A candidata Manuela D'Ávila (PCdoB) foi a segunda entrevistada da série de GZH "Se eu for prefeita", conduzida pelo colunista Paulo Germano, em transmissão ao vivo nesta terça-feira (20). Em live que durou cerca de uma hora, Manuela falou sobre pontos de seu programa de governo, como alternativas para melhorar o transporte público, a economia e a igualdade social na cidade.
Nesta quarta-feira (21), será entrevistado o candidato à reeleição, Nelson Marchezan (PSDB), e na quinta-feira (22), Sebastião Melo (MDB). O critério de escolha foi a pesquisa Ibope divulgada em 5 de outubro — GZH convidou os quatro melhores colocados. A ordem das entrevistas é alfabética.
Se a senhora vencer a eleição, qual é a primeira medida tomará ao assumir o mandato?
A transição será curtíssima entre o atual prefeito e quem vencer as eleições. A partir de 30 de novembro, temos de começar a articular quatro políticas. Quais são elas? Em primeiro, as negociações próprias da vacina. Evidentemente que lutamos para que o Sistema Único de Saúde, o SUS, faça as gestões da vacina, sempre foi assim na história do Brasil. Não tem sido assim. Tu percebes que São Paulo faz a sua gestão, a Bahia fez a sua gestão. Então, Porto Alegre também pode fazer a sua. Além disso, entendo que temos urgência em pactuar com a rede municipal a busca da recuperação do ano letivo. O ano que vem vai ser de ensino híbrido e de busca de recuperação daquilo que sobrar de 2020. Temos também como prioridade a elaboração de um programa de trabalho e renda, com foco no tema do microcrédito e imagino que nós devamos começar a buscar em instituições bancárias de fomento a possibilidade de efetivação dela a partir de 1º de janeiro. O quarto item prioritário é o plano emergencial de assistência social, gosto de chamar de "fome zero municipal", porque as pessoas assimilam mais rápido o que é. Um programa que comece em 1º de janeiro, de articulação do combate à fome na nossa cidade. Realmente acho muito difícil que a gente aceite com tanta naturalidade a volta de crianças nas sinaleiras, de mulheres e homens sem ter com o que se alimentar.
A senhora tem falado sobre comprar a vacina contra a covid-19 com recursos próprios da prefeitura. A senhora mencionou São Paulo. Uma cidade rica fica mais fácil de imaginar que consiga comprar diretamente da China uma vacina que é muito cara. O presidente Jair Bolsonaro, inclusive, disse que vai distribuir a vacina. Por que a senhora está pensando em comprar a vacina com recursos públicos próprios e como isso ocorreria?
Não entendo a comparação que tu faz com São Paulo. Porque São Paulo é uma cidade rica, mas também uma cidade que enfrenta desigualdades profundas. São Paulo fez a gestão a partir do governo do Estado, como a Bahia fez, justamente pela demora do governo federal em buscar responder esse anseio. O mundo inteiro faz essas articulações, portanto Porto Alegre também tem de fazer. Tu falas no preço da vacina. Eu acredito que essa é uma prioridade número 1, garantir a imunização do nosso povo, com recursos próprios e também com a articulação de um fundo. Ou seja, com recursos oriundos da iniciativa privada e daqueles que quiserem ser parceiros da prefeitura nessa empreitada. Torço e sempre trabalharei para que seja pelo SUS, porque defendo o Sistema único de Saúde. Mas, enquanto isso não acontece, precisamos conversar com os laboratórios chineses, como fez São Paulo, com o laboratório russo, como fez o Paraná, a cidade de Curitiba, com os laboratórios que têm feito testes e avançado mais na produção da vacina. Portanto, para mim, essa é uma situação atípica e deve fazer com que nós coloquemos na prioridade a construção de um fundo de recursos públicos e privados para garantir a vacinação de quem vive em porto Alegre. Evidente, se isso acontecer pelo SUS, eu serei a primeira a celebrar, porque não defendo a imunização só dos porto-alegrenses. Eu quero que toda a população do nosso país seja imunizada.
Esse fundo receberia recursos especialmente de doações da iniciativa privada? De onde viriam os recursos do fundo?
