O debate entre os candidatos à Presidência da República promovido pela TV Globo às vésperas do primeiro turno foi marcado, em diversos momentos, por acusações, xingamentos, pedidos e concessão de 10 direitos de resposta. Mas, em meio a momentos de tensão, também houve embate de ideias e exposição de programas dos sete concorrentes ao cargo participantes: Ciro Gomes (PDT), Felipe d'Avila (Novo), Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Padre Kelmon (PTB), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil). Mediado pelo jornalista William Bonner, este foi o último encontro entre os presidenciáveis antes da votação no domingo.
O confronto aberto entre Lula e Bolsonaro marcou o primeiro bloco. Embora os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto não tenham sido sorteados para perguntar um ao outro, o candidato do PL partiu para o ataque contra o petista, que respondeu no mesmo tom, o que gerou a concessão de série de direitos de resposta ao longo do programa - seis ainda no primeiro bloco.
Além do embate particular, os demais concorrentes distribuíram críticas a Lula e Bolsonaro ao longo do programa, em uma tentativa derradeira de desgastar os dois líderes nas pesquisas de intenção de voto. Em paralelo, houve também discussão de propostas e problemas que afetam a população, sobretudo nas intervenções de Simone, D'Avila e Ciro. Soraya Thronicke e Padre Kelmon travaram um duelo particular, sendo que o religioso também ofereceu escada para Bolsonaro em alguns momentos do programa.
A parte mais quente do confronto foi justamente no primeiro bloco. Em suas intervenções, Bolsonaro mencionou escândalos de corrupção que ocorreram nos governos do PT, dirigindo-se a Lula como "ex-presidiário". Em contrapartida, o petista citou o caso de suspeita de rachadinhas da família de Bolsonaro e desacertos do atual governo.
Bolsonaro abriu o embate com seu principal oponente ao responder, em uma dobradinha, a uma pergunta de Kelmon. O presidente acusou Lula de montar uma "quadrilha" e de defender que jovens "roubem celulares para tomar uma cervejinha". No ato, o candidato do PT solicitou direito de resposta, que foi concedido, sob protestos do presidente.
— Esperava que o atual presidente tivesse o mínimo de seriedade. Ele falar que eu montei quadrilha, com a quadrilha da rachadinha, a quadrilha do Ministério da Educação? Ele precisa olhar no espelho e ver o governo que ele está fazendo — respondeu Lula.
A fala do petista gerou pedido de resposta por Bolsonaro, que também foi concedido. Ao ocupar o espaço, o presidente subiu o tom:
— Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria! Rachadinha é de seus filhos, roubando milhões de empresas após sua chegada ao poder.
Lula teve novo direito de resposta concedido:
— É uma insanidade o presidente vir dizer o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa — disse o candidato do PT, enquanto Bolsonaro tentava retrucá-lo fora do microfone.
Quando chegou a sua vez de perguntar, o presidente escolheu Simone e afirmou que a vice dela, Mara Gabrilli (PSDB), acusou Lula de ser o "mentor intelectual" do assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), em 2002.
— Lamento essa questão ser trazida em um debate em um momento tão importante e ser dirigida a mim. Falta coragem do senhor de perguntar ao candidato do PT, que está aqui. Mas vamos tratar do problema da fome, que vossa excelência disse que não tem — respondeu Simone.
Bolsonaro justificou:
— Perguntei à senhora porque o vice é um cargo importante. Esse assunto é de extrema importância de ser tratado aqui. Na questão da fome, investimos no auxílio emergencial e fui um dos únicos chefes de Estado do mundo que não pediu ao povo para ficar em casa.
Após o embate de Bolsonaro com Simone, Lula recebeu seu terceiro direito de resposta:
— Estou incomodado de pedir tanto direito de resposta. Celso Daniel era meu amigo, foi o melhor gestor público que esse país teve. O TSE tirou do ar o site mentiroso de sua família que falava sobre isso. Seja responsável. Você tem uma filha de 10 anos assistindo ao programa.
Outro direito de resposta de Bolsonaro veio após pergunta de Lula a Soraya, quando o ex-presidente mencionou que o atual presidente decretou sigilos de cem anos para documentos do governo dele.
— O ex-presidiário diz que decretei sigilo da minha família. Me dá o número do decreto! Disse que atrasei a compra da vacina, mas nenhum país comprou vacina em 2020. Eu dei R$ 600 do Auxílio Brasil, mas você dava pouco aos mais pobres, usava os mais pobres como massa de manobra — afirmou.
Mais tarde, em novo direito de resposta, Lula disse que seu governo combateu a corrupção:
— Queria só lembrar as pessoas que, graças ao que fizemos para combater a corrupção, a corrupção foi descoberta e as pessoas foram punidas.
Pouco antes, na abertura do debate, Ciro perguntou a Lula sobre a concentração de renda, o desemprego e o endividamento das famílias durante os governos do PT. Lula lembrou de realizações, como o aumento do salário mínimo e a criação de programas de inclusão social.
— Participei do governo e me afastei pelas contradições graves na economia e pelas contradições morais — disse o pedetista, na tréplica.
