Cristiano Zanin Martins se prepara para os 15 minutos mais importantes desde que assumiu a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2015. Esse é o tempo que o advogado de 42 anos, natural de Piracicaba (SP), terá para argumentar contra a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro que pesa contra seu cliente.
A apelação elaborada por Zanin ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) tem quase 500 páginas. No documento, ele refuta a tese de que o petista recebeu vantagens indevidas da OAS por meio de um triplex no Guarujá, no litoral paulista.
Para o advogado formado em 1999 pela PUC-SP, não há provas do fato. O defensor diz haver perseguição política contra Lula e ressalta que "um inocente não pode ser condenado".
A defesa terá 15 minutos durante o julgamento. Como o tempo será utilizado?
É um tempo exíguo. Então, precisaremos focar nos principais pontos do nosso recurso de apelação, que tem diversos argumentos para reformar a sentença condenatória. É um recurso de quase 500 folhas e teremos de resumi-las aos julgadores.
O que sustenta a tese de que há perseguição política contra o ex-presidente?
Não temos dúvida de que Lula é vítima de "lawfare", que consiste no mau uso de leis e procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. Lula é alvo de diversos procedimentos e processos que têm em comum a ausência de materialidade, a inexistência de qualquer prova de que ele tenha cometido ato ilícito. Alguns agentes do Estado se uniram para tentar derrotar Lula. Buscam tomar o tempo do ex-presidente e danificar sua imagem e sua reputação para que não tenha condições de se manter politicamente ativo.
Na sentença, o depoimento do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, liga Lula à corrupção na Petrobras.
Léo Pinheiro é candidato a delator. Antes do depoimento dele, o questionei sobre o processo de delação. Tanto o Ministério Público quanto os advogados dele esclareceram que estavam negociando delação buscando benefícios. Ele tinha o maior interesse em agradar ao Ministério Público. Buscamos ter acesso à integra do processo de delação que ele estava negociando com a PGR (Procuradoria-Geral da República), que foi negado, à época, pelo procurador-geral Rodrigo Janot. O fundamento é que o acordo não foi fechado porque ele não apresentou provas das suas alegações.
Mensagens trocadas entre Léo Pinheiro e o ex-diretor da OAS Paulo Gordilho citam reformas no triplex e a concordância do "chefe" e da "madame", que seriam Lula e Marisa Letícia.
São mensagens que não envolvem Lula ou dona Marisa e, sobretudo, jamais indicam ou demonstram a prática de qualquer crime de corrupção. Não há qualquer ato identificado que tenha sido realizado pelo ex-presidente no cargo para beneficiar a construtora OAS. Tanto é verdade que a sentença utiliza o conceito de atos indeterminados. Nenhuma pessoa pode ser condenada em base de atos indeterminados.
Não há qualquer ato identificado que tenha sido realizado pelo ex-presidente no cargo para beneficiar a construtora OAS.
Moro afirma que houve tentativa de Lula de passar responsabilidades para Marisa Letícia (morta em fevereiro). Como o senhor avalia esse ponto?
É mais um equívoco da sentença que buscou, de forma absolutamente descabida, reunir em uma só pessoa Lula e dona Marisa. Os contratos e todas as ações do processo estão delimitados na compra e no pagamento de cotas (de um apartamento) de uma cooperativa, feitos por dona Marisa.
Testemunhas afirmam que funcionários da Odebrecht, vizinhos e até o zelador do condomínio Solaris comentavam que o triplex seria para Lula.
Não existe essa afirmação no processo. Ao contrário, os funcionários da OAS que cuidavam da obra disseram sempre que o ex-presidente era potencial cliente, potencial comprador. O próprio zelador disse que ele achava que o imóvel poderia estar reservado para Lula, mas sempre tratou deste apartamento com a OAS, que era a proprietária. Os testemunhos jamais atribuíram a propriedade do apartamento a Lula.
Uma proposta para compra do triplex foi encontrada em buscas na casa do ex-presidente Lula e há rasuras que demonstrariam a intenção de adquirir o imóvel.
Essa é uma ilação que consta na sentença, que transformou supostas rasuras em presunções de culpa contra o ex-presidente, o que é absolutamente descabido. A sentença fala que haveria intenção de ter a propriedade do triplex no momento da compra da cota. Mas, naquele momento, não existia sequer triplex. O empreendimento da Bancoop (antiga responsável pelos apartamentos) tinha unidades "tipo" e "duplex". Triplex somente passou a existir depois de 2009, quando a OAS assumiu e reformulou o projeto. Então, já é uma afirmação falsa quando a sentença diz que, no momento da aquisição da cota, em 2005, há a intenção de adquirir o triplex.
Na sentença, Moro afirma que haveria motivos para a prisão de Lula por intimidação da Justiça, de agentes da lei e da imprensa, mas não a determinou alegando que traria "traumas".