Eles podem ser recursos próprios da prefeitura, como mencionei, e recursos da iniciativa privada. Uma parceria da cidade para enfrentar a crise. Vejo Porto Alegre muito preparada para estabelecer essas parcerias. Depois de um período tão longo de falta de diálogo, sinto a necessidade de termos um comitê de crise. Aliás, em março, eu escrevi ao prefeito municipal. Escrevi a ele e ao governador do Estado, como cidadã, propondo que tivéssemos, na cidade e no Estado, um comitê de crise. Com qual intenção? De pactuarmos soluções. Crises tão dramáticas como essas têm que de ser enfrentadas tentando produzir consensos na cidade. Para mim, a cidade está pronta para esse ambiente de diálogo e de unidade. Isso também se refletirá na construção de um fundo com recursos próprios da administração e com recursos da iniciativa privada.
A senhora acredita que vai conseguir o apoio de partidos mais distantes da esquerda para ter governabilidade? A senhora está disposta a buscar o apoio deles?
Os apoios políticos são sempre relacionados à conjuntura política. Ou seja, o que determinada realidade apresenta de desafio. Tenho convicção de que é possível construir um governo com esses apoios. Fui parlamentar durante 14 anos. Sei que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o lugar em que tive o privilégio de representar a nossa cidade aos 23 anos, é um espaço aberto ao diálogo. Também sei que a Câmara é tão mais aberta ao diálogo quanto mais legitimidade política os projetos têm. A pactuação, a ideia desse comitê de crise, a ideia da participação popular, no orçamento participativo, na retomada dos conselhos, também fazem com que aquilo que a prefeitura propõe seja mais próximo daquilo que a cidade deseja e, portanto, mais próximo de ser aprovado por parlamentares. O prefeito Marchezan, que não tem boa relação com o parlamento, conseguiu aprovar a criação do FIT, aquele fundo de inovação e tecnologia. Mas quem elaborou o FIT? O Conselho de Ciência e Tecnologia. Então, tu percebes que mesmo temas que poderiam gerar um atrito, quando são pactuados, ouvindo a sociedade, eles são facilitadores do governo para construir essas maiorias políticas. Além disso, temos de ter a exata dimensão da crise que atravessamos. Atravessamos uma crise econômica, uma crise sanitária, uma crise ambiental, uma crise de transformação do mundo do trabalho. É preciso ter um espaço de diálogo com a sociedade e com o poder legislativo para a gente construir esse caminho diferente para a cidade. Um caminho que consiga dar conta de desafios tão grandiosos. Tenho certeza de que, com participação social e ativo diálogo, permanente diálogo com o Legislativo e setores importantes da cidade, temos como construir esses consensos e avançar em mudanças importantes para a cidade.
Entendi o que a senhora está dizendo, mas pretende construir uma base aliada mais ampla, com participação dentro do seu governo, buscando partidos de centro, de centro-direita?
Temos um programa que é bastante nítido, que tem como foco o combate à desigualdade social, a reconstrução ou a retomada de um ciclo de desenvolvimento da economia e a garantia de que o nosso povo seja escutado, um processo de participação para que tenhamos serviços públicos de mais qualidade. Aqueles e aquelas que se somarem ao nosso programa serão nossos aliados. Tenho a impressão de que nós alcançaremos isso ainda no segundo turno, com diálogo com esses partidos. Agora, existe uma linha, que é o compromisso irremediável com a democracia, com a ideia de que a diversidade de opiniões é importante. Digo isso do ponto de vista de querer que essas pessoas que defendem a democracia sejam as que caminhem comigo e também para manifestar o meu respeito e também o compromisso de diálogo com aqueles que não compuserem o nosso governo. Porque a prefeitura tem de fazer um esforço dramático em um período polarizado de tentar dar o exemplo de que é possível fazer política diferente. Acreditamos no diálogo com os que compactuam com o nosso programa, mas também respeitamos o direito de não concordarem com as nossas ideias. Isso para mim é importante, porque tem relação com a história de Porto Alegre e com valores que parecem que estão sendo perdidos no nosso país e na nossa política brasileira.
A senhora tem falado em transformar Porto Alegre em uma capital cultural de fato. Se a senhora for eleita, vai voltar a colocar dinheiro público no Carnaval, por exemplo, ou na parada livre e outros eventos que o governo atual cortou?
