Relatório parcial do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostra uma explosão nas denúncias de assédio eleitoral no Brasil se comparados os pleitos de 2022 e de 2018. Na disputa anterior, foram 212 reclamações contra 98 empresas que teriam desrespeitado a liberdade de voto dos seus trabalhadores. Neste ano, restando 10 dias para a realização do segundo turno, a quantidade de denúncias saltou para 903, atingindo 750 empresas de todo o país.
O aumento de relatos de irregularidades é de 325%, enquanto o de empregadores apontados por supostos assédios é de 665%. A maioria dos casos está concentrada no Sudeste e no Sul. O levantamento do MPT é parcial, com dados registrados até as 15h desta quinta-feira (20).
— Esses dados demonstram a gravidade da situação. Isso influencia o processo eleitoral, é prejudicial. Houve essa explosão a partir do segundo turno. Os casos se multiplicaram e causa certo espanto — afirma Rafael Foresti Pego, procurador-chefe do MPT-RS.
Um dos casos mais notórios ocorreu no Pará, onde o proprietário de uma cerâmica prometeu entregar R$ 200 para cada funcionário em caso de vitória do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Em vídeo que viralizou nas redes sociais, o empreendedor ainda afirmou que empresas fechariam em São Miguel do Guamá (PA) caso Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhasse a disputa presidencial. Em 7 de outubro, o homem acabou assinando um acordo com o MPT e teve de gravar um novo vídeo se desculpando com os empregados, pagar indenização de R$ 2 mil para cada um deles, assinar a carteira de trabalho dos que não tinham registro e quitar R$ 150 mil por dano moral coletivo.
Pego destaca que o poder diretivo do empresário não autoriza a supressão da liberdade do voto do empregado.
— É importante entender limites. Qualquer tentativa de constranger ou humilhar no ambiente de trabalho, na busca por manipular ou dirigir o voto, é proibido. Especialmente quando parte da empresa e de seus gestores. Existe uma pressão do poder econômico nessa relação. As pessoas devem ter liberdade total para votar, sem qualquer receio de sanção, de perda de emprego ou expectativa de benefício — avalia o procurador-chefe.
O MPT tem canais oficiais para o recebimento de denúncias. Quando uma informação aporta no órgão, é aberta a notícia de fato, expediente inicial que vai averiguar a existência de elementos que justifiquem uma investigação aprofundada. Havendo indícios, é instaurado o inquérito.
No final, para os casos em que ficar comprovado o assédio, o MPT pode atuar em duas linhas. A primeira é extrajudicial e prevê a assinatura de um termo de ajuste de conduta (TAC) em que o empregador se compromete a cessar e não repetir as práticas de coação eleitoral, sob pena de multa. O acerto pode prever, desde o princípio, o pagamento de uma indenização por danos coletivos. Também está constando nos acordos a obrigação de as empresas anunciarem aos seus trabalhadores, seja em grupos de WhatsApp, redes sociais ou murais de aviso, que o voto é livre, inclusive com promoção de campanha publicitária sobre esse direito nas mídias.
O outro caminho é a apresentação de ação civil pública na Justiça do Trabalho. Nessas iniciativas, os pedidos são, em geral, de interrupção dos assédios, multa em caso de repetição e pagamentos de indenizações individuais e coletivas.
Quatro acordos no RS
Quatro termos de ajuste de conduta foram firmados em outubro, todos após a realização do primeiro turno das eleições, entre o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) e empresas em que foram identificadas situações de assédio eleitoral, seja com pressão por voto em determinado candidato ou ameaça de demissão.
Os acordos envolveram um frigorífico de Miraguaí, uma fazenda de Lavras do Sul, uma mineradora de Soledade e uma padaria de Cerro Grande do Sul. As empresas se comprometeram a respeitar a liberdade de voto e cessar condutas de coação aos empregados, sob pena de multa. Também concordaram em fazer retratações em redes sociais e em quadros de avisos, destacando o direito da escolha individual.
Alguns dos acordos envolveram o investimento de valores em campanhas publicitárias de conscientização: é o caso do frigorífico de Miraguaí, que terá de aplicar R$ 100 mil na veiculação da campanha do MPT e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o assédio por voto em mídias da região.
O MPT, até o momento, ingressou na Justiça do Trabalho com três ações civis públicas contra empresas que teriam coagido funcionários. Os alvos são um vereador e empresário de Balneário Pinhal, uma construtora de São Gabriel e a indústria de máquinas Stara, de Não-Me-Toque.
No caso da Stara, uma decisão liminar emitida na quarta-feira (19) determinou que a empresa se abstenha de veicular propaganda político-partidária em bens móveis e instrumentos de trabalho dos empregados. O despacho ainda ressalta que os proprietários não podem coagir empregados por voto ou pressionar para que participem de manifestações políticas. A Stara ainda deverá, conforme a decisão, divulgar comunicado escrito aos empregados em quadros de aviso, redes sociais e WhatsApp para informar sobre o direito de livre escolha no processo eleitoral.
Após o primeiro turno, a Stara distribuiu comunicado a fornecedores dizendo que reduziria sua base orçamentária em pelo menos 30% caso seja confirmada a vitória de Lula à Presidência. A indústria já era investigada desde setembro, quando chegaram as primeiras denúncias, e o MPT-RS afirma ter reunido provas que “evidenciam a divulgação de áudio do sócio-proprietário com conteúdo político-partidário, a utilização de números de candidatos em caminhões da empresa, a realização de visitas de candidatos às instalações da empresa para conversar com os trabalhadores e distribuição de material político-partidário”. O sindicato da categoria foi ouvido na apuração e, conforme a petição, confirmou os fatos narrados.
No mérito da ação, o MPT-RS requer a condenação da Stara e o pagamento de R$ 10 milhões por dano moral coletivo. Também é solicitado que a indústria quite indenização por dano moral individual para os cerca de 3 mil empregados. O valor base para essa reparação, no pleito do órgão fiscalizador, é de R$ 2 mil para cada funcionário.
A reportagem buscou contraponto da Stara após a decisão liminar, mas não houve retorno. Em entrevista à colunista Giane Guerra em 4 de outubro, Gilson Trennepohl, presidente do Conselho de Administração da Stara, rebateu as acusações de coação eleitoral. Ele disse que o comunicado sobre o corte de 30% em caso de vitória de Lula foi para manter os fornecedores informados sobre o planejamento empresarial.
No Rio Grande do Sul, até o momento, foram registradas 75 denúncias de assédio eleitoral contra 63 empresas.
— Estamos processando todos os casos que chegam, principalmente os que têm informações mais completas. É um tema delicado. Exige ação rápida e eficaz, e o sistema de Justiça, muitas vezes, não tem essa capacidade. Temos deficiência de estrutura, precisamos de mais servidores, mas estamos conseguindo dar conta — diz Rafael Foresti Pego, procurador-chefe do MPT-RS.
Denúncias por região
- Norte - 51 denúncias contra 25 empresas
- Nordeste - 140 denúncias contra 123 empresas
- Centro-oeste - 69 denúncias contra 58 empresas
- Sudeste - 382 denúncias contra 321 empresas
- Sul - 261 denúncias contra 223 empresas
Fonte: MPT