Candidata mais votada à Câmara Municipal de Porto Alegre, a já vereadora Karen Santos concedeu entrevista à Rádio Gaúcha durante a madrugada e na manhã desta segunda-feira (16). Aos 32 anos, Karen fez 15.702 votos e ainda viu a bancada do partido, o PSOL, tornar-se uma das mais expressivas na Casa, com quatro eleitos.
Professora da rede estadual, Karen tem a educação e o combate à discriminação racial como bandeiras. Concorreu à Câmara Municipal em 2016, mas acabou como suplente. Em 2019, assumiu como vereadora após a eleição de Fernanda Melchionna para deputada federal. É a única vereadora negra na atual legislatura (2017-2020).
Confira, abaixo, trechos das entrevistas
Tu foste a mais votada e o PSOL fez uma bancada expressiva. Esperava que o resultado fosse tão positivo?
Não, ninguém esperava. A gente fez uma campanha muito linda, indo panfletar, fazendo boca a boca. Expandiu de uma forma. A gente foi agregando. Agora na pandemia, com a campanha da solidariedade, pressão sobre os ônibus que a gente perdeu, acho que foram esses espaços que a gente teve a sacada de estar junto com o trabalhador. A campanha foi a publicidade de as pessoas se integrarem. A gente não queria só um voto dia 15, a gente queria uma militância. As pessoas estão desacreditadas. A gente trabalhou muito nesses elementos e acho que o resultado foi positivo. Tem espaço na cidade para uma política de denúncia. Tem espaço para a gente discutir mudanças radicais, na forma de fazer economia.
Você está reeleita e faz parte de um grupo que até hoje tinha cinco mulheres na Câmara. Terminada a apuração, já são 11. Tem significado especial essa representação feminina na Casa?
Sim. É a luta de mulheres, que estão na linha de frente no combate à pandemia, na retaguarda, segurando a comunidade, fazendo cestas básicas, campanhas de solidariedade. As mulheres que protagonizaram o movimento "Ele Não", contra ascensão de governos machistas que diminuem a luta pela igualdade de gênero. As mulheres estão se colocando mais na linha de frente por necessidade, porque a violência de doméstica segue aumentando, o feminicídio segue aumentando. Isso nos empurra a ocupar espaços que historicamente foram negados para nós.
As cinco vereadoras que hoje estão na Câmara se reelegeram. Então o trabalho delas foi referendado, mas nem todas têm o mesmo viés. Logo, pode-se pensar em união para temas?
Existem questões que perpassam a vida das mulheres. Casa de acolhimento, mulheres vitimas de violência, políticas não sexistas. Têm vários temas que permitem nos aproximarmos, mas a questão maior eu acredito que não seja nem os direitos pelos quais temos que lutar, mas os caminhos que temos que percorrer, e que tipo de acesso a esses direitos vamos pautar. Temos o direito a partir de uma perspectiva: não terceirizado, não privatizado. Nesse sentido que a gente se difere. Que tipos de direitos a gente quer oferecer? Creches conveniadas ou creches municipais? Casas de acolhimento via executivo ou via OSCIP? Aí que a gente se diferencia. Entendendo que boa parte das trabalhadoras que estão suprindo esses direitos são mulheres. Eu acredito que são nesses caminhos que a gente vai acabar se confrontando, no tipo de serviço e em como vamos oferecer esse direito.
Os projetos que são feitos para mulheres são fundamentais ou essa divisão pode ser igualitária?
A gente tem que caminhar para amenizar essas desigualdades de gênero que são concretas em relação a salário, emprego, acesso a direitos mais básicos. Temos que avançar para que essa igualdade seja concreta. Não é só aumentar o número de mulheres. Temos que batalhar muito. A bancada feminista vai existir a partir desse compromisso. A gente começa o legislativo e em seguida vamos ter 8 de março. Ali vamos ter a real dimensão dessas mulheres com relação à causa das mulheres.
O PSOL vai apoiar a Manuela D'Ávila? Como vai ser esse apoio?
A gente entende que é importante. Os projetos do Melo (candidato do MDB à prefeitura de Porto Alegre) e da Manuela (candidata do PCdoB à prefeitura de Porto Alegre) são antagônicos. A gente entende que o voto crítico é importante, até para ter uma base de diálogo com as comunidades, que clamam por mudança. A gente acredita que a mudança vai vir da esquerda: suprir direitos que estão sendo negados, essa pandemia que não se resolve, numa perspectiva de quem trabalha. Uma diferença entre a nossa campanha, encabeçada pela Fernanda (Melchionna, candidata do PSOL na eleição municipal), em relação ao PCdoB, foi a discussão de o que a gente vai precisar fazer para conseguir os recursos necessários para fazer a mudança. Taxar grandes fortunas, cobrar devedores de IPTU, setor imobiliário, sonegadores de impostos etc. A partir daí a gente teria orçamento para suprir os direitos que estão sendo negados. Essa discussão que vamos seguir fazendo no segundo turno. Porto Alegre está subordinada ao governo federal, que também não tem os mesmos interesses. Acho que essas supressões que a gente vai ter que constituir, e é muito mais fácil, do nosso ponto de vista, com governo de centro-esquerda.