Fui jovem numa cidade muito mais vibrante, numa cidade com equipamentos e com espaços públicos em que a nossa população podia produzir e consumir cultura. Os investimentos em cultura foram reduzidos no último período e sabemos que, mesmo pequenos, eles trazem retornos para a arrecadação do município. Mas, além disso, é direito do nosso povo. Temos aquilo que chamamos de parcerias público-comunitárias. Uma ideia que copiei de Barcelona. Barcelona pegou espaços e prédios públicos abandonados e trabalha em gestão colaborativa com a comunidade. Acredito que podemos ocupar esses espaços com a produção cultural da cidade. Com grupos de teatro e de dança, oficinas com crianças, idosos, adolescentes. Defendemos a reelaboração, porque Porto Alegre já teve isso, de um calendário de eventos. É só para o Carnaval, para a parada livre? Não. Esses dias conversei com o padre Sérgio, da Paróquia de São Jorge, tem uma das maiores procissões nossas, que reúne católicos e o povo de axé, e ele me reclamava justamente da falta de diálogo. Uma festa popular que mobiliza milhares de pessoas. É preciso estudar o que representa a economia da cultura, a chamada cultura criativa, e como isso pode agregar para uma cidade de serviços, como a nossa.
Só para ficar bem claro, a injeção de dinheiro público em eventos culturais deve ser uma realidade em um eventual governo da senhora?
Sim, porque acredito que isso traz retorno econômico, inclusive, para a cidade.
A senhora falou em investimento em cultura, de comprar com recursos próprios a vacina, sei que tem também restrição sobre a concessão do Mercado Público e de outros espaços públicos à iniciativa privada. A senhora tem muitas pretensões de investir. Onde os gastos podem ser cortados se o caixa é um só e mal se aproximou do azul neste ano?
O tema do Mercado Público é um exemplo maravilhoso. Por quê? O Mercado Público tem recursos para fazer as reformas necessárias. Existe um fundo, o Funmercado. Qual é a origem dos recursos desses fundo? Os aluguéis dos permissionários. Esse fundo, se a lei fosse cumprida, poderia estar fazendo o restauro, a garantia das melhorias, que de maneira justa a população quer. Então, na verdade, é muito menos um problema de recurso e muito mais um problema de visão sobre a cidade. Defendo a manutenção do mercado com suas características materiais e imateriais. Não acho que precisamos transformar o mercado em um shopping center. Há o recurso. Está lá. As pessoas que estão lá dentro pagam aluguel e o dinheiro desse aluguel deve ser usado para melhorias no mercado. Com relação ao tema do transporte, dinheiro não sou eu que defende, quem está dando R$ 39 milhões para as empresas no acordo judicial é o prefeito, mostrando que tinha esse recurso. No tema dos transportes, defendemos a constituição de um fundo gerido pelo poder público. Porque a prefeitura faz o acordo dos R$ 39 milhões, e tu sabes o que tem no acordo escrito? Que a prefeitura tem de cumprir a lei, retomando a câmara de compensação tarifária, porque eles também abriram mão de gerir o sistema de transporte da cidade.
Poderia explicar melhor como seria esse fundo?
Defendemos um fundo com a ideia de que a gestão da câmara de compensação tarifária tem de ser pública. Defendemos a constituição de um fundo com recursos do IPVA, com recursos das multas, dos estacionamentos e também com recursos de um aplicativo que queremos criar. Queremos disputar o mercado com aplicativo próprio, que remunere melhor o motorista e que, em vez da taxa do lucro ir para uma empresa que não tem relação com o desenvolvimento da nossa cidade, esse dinheiro possa compor o fundo da mobilidade urbana. Dá para cortar? Dá para cortar bastante. Dá para cortar, por exemplo, na propaganda, que é utilizada sempre, foi utilizada, inclusive, em São Paulo, para justificar o modelo de governo do prefeito, dá para arrecadar melhor, combatendo a sonegação. Estudo de auditores da cidade mostra que existem R$ 100 milhões para nós buscarmos de 4 mil imóveis de luxo da cidade.
Queria entender como vai ser na prática a criação do aplicativo de transportes do município. Vai pagar direitos trabalhistas para os trabalhadores? Seria uma parceria com a iniciativa privada? Qual é a vantagem que a empresa que desenvolver esse aplicativo teria?
