GZH entrevistou ao vivo, nesta segunda-feira (19), o candidato à prefeitura de Porto Alegre José Fortunati (PTB). Denominada de "Se eu for prefeito" e conduzida pelo colunista Paulo Germano, a live teve duração de cerca de uma hora. Fortunati falou sobre as propostas de campanha, decisões e fatos de sua atuação no comando da Capital e iniciativas para melhorar a cidade.
Fortunati é o primeiro entrevistado da série. Ele será seguido por Manuela D'Ávila (PCdoB), Nelson Marchezan (PSDB) e Sebastião Melo (MDB) — um a cada dia. O critério de escolha foi a pesquisa Ibope divulgada em 5 de outubro — GZH convidou os quatro melhores colocados. A ordem das entrevistas é alfabética.
Assim como outros candidatos, o senhor está propondo microcrédito para pequenos e microempreendedores. O senhor já procurou uma instituição que possa, de fato, bancar esse microcrédito. Como ocorreria na prática?
Se nós estivéssemos tratando de um negócio usual do sistema financeiro e bancário, certamente eles não teriam nenhum interesse em aportar recursos para o microcrédito, mas existe uma legislação específica sobre isso. Isso é importante, porque eles escondem, eles fazem questão de esconder. Eles têm de investir um pouco do compulsório, que eles são obrigados obviamente a guardar pelo Banco Central, exatamente nesse tipo de atividade. Como isso dá trabalho, os onera, o que eles fazem? Simplesmente repassam para o Banco Central. Então, num momento de pandemia, é fundamental perceber que os bancos têm a obrigação de repassar um percentual de seu compulsório exatamente para projetos como o microcrédito. É isso que nós estamos tratando, inclusive, junto ao Banco Central. Estamos tratando com bancos que obviamente terão que, ao invés de simplesmente passar os recursos ao Banco Central, operarem isso. É um pouco mais trabalhoso, mas o que eu tenho dito a eles? Num momento em que uma parcela significativa da população brasileira está desassistida, certamente o auxílio emergencial, tão fundamental para o país nesse momento, vai deixar de existir. As pessoas terão de empreender, terão que investir e o microcrédito será uma tábua de salvação para muita gente.
O senhor conversou então com instituição que têm interesse? Para Porto Alegre, o senhor já conversou. Isso é possível?
É possível e é o chamado balanço social. Por que hoje muitas empresas acabam fazendo doações? Porque hoje, felizmente, o chamado balanço social está muito valorizado. Então, é importante que a gente compreenda que é necessário que o gestor da cidade tome iniciativas.
O senhor pode mencionar alguma instituição com quem conversou e que toparia fazer esse microcrédito?
Vou dar um exemplo para mostrar claramente. O banco Itaú. Quando viajei, há tempos, lá no início do meu governo, e descobri a fórmula da bicicleta de aluguel, eu tinha de buscar um parceiro. Aí descobri que o banco Itaú já havia colocado a bicicleta de aluguel em São Paulo e no Rio de Janeiro. O banco Itaú não tinha muita força em Porto Alegre, e certamente do ponto de vista de negócios talvez pouco interesse em investir em Porto Alegre em um projeto como o da bicicleta de aluguel. Nós fomos a São Paulo e convencemos a direção da empresa que para o balanço social, para a visibilidade que isso daria para o banco Itaú do ponto de vista público seria extremamente importante. Eles vieram a Porto Alegre, fizeram estudos e chegaram à conclusão que esse lado do balanço social, no caso, a adoção das bicicletas de aluguel, seria extremamente importante investir em Porto Alegre, que é uma cidade diferenciada. Dou esse exemplo para mostrar que certamente teremos parceiros da mesma forma, o próprio banco Itaú, que vai acabar investindo em microcrédito em Porto Alegre.
O seu partido, candidato, o PTB, participou desse governo atual o tempo todo. Desde o início do governo, ocupou cargos de primeiro, segundo e terceiro escalões. E só saiu do governo, o PTB, agora, um mês antes de lançar o senhor como candidato, para apoiar um processo de impeachment do prefeito do governo que esse partido apoiou o tempo todo. Não é uma postura um pouco oportunista, candidato?
Essa tua pergunta pode se referir também ao PSDB. Por que pode se referir ao PSDB? Porque eu fui prefeito de Porto Alegre durante sete anos e durante seis anos o PSDB esteve no meu governo, participando ativamente do meu governo. Só saiu quando? No início de 2016. No início de 2016, o PSDB decidiu sair do governo José Fortunati para lançar Nelson Marchezan.