Ouça a entrevista ao programa Timeline
Voto crítico é trabalhar para eleger, mas não para ser parte do governo, isso?
Ser parte do governo é uma decisão que nós do PSOL não tomamos. Mas é uma questão de partilhar as decisões da cidade. Se a gente conseguir suprir as nossas diferenças, acho que é possível. Mas acho complicado. Tentamos isso antes da eleição e não teve a mesma iniciativa por parte do PT e PCdoB.
O bom desempenho do PSOL em outras capitais permite prever algo maior para o partido em nível estadual?
Sim e não. A crise política é algo que a gente não consegue mensurar. Fica difícil a gente conseguir projetar. O partido está ocupando lugares importantes na luta da cidade. Isso para nós é importante do ponto de vista estratégico. Que projeto de vida a gente defende? A curto prazo, nos próximos dois anos, muita coisa vai acontecer. A gente não sabe como a gente vai se colocar em relação à greve etc. Se a gente conseguir ocupar esses espaços, manter o trabalho de base ativo, aí a gente pode ter um cenário positivo. Precisamos qualificar, para que não se torne só mais um voto.
Qual é o recado que o povo dá nas urnas com a votação no PSOL?
A nossa campanha foi de muita denúncia. A gente abordou questão de moradias, transporte, a situação de abandono da cidade. A gente entende que trabalhar as denúncias e colocar as pessoas enquanto sujeito da mudança empodera. A gente conseguiu uma votação tão expressiva e aumentou a bancada sem prometer nada, a gente simplesmente falou de problemas cotidianos que a gente está cansado de ver. Isso foi importante para as lutas que virão. Povo desacreditado com a política é uma tragédia. Isso está levando o nosso país para o buraco. Mas como a gente consegue colocar a mão na massa? O PSOL é um instrumento. (..) Tem espaço para a nossa política.
O PSOL está ocupando um espaço que era do PT. Um espaço que tinha hegemonia da esquerda. O PSOL está fazendo uma avaliação dos erros do PT para que não se cometa de novo?
De 2013 para cá, a gente vem fazendo balanço do que foi aquele movimento. Do que foi aquela explosão de pessoas indo para a rua, várias pautas: transporte, educação, polícia militarizada. Ali expressou uma revolta muito grande com o sistema. Foi uma época de Copa do Mundo, milhões indo para arenas, militarização das comunidades. Uma classe média que vinha perdendo poder de consumo, uma classe média insatisfeita com o Brasil. Que não consegue produzir bens de consumo que a gente precisa acessar. É importante a gente dialogar com a periferia. Quem faz esse trabalho hoje é a direita, são as igrejas, são as ONGs. A gente abriu mão se estar nesse cotidiano. Precisamos também fazer uma discussão de Brasil, de que projeto de desenvolvimento econômico precisamos ter para parar de ser usineiro do mundo, parar de só exportar commodities. São várias questões que a gente vem dialogando e refletindo. (...) O senso comum é atravessada por ideologia, mas as pessoas não são burras. Elas conseguem perceber o aumento dos alimentos. Precisamos contribuir com a formação para avançar enquanto povo. As pessoas tem que ser esse compromisso. Não adianta reclamar, tem que levantar e vir junto.
Quem é a Karen?
Tenho 32 anos, moro no Partenon. Cresci na zona sul, na Camaquã. Sou professora de Educação Física, me formei na UFRGS em 2013. Entrei na política pelo movimento estudantil da universidade, discutindo o currículo da educação física. Da educação física fui discutir as cotas. Das cotas, conheci os quilombos urbanos em Porto Alegre e me integrei no movimento negro. Em 2013, a gente criou o coletivo Alicerce, com o objetivo de não ser só um coletivo, a gente queria abarcar qualquer pessoa que quisesse debater política. Política é muito trabalho. Foram muitas pessoas que se dedicaram para a gente conseguir esse mandato. A Karen sem esse Alicerce não existe. A gente tem uma dinâmica interna que submete nossos parlamentares. Nada do que eu falo é próprio só meu. É muito debate, pé na rua. A Karen é uma síntese de vários trabalhos e esforços. Fiquei com essa tarefa justamente por ser professora, por ser negra.
Qual é a prioridade absoluta para a Câmara?
Eu acho que uma das principais funções é a discussão do orçamento. A gente foi educado para discutir o orçamento participativo. A gente abriu mão de fazer discussão da lei orçamentaria anual (LOA). A gente vai sair desse processo agora e já vai encarar a discussão de 2021. Ali que a gente vai discutir dinheiro para creche, para orla, para o saneamento. É muito importante as pessoas se apropriarem disso. Agora é o momento de exigir que os representantes estejam fazendo discussão da LOA. A campanha não acabou. A pior tragédia vai ser se a discussão acabar com isso (com a eleição). Isso não vai representar a mudança. Precisamos mostrar trabalho em conjunto. E fiscalizar contratos da prefeitura. A gente vem percebendo equívocos, muitos erros, falhas e violações de direitos.