A proposta originária, de taxação dos aplicativos, é como são em geral as propostas da atual administração, dissociada do conceito, da dimensão da crise econômica que vivemos. Tínhamos, antes da pandemia, mais de 25 mil motoristas de aplicativo na cidade. Não estamos em um tempo passado, oito anos atrás, olhando a chegada dos aplicativos e dizendo: "O que a gente vai fazer com eles". Estamos lidando com a vida real. Ser prefeita significa encarar os problemas concretos da cidade. Não vou cobrar mais ainda de 25 mil homens e mulheres que ficaram desempregados e que buscaram nos aplicativos a forma de viver. No caso concreto de Porto Alegre, o que é uma exceção no país, a maior operadora de aplicativos tributa porque tem sede aqui. Já há um tributação sobre eles, já incide ISS sobre eles, porque eles têm sede em Porto Alegre. Temos a Procempa, uma empresa de tecnologia de porte médio. A partir da Procempa, com as startups, temos condições de produzir o aplicativo. Não avançamos tanto no programa. O que eu imagino é que seja a partir de uma cooperativa de motoristas, como já tem acontecido em outras cidades do Brasil. Seja com os motoristas de veículos, que conduzem passageiros, seja inclusive com entregadores de alimentos. Isso já tem acontecido com cooperativas que se organizam, garantido melhores condições de trabalhos para eles e melhor remuneração. A taxação pode ser usada parte para o fundo de mobilidade e parte para a ideia de proteção social desses trabalhadores. Tu perguntas: "Vai ter direito trabalhista"? Defendemos uma cooperativa, ou seja, não é um vínculo com a prefeitura. Também imagino que, no futuro, teremos que debater a construção de uma espécie de fundo de proteção social desses motoristas.
Continuo com dúvidas nesse aspecto dos aplicativos. Sobre a competitividade no mercado, outros aplicativos locais tentaram fazer frente para grandes multinacionais. Por que uma pessoa chamaria o aplicativo da prefeitura e não de uma grande empresa? Queria também exemplos de outras cidades que estão fazendo o mesmo?
No Rio de Janeiro e São Paulo, as cooperativas de trabalhadores têm feito isso. Acho que tu deves ter acompanhado uma greve grande que aconteceu de entregadores, inclusive parte deles se organizou em cooperativas que estão fazendo a disputa. Vou ser bem didática. Defendemos um aplicativo, esse aplicativo pode remunerar mais os trabalhadores, razão pela qual, imagino eu, eles se associarão ao aplicativo e a cooperativa, porque hoje eles têm uma taxa de remuneração mais baixa e, a partir dos 100%, parte vai para eles e parte vai para prefeitura. Como se faz a competição? A partir de preço, não é assim que funciona aquilo que vários de vocês defendem para o mundo? O mercado. Para mim, a partir da tarifa. Se a gente consegue chegar em uma equação com a cooperativa, em que eles recebam mais, em que a população pague menos e o restante vá para a prefeitura, não vejo por que dar errado.
Eu acho barata a corrida de aplicativo e caro a passagem de ônibus, por isso muitas pessoas acabam pegando o aplicativo...
Esse é um bom debate também. Muitas pessoas deixam de pegar o ônibus e vão a pé, certo? Pesquisas mostram que menos de 3% das pessoas se locomovem por aplicativos e que 21% se locomovem caminhando na cidade. Então, a gente incorporou o discurso de que só perdemos passageiros para os aplicativos. Perdemos passageiros de classe média para aplicativos e para a má qualidade dos ônibus. Tínhamos passageiros de classe média quando tínhamos uma Carris como balizadora da qualidade do sistema de transporte, fazendo a disputa desses passageiros de classe média, sobretudo com as linhas "Ts". Eu, por exemplo, estudei e fiz minha faculdade graças ao T8 e ao T9. Eram linhas que disputavam, na qualidade, passageiros de classe média. Agora, alguém incorporar o discurso de que a pessoa que vive na Lomba do Pinheiro, a pessoa que vive na Restinga, se desloca para a região central de aplicativo, não. Tem de calcular o quanto a tarifa é impeditiva para as pessoas. A crise do transporte coletivo é um debate em todo país, mas a nossa cidade tem a tarifa mais cara das capitais, essa é uma realidade. Para mim, a tarifa tem um elemento central de disputa dessas pessoas que deixaram de andar de ônibus por falta de dinheiro.
Como se resolve essa questão? A senhora é favorável que a prefeitura deva subsidiar o transporte coletivo, ou seja, encontrar uma forma de renda para injetar no sistema?
