um ato deixa de ser pacífico, passa a ser uma manifestação marginal, até terrorista, no sentido que vai causar danos ao patrimônio público, privado, a pessoas que não têm nada a ver com a história. A autoridade estatal deve estar presente justamente para evitar ou coibir manifestação que ultrapasse aquilo que a Constituição tolera.
O ex-presidente foi julgado pela 1ª instância da Justiça Federal porque não tem foro por prerrogativa de função. Porém, outros citados na Operação Lava-Jato têm a prerrogativa. Isso pode causar desequilíbrio na corrida presidencial?
O foro privilegiado que existe no Brasil, para parlamentares, ministros, em Estados e municípios, é uma excrescência. Isso deveria ter acabado. É uma pena que o STF não tenha concluído o julgamento em razão de pedido de vista. São situações anômalas, anormais, uma jabuticaba do modo como existe. O foro não existe em país sério, civilizado. Existe em republiquetas.
As empresas não podem fazer doações eleitorais desde a última eleição. A proibição de grandes financiadores de campanha melhora a corrida eleitoral?
Vamos verificar isso em 2018. Na minha opinião, combateu-se doações ilegais proibindo-se as doações legais. É um erro. Ao invés da proibição, deveriam ter sido criados meios de se impedir que as doações legais se transformassem em doações ilegais.
A Justiça Eleitoral tem condições de fazer essa fiscalização?
Acho que a Justiça Eleitoral teria muito mais condição de impedir que uma doação legal se transformasse em ilegal. A Receita Federal tem muito mais condições para isso do que a Justiça Eleitoral. O Tribunal de Contas poderia ser chamado a colaborar, e até a Polícia Federal e as polícias estaduais.
Qual sua opinião sobre as delações premiadas e os vazamentos de informações?
Tudo isso é irregular. O Brasil está banalizando algo que é muito sério, a delação premiada. Quem quebra o sigilo, descumpre a lei que impõe o sigilo.
De que forma a delação premiada é banalizada?
Justamente com a divulgação, com a quebra do sigilo. O sigilo de uma delação só pode ser quebrado com a denúncia do Ministério Público. Está se vendo que o sigilo é quebrado muito antes disso.