Lula afirmou que Ciro saiu do governo para concorrer a deputado federal, em 2006, e disse que seu governo promoveu a "maior inclusão social da história do país":
— Até banqueiro ganhou dinheiro, empresário ganhou dinheiro, empresários rurais ganharam dinheiro e aumentaram as exportações.
Também houve confrontos entre D'Avila e Ciro, entre D'Avila e Simone e Soraya e Kelmon.
Segundo bloco
A temperatura entre Lula e Bolsonaro baixou no segundo bloco, no qual os temas do embate foram escolhidos por sorteio. Ainda assim, o primeiro a perguntar, Felipe D'Avila, afastou-se do tema apontado (cotas raciais) e questionou Lula sobre corrupção.
— Acho que você deve pedir desculpas ao povo brasileiro pelos roubos que ocorreram no seu governo — afirmou D'Avila.
O ex-presidente respondeu falando da importância das cotas para dar ao "povo periférico a chance de estudar".
Na sequência, Simone foi escalada para perguntar a Bolsonaro sobre mudanças climáticas e a discussão se estendeu sobre o agronegócio brasileiro. Após o presidente questionar os números citados por ela, Simone disparou:
— É impressionante. Mente tanto que acredita na própria mentira.
Por sua vez, Kelmon foi sorteado para discutir a educação e escolheu Ciro.
— As universidades no Brasil viraram um ninho de pessoas que militam por ideologia, contra os valores, contra o cristianismo — reclamou o religioso.
Ciro não deu ouvidos a ele e preferiu falar sobre suas propostas para a educação:
— Com R$ 8 bilhões, que hoje se dispensa em impostos de produtos como salmão e queijo suíço, coloco 1 milhão de crianças em escolas de tempo integral.
O único direito de resposta do bloco foi concedido a Kelmon, depois de Soraya tê-lo chamado de "padre de festa junina". Em seguida Lula perguntou a Simone sobre o meio ambiente, e o bloco foi fechado com o questionamento de Ciro a Soraya a respeito da geração de empregos.
— Nossa proposta do imposto único federal tem o condão de ajudar na geração de empregos. Vamos substituir 11 tributos federais por um imposto só — comentou Soraya.
Terceiro bloco
No terceiro bloco, em que novamente foi permitido questionar sobre tema livre, Bolsonaro foi o primeiro a perguntar. Desta vez, evitou o embate com Lula e preferiu apostar em outra dobradinha, desta vez com Felipe D'Avila. Ambos criticaram propostas econômicas de partidos de esquerda.
A segunda pergunta foi de Padre Kelmon ao ex-presidente Lula, novamente a respeito de corrupção. A discussão teve de ser interrompida pelo mediador, diante das reiteradas vezes em que Kelmon tentou interromper o petista. Houve bate-boca entre os dois, mas o som não foi transmitido pelos microfones.
Na sequência, D'Avila chamou Simone para discutir eventuais privatizações de estatais, e Ciro questionou Bolsonaro sobre as acusações de corrupção que pesam sobre seus familiares e sobre o governo.
O candidato do PDT voltou ao púlpito para responder a Lula a respeito da destinação de recursos para a cultura. Por fim, Soraya perguntou a Kelmon a respeito das propostas para a educação e respondeu a Simone sobre o mesmo tema.
Antes do encerramento do bloco, Bolsonaro ganhou novo direito de resposta por uma crítica feita por Simone a respeito do orçamento secreto, liberação de recursos a congressistas sem transparência:
— Se o parlamento derrubou o veto, é lei. Não tenho nenhuma ascendência sobre o orçamento secreto — defendeu-se o presidente.
Quarto bloco
No bloco final, os temas voltaram a ser sorteados. Primeira a perguntar, Soraya deveria questionar Bolsonaro sobre segurança pública, mas questionou se ele irá respeitar o resultado das eleições ou se dará um golpe. Em reação, o presidente mostrou um ofício que teria sido enviado a ele por Soraya com a indicação de cargos no governo. Como Bolsonaro a acusou de ser "candidata laranja", Soraya obteve direito de resposta. Ela afirmou que pediu cargos de fato para colocar pessoas de direita e tirar petistas das funções. O pronunciamento gerou outro direito de resposta a Bolsonaro.
Segunda a perguntar, Simone escolheu Lula para responder sobre gastos públicos. O assunto escolhido foi a eventual privatização de estatais. Na sequência, Bolsonaro dirigiu a pergunta sobre política cultural a Padre Kelmon. Ambos criticaram obras de arte.
Privatização foi o tema destinado a Ciro, que escolheu Soraya para responder. Logo depois, D'Avila questionou Simone a respeito da saúde e, em seguida, foi escolhido por Padre Kelmon para responder sobre habitação. Por fim, Lula perguntou a Ciro sobre agricultura.
No quinto e último bloco, os candidatos fizeram suas considerações finais, pedindo o voto dos eleitores para o próximo domingo. Iniciado às 22h30min de quinta-feira (29), o debate foi encerrado à 1h50min desta sexta-feira (30).