São duas questões diferentes que tu trazes aqui. Vou separar em duas respostas. Primeiro, pretendo enfrentar retomando a gestão pública do transporte público da cidade. Eu quero ser a prefeita que faz a gestão da câmara de compensação tarifária. Eu não consigo entender como que nós entregamos as galinhas para as raposas cuidarem, ou seja, quem tem que fazer a gestão, ter controle sobre as planilhas, é a prefeitura. Isso tem relação com o preço da tarifa, com a transparência que a população merece. A prefeitura repassará R$ 39 milhões para as empresas sem sequer ter exigido a volta dos horários das frotas e que as linhas se desloquem até as regiões mais distantes da cidade. Então, fez um acordo que repassa e não representou o povo da cidade. A prefeitura é uma parte no processo judicial e qual a parte que ela representa? O povo da cidade. Aí vem a segunda parte da tua pergunta. Sim, no mundo inteiro sistemas de transporte coletivo que enfrentam a crise econômica de maneira mais instável são sistemas que contam com algum tipo de subsídio público. O problema é que esse não é um debate que avançou no último período no Brasil. Qual é o subsídio que pretendemos trabalhar e construir nos quatro anos de governo? Esse fundo de mobilidade urbana, com recursos do IPVA, que tem relação com o deslocamento de automóveis na cidade, das multas e de estacionamentos da cidade e da taxa oriunda do aplicativo local.
Com a criação de um aplicativo da prefeitura, o que iria acontecer com os táxis? Esse modal de transporte individual não perderia ainda mais competitividade?
Não acho. Até semana que vem, marquei um diálogo com os taxistas. Eles têm impacto na profissão deles, isso é evidente, mas acho que é possível uma cidade em que todos convivam de forma mais harmoniosa. No último período, eles já passaram por uma modernização do serviço, também para agilizar o relacionamento com os consumidores. Essa modernização que eles topam e toparam fazer e que seguirão fazendo é o que pode devolver fatia do mercado, certo. Porque a maior questão que faz com que as pessoas escolham os aplicativo é justamente a facilidade que é chamar o aplicativo e a dificuldade de achar táxi em Porto Alegre. Essas adaptações que os taxistas promoveram, se organizando com aplicativo, facilitando o encontro deles com os usuários, os ajudarão a enfrentar a crise.
A senhora propõe um programa de microcrédito para pequenos empreendedores. Como esse programa vai ser feito e de onde vai vir o dinheiro para emprestar para essas pessoas?
Quando começamos a organizar o programa, a gente ouviu 7 mil pessoas mesmo em tempo de pandemia. Lancei um desafio para a nossa turma. Na vida real, o tema de trabalho e renda nunca foi parte central das disputas municipais, mas nesse ano é impossível que não coloquemos isso no foco, porque em 1º de janeiro, se nós formos derrotados e valer a ideia do presidente Bolsonaro, não teremos mais renda emergencial. Sabe quantas pessoas estão vivendo dessa renda em Porto Alegre? Mais de 220 mil, só de beneficiários diretos, ignorando que essas pessoas tenham seus dependentes e que movimentem a economia da cidade a partir disso. Trabalho e renda têm de estar no foco, mesmo que não sejamos os principais responsáveis pela política econômica. O programa de microcrédito funciona de maneira bem simples, outros lugares já fazem isso. A prefeitura tem um fundo garantidor junto a uma instituição de fomento, uma instituição financeira, de R$ 15 milhões a R$ 20 milhões, por exemplo, e com esse dinheiro no fundo, ela alcança um empréstimo no valor de R$ 200 milhões. Para ter uma ideia numericamente do que isso representa: Santa Catarina, com R$ 225 milhões, se não me equivoco, alcançou mais de 20 mil empregos.
No caso de Santa Catarina, o banco, a instituição financeira é o Badesc, que pertence ao Estado.
Temos o Banrisul, a prefeitura é uma excelente negociadora em nome dos porto-alegrenses junto ao Banrisul, junto a instituições de fomento, com essa característica.
Como a prefeitura não tem um banco, a senhora já consultou instituições que teriam interesse? Porque ouvi de pessoas relacionadas a esse ambiente que não seria um programa atrativo e rentável para essas instituições.