É mais uma afirmação inapropriada dentre diversas que constam na sentença com o objetivo de extrair um resultado midiático. Até porque o juiz, se tivesse algum elemento, não poderia optar por tomar uma decisão ou não. O juiz tem de seguir a lei. Ele não pode dizer que está descartando por uma questão pessoal uma providência que a lei exige. Foi uma afirmação exclusivamente com objetivo midiático e que acabou apenas por confirmar o caráter da parcialidade do julgador ao emitir aquela sentença.
O ex-presidente Lula reconhece que houve corrupção na Petrobras?
Essa avaliação não tem nenhuma relação com o processo e cabe às autoridades fazer a apuração. O ex-presidente, assim como nenhuma das autoridades que tinham o dever de apurar fatos ilícitos durante seu mandato, não teve conhecimento de qualquer ato ilícito. Se posteriormente esses atos foram descobertos, isso não tem qualquer relação com o ex-presidente e, muito menos, teve qualquer aval por parte dele.
Mas a Petrobras reconheceu perdas de mais de R$ 6 bilhões devido à corrupção. Isso não configura que, de fato, existiram ilegalidades?
Isso não é algo que a defesa tenha de avaliar. São processos independentes que estão sob avaliação. O foco da defesa é mostrar que o ex-presidente jamais participou e jamais teve ciência de qualquer ato de corrupção na Petrobras ou em qualquer outra esfera da administração federal. A última decisão que o juiz proferiu no processo, ao julgar nossos embargos de declaração, admitiu que não há nos autos qualquer elemento que possa indicar que Lula tenha recebido valores provenientes da Petrobras.
Os pedidos do senhor de suspeição contra o juiz Sergio Moro foram rejeitados. Por que a defesa ainda sustenta essa argumentação contra o juiz?
Mostramos, com base em elementos objetivos e devidamente comprovados, que o juiz Sergio Moro havia perdido a imparcialidade em relação ao ex-presidente Lula. Enumeramos fatos que mostram que ele praticou diversas ilegalidades e que teve participação em fatos de natureza política que claramente comprometeram a isenção.
Por que o ex-presidente quer ser ouvido antes do julgamento no TRF4?
Para ter oportunidade de prestar um novo depoimento, uma vez que, ao nosso ver, o depoimento que ele prestou em primeiro grau sofreu diversas interrupções e ele foi questionado sobre temas absolutamente estranhos à ação. Isso acabou prejudicando a oportunidade dele de fazer sua autodefesa.
Levantamento feito por GaúchaZH mostrou que o julgamento de Lula no TRF4 vai ocorrer 196 dias após a sentença em primeiro grau, metade da média de outros processos da Lava-Jato. Qual é a sua opinião sobre o fato?
Ninguém pode reclamar de uma Justiça veloz, mas, quando a velocidade é apenas para um único cidadão, a questão ganha outros contornos.
Os dados revelam, objetivamente, que o recurso de Lula terá uma tramitação em tempo recorde no TRF4. Ninguém pode reclamar de uma Justiça veloz, mas, quando a velocidade é apenas para um único cidadão, a questão ganha outros contornos, pode configurar quebra da garantia da isonomia, dentre outras coisas.
As manifestações de apoio e contrárias ao ex-presidente Lula poderão influenciar na decisão dos três desembargadores do TRF4 no dia 24?
Nossa única preocupação é que não sejam criadas situações que possam interferir no julgamento da apelação. Nenhuma situação externa pode interferir. Estamos atentos para que isso não ocorra e para que o ex-presidente possa ter direito a um julgamento justo, imparcial e independente, o que não ocorreu na primeira instância.
Como o senhor avalia o fato de a chefe de gabinete do presidente do TRF4 ter publicado em redes sociais uma petição online defendendo a condenação de Lula?
Qualquer clima de hostilidade é incompatível com o ambiente de justiça. A servidora é uma das principais auxiliares do presidente do tribunal, que não apenas representa a Corte, segundo o seu regimento interno, mas também profere decisões no caso de Lula. Diante disso, parece-me que críticas (à postagem) são justificadas.
O PT criticou o presidente do TRF4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, por declarações em uma entrevista. Como o senhor avalia o fato de ele ter dito que a sentença de Moro contra Lula é "irretocável" e vai "entrar para a história"?
O que me chamou a atenção, em primeiro lugar, é que essa avaliação foi acompanhada da observação de que quem a emitiu não leu os autos. Nenhuma decisão pode ser considerada irretocável se não reflete o que está nos autos. Por outro lado, se os elogios vieram do presidente do tribunal que irá julgar o recurso que impugna a decisão, é evidente que isso não é bom para a imagem de imparcialidade e independência que a população deveria ter da Corte. Além de representar institucionalmente o TRF4, ele analisa os recursos que são interpostos contra as decisões da 8ª Turma, dirigidos aos tribunais superiores. Até o momento, ele já proferiu 12 decisões, todas contrárias a Lula.
O senhor e o ex-presidente Lula estão confiantes na reversão da pena de nove anos e seis meses de prisão?
Temos uma segurança na força dos nossos argumentos jurídicos e entendemos que eles, indiscutivelmente, são aptos a levar à reforma da sentença e ao reconhecimento da inocência do ex-presidente Lula. Um inocente não pode ser condenado.