Desde a retomada das eleições diretas, o Brasil não tinha assistido a um debate como esse da TV Globo, que reuniu sete candidatos de partidos com pelo menos cinco representantes no Congresso. Por mais de três horas, quem resistiu à maratona assistiu a um festival de ataques, grosserias e distorções, refletindo o clima das ruas nestes dias que antecedem a eleição. Perdeu-se uma oportunidade preciosa para debater propostas, apesar de o regulamento prever dois blocos de perguntas com temas sorteados.
Nunca se viu um debate tão tenso e com tantos direitos de resposta – nem sempre usados para responder a uma acusação pessoal, como previa a regra. Líder nas pesquisas, o ex-presidente Lula (PT) foi atacado por todos os adversários e pediu uma série de direitos de resposta por manifestações do presidente Jair Bolsonaro (PL), também ele alvo de críticas de todos os outros, exceto o Padre Kelmon (PTB).
Quem esperava que Bolsonaro se descontrolasse, errou a aposta. Ele, o presidente, seguiu o roteiro traçado pelo filho Carlos Bolsonaro: tentar atacar Lula sem trégua. Chamou o adversário de ladrão, mentiroso, ex-presidiário. Foi chamado por Lula de corrupto, incompetente, mentiroso. Os dois repetiram os ataques do horário eleitoral. Lula começou nervoso e perdeu o controle quando foi provocado pelo padre-candidato, que entrou da disputa para isso mesmo: tumultuar.
O mediador William Bonner teve de intervir incontáveis vezes para evitar o bate-boca entre os candidatos e, especialmente, enquadrar o indisciplinado Padre Kelmon, o candidato inventado por Roberto Jefferson para substituí-lo como representante do PTB na disputa.
Chamado de “candidato laranja” e de “padre de festa junina” por Soraya Thronicke (União Brasil), Padre Kelmon protagonizou os piores momentos do debate. O pior dos piores quando, por sorteio, coube ao presidente Bolsonaro questionar um dos adversários sobre política cultural e ele escolheu o padre com quem já tinha feito dobradinha no debate do SBT. Ali misturou-se preconceito com ignorância e desinformação sobre as leis de incentivo à cultura, terminando com um elogio de Bolsonaro a seu ex-secretário da Cultura Mário Frias, lembrando que é candidato a deputado por São Paulo.
Os líderes evitaram dirigir perguntas a Ciro Gomes (PDT), conhecedores da sua língua afiada, e só o fizeram quando as opções restantes eram piores. O ex-governador do Ceará começou colocando Lula contra a parede já na primeira pergunta, sobre corrupção. Mais para o final, os dois se cruzaram em um questionamento sobre agricultura e trataram do tema como dois adultos.
Quem se saiu melhor foi mais uma vez Simone Tebet (MDB). Com serenidade, conhecimento dos temas propostas e disposição para discutir os problemas relevantes do Brasil, não fugiu de perguntar aos líderes nem se intimidou. Falou de mudanças climáticas, de educação, de saúde e de meio ambiente com propriedade, apontou erros dos governos Lula e Bolsonaro, sem ser desrespeitosa. As pesquisas indicam que esta foi sua despedida dos debates, porque não chegará ao segundo turno, mas é provável que esteja de volta em 2026, porque sai da campanha maior do que entrou.