Eu ouvi de pessoas também ligadas ao setor que esse programa ou esse tipo de programa pautará as ações das administrações locais e estaduais no próximo período. Então, o que eu acredito é que essas instituições também estão passando por transformações para dar conta da crise que assola o nosso país. Sim, faremos gestões com aquelas que tiverem interesse e acredito que alcançaremos com razoável facilidade, dado a condição objetiva da economia brasileira. Eu quero fazer menção ao segundo programa que eu gosto muito...
Mas a senhora não chegou a conversar com algumas instituições ainda?
Não, eu não sou prefeita da cidade, por isso que quando tu me perguntaste o que fazer em 1º de janeiro, eu te falei 30 de novembro, porque no dia 1º de janeiro tem de estar negociado na ponta do lápis para começar. Então, a transição será de diálogo com essas instituições, para que no dia 1º de janeiro esteja valendo. Voltando ao segundo programa, é também algo bastante simples do ponto de vista da compreensão e com grande impacto. Segundo o Sebrae, a prefeitura de Porto Alegre, com seu orçamento de R$ 7 bilhões, gasta R$ 1,7 bilhão com as chamadas compras públicas. Só 8% dessas compras são feitas de pequenas, de micro, de médias empresas, porque é muito mais fácil comprar R$ 900 mil de camisetas de um único fornecedor. É mais fácil, mas gera menos emprego. Então, queremos alcançar 20% do total das compras públicas organizadas de forma local e priorizando as micro, pequenas e médias empresas. Isso significa R$ 340 milhões na economia. Faz diferença, para a economia da cidade, a verdura da prefeitura ser comprada do nosso agricultor, faz diferença que os EPIs dos profissionais da saúde podem ser produzidos por cooperativas de costureiras da Zona Norte. Precisaremos entrar em um modo que teóricos chamam da economia do comum, como garantir processos mais curtos, mais próximos. Isso é ambientalmente adequado, tudo que viaja menos destrói menos o planeta, mas movimenta a economia da cidade. A prefeitura pode ter um papel de indução da economia local, se relacionando diretamente com as suas pequenas empresas.
Como a senhora avalia o governo municipal atual em relação às estratégias para controlar a pandemia? O que teria feito diferente?
Primeiro, como o governo em geral, é um governo de abandono da cidade. São três anos e meio sem prefeitura, só apareceu na época da eleição, que é o ano da pandemia. Eu repito algo que também já mencionei, no início da crise escrevi para o prefeito, sugerindo um espaço de diálogo permanente com um conjunto das forças vivas da cidade, econômicas, políticas e sociais. Eu teria feito isso, comitê de crise. Não sou a dona da verdade, é preciso estabelecer um espaço de diálogo para que não caiamos em falsas contradições. A gente acredita que os espaços de diálogo são fundamentais em crises tão grandes como essa. Teria ouvido o Conselho Municipal de Saúde, nem sequer o conselho ele ouviu. Dois, eu teria uma política de testagem, lá no início, e de rastreamento, que não foi feito. Esses casos têm que ser rastreados de forma ativa e testados pela prefeitura para garantir a não ampliação do contágio, a partir da testagem e do rastreamento feito pela equipe de saúde da família da prefeitura. Eles declararam guerra ao Imesf em meio à pandemia, para a gente ter noção de como o prefeito encaminhou o tema. A partir disso, teria dado mais estabilidade, acho que por não termos uma política de testagem sólida, tivemos pouca estabilidade das ações da prefeitura.
Qual sua opinião sobre o impeachment do prefeito?
A Câmara de Vereadores tem de tomar a sua decisão, existe objeto para o impeachment e eu torço para que esse debate não se misture com o da eleição. Acho que o impeachment tem de ser construído no calendário, não conjunto, não paralelo, para não contaminar o debate eleitoral e o debate eleitoral não contaminar o impeachment, porque o prefeito tem direito de um julgamento justo. Acho que há o objeto, mas defendo que ele tenha um julgamento justo. Acho que o ambiente eleitoral tende a tensionar mais. Eu, particularmente, quero derrotá-lo nas urnas em 15 de novembro.
Mas a senhora não acha que pode ser proveitoso para o eleitor saber se a senhora é favorável ou não ao impeachment?
Eu não sou vereadora, mas eu repito o que já disse: há objeto para o impeachment, o que ele fez foi muito grave. Ele usou o dinheiro da saúde para fazer propaganda de si mesmo, não para orientar a população, não para instruir a população. Há objeto, mas defendo julgamento justo porque é isso que defendo para todas as brasileiros e brasileiros, inclusive para ele que é meu adversário político. Portanto, justamente por isso, mesmo reconhecendo que há objeto, torço que o processo aconteça depois do processo eleitoral para não ser contaminado por ele.
A senhora fala em suspender os novos valores do IPTU em 2021 para indústria, comércio e serviços. Como isso seria feito?
O impacto disso numericamente na prefeitura, para ter uma ideia, a diferença é de R$ 34 milhões, são 120 mil imóveis. Porto Alegre já recolhe pouco mais de R$ 297 milhões desse IPTU comercial, passaria a recolher, em 2021, R$ 332 milhões. Então é uma diferença de pouco mais de R$ 34 milhões no total. Tecnicamente, a partir do envio do projeto pelo atual prefeito, também construído na transição, acho que ele não faria oposição a isso, podemos aliviar aqueles que querem investir na nossa cidade. Quem paga o IPTU é o locatário. A cidade está em crise, se a prefeitura quiser retomar a economia da cidade, ou seja, incrementar o seu orçamento a partir da cobrança de ISS ou a partir do retorno de ICM, ela precisa ter negócios abertos. É um pacto que temos de fazer com nossos comerciantes. Porto Alegre é uma cidade de pequenos comerciantes. Repito: são R$ 34 milhões. Só de imóveis que não tributaram, não pagaram, não honraram o compromisso, são R$ 100 milhões.
Quando fala em serviços, comércio, a gente fala não só do pequeno boteco, mas de todos os supermercados, bancos, farmácias, escritórios de advocacia, são segmentos que não foram muito afetados, inclusive ganharam...
Escritórios de advocacia não foram afetados? Foram os mais afetados. Sugiro que tu busques os dados. É duas vezes mais que os salões de beleza.
Tudo bem, tira os escritórios, quero saber dos outros segmentos, eles entram também nessa isenção do aumento do IPTU?
Não é uma isenção tributária, é abrir mão de parte de um aumento que já aconteceu. Então, o aumento já aconteceu, ele está fracionado em um número "x" de anos, nós estamos propondo que esse aumento seja jogado para o fim do ciclo e, sim, estamos propondo para a cidade inteira, porque todos viveram em alguma dimensão os impactos da crise. Temos dois ou três serviços que de forma muito pequena tiveram algum incremento em 2020. A situação geral não é essa, a situação da cidade é uma situação de bastante angústia, inclusive. Eu conheço Porto Alegre e sei que somos uma cidade de pequenos empresários, empresários que trabalham nos seus negócios, que são eles mesmos que empreendem e trabalham. Não estão em casa, enquanto seus trabalhadores estão lá. A maior parte está lá abrindo boteco na Cidade Baixa, vai lá abre restaurante, ajuda no buffet, está fritando bife na chapa, esse é o empresariado da nossa cidade, são os pequenos advogados, que têm seus escritórios no Centro, são os pequenos salões de beleza, os pequenos mercados de bairro, essa é economia real da cidade. Eu pretendo enviar, em parceria com o atual prefeito, quero fazer uma transição de diálogo e acho que ele não se negará a isso, enviar uma proposta para a Câmara para que essa parcela de aumento seja colocada lá para frente, ou seja, nós preservaríamos uma arrecadação de R$ 297 milhões. Deixaríamos de transformar essa arrecadação de R$ 297 milhões em R$ 332 milhões, certo? Não é que vamos abrir mão, eles pagarão, só não com a incidência de uma parcela a mais do aumento.
A partir de 2022 sim?
Esse aumento para 2022, não. Se não, o aumento seria duplo. O de 2021 iria para o fim do ciclo.
Lugar preferido da cidade?
Eu gosto da Ponta Grossa, da zona sul da cidade, extremo sul.
Lugar que é a cara da cidade?
Para mim, a cara de Porto Alegre são esses espaços com um monte de prédio, porque quando eu vim para cá era o que eu ficava encantada, olhando as luzinhas. A minha cara da cidade é quando entra ali pela região sul, aquele perfil da cidade, que tem o Cais, tem a Usina, dá para ver os prédios.
Lugar triste?
Acho muito triste aquela esquina da Tronco na Cruzeiro, que tem de um lado a obra interditada, do outro o Postão, Alberto Bins, acho aquele lugar triste.