O senhor me permite um parêntese, candidato. No caso do PSDB, ele saiu no início do ano, avisou. Saiu no início do ano, não estou defendendo o PSDB, mas também não apoiou um impeachment contra o senhor.
Até porque não tinha processo de impeachment. Eu passei sete anos sem qualquer pedido de impeachment. O atual governo tem sobre si seis pedidos de impeachment. Então, vamos separar. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
O senhor tem, inclusive, o direito de achar que foi oportunista por parte do PSDB. Eu quero saber se o senhor acha oportunista por parte do PTB?
Não, de forma alguma. São circunstâncias avaliadas por cada partido. Eles tomam decisões. Não tenho nada a ver com isso. É uma questão partidária. Não foi o único partido que, aliás, saiu do governo. A pergunta é: quem ficou com o governo? O atual prefeito conseguiu brigar praticamente com toda a Câmara de Vereadores. Aliás, como brigou com a sociedade como um todo. Então, é isso que tem de ser levado em consideração. Brigou com seu vice, que foi anterior, brigou com o PP, que foi o partido que lhe deu sustentação no primeiro turno de 2016. Foi brigando gradativamente. Então, não dá para simplesmente responsabilizar o PTB como se fosse uma ação única, exclusiva. É só olharmos a relação do prefeito com todos os partidos, com todos os vereadores da Câmara, com a sociedade como um todo. Ele conseguiu realmente romper todas as pontes existentes.
Como o senhor se coloca em relação a esse processo de impeachment do prefeito Marchezan? O senhor é a favor ou contra o impeachment do prefeito?
Eu tenho dito e vou continuar afirmando. Como candidato, não me sinto eticamente confortável para opinar sobre a questão do processo de impeachment. O processo de impeachment, assim como a CPI, advém de questões levantadas por membros da sociedade, encaminhados a Câmara de Vereadores, e a Câmara tem de cumprir com o seu papel. A favor ou contra, mas tem de cumprir com o seu papel. Ponto. Não me compete como candidato e, obviamente, neste momento, concorrendo com o atual prefeito, fazer qualquer consideração. O que eu posso dizer é que estou contando com o atual prefeito, Nelson Marchezan, na disputa eleitoral. Para mim, não tem qualquer motivação diferenciada. Decisão da Câmara é decisão da Câmara. Neste momento, como candidato que sou, vejo mais 12 candidatos disputando a prefeitura de Porto Alegre.
Entendo seu ponto de vista, mas o senhor é uma das lideranças políticas mais significativas de Porto Alegre. Está concorrendo a prefeito. O senhor não acha que o eleitor tem o direito de saber qual é a sua posição em relação a isso?
Entendo que não. Tenho posições sobre praticamente todos os assuntos, mas existem questões que não podem contaminar o processo eleitoral. Não quero discutir no processo eleitoral o impeachment do prefeito. Quero discutir projetos concretos para a cidade. Se eu assumir com prefeito de Porto Alegre, será em 1º de janeiro de 2021. Não é em 2020. O impeachment é uma questão de 2020. Por isso, pode me perguntar qualquer coisa sobre 1º de janeiro de 2021 em diante. Como candidato e obviamente, se for prefeito eleito, administrando a cidade.
Na campanha de 2012, o senhor se apresentou como o pai das obras da Copa do Mundo de 2014. Quando a Copa chegou ao Brasil, foram quatro obras das 15 previstas para o Mundial que ficaram prontas. Quando o senhor deixou o governo, em 2016, eram sete obras prontas entre as 15. Ainda faltavam oito. Queria saber que autocrítica o senhor faz em relação a isso e o que pode ser de fato diferente no eventual novo governo do senhor?
Temos de recuperar o histórico da Copa, quando Porto Alegre conseguiu se credenciar como uma das 12 cidades-sedes. Recebemos um chamado caderno de encargos, ou seja, obrigações que Porto Alegre teria de cumprir para receber a Copa do Mundo. Que obras eram essas? Um estádio padrão Fifa. A única cidade do país que não investiu recursos na construção do padrão Fifa, porque conseguimos uma bela parceria com o Sport Club Internacional que, com seus parceiros construiu o estádio Beira-Rio. Segundo, tínhamos de qualificar o entorno. Terceiro, tínhamos de facilitar o acesso ao estádio, consequentemente, duplicar a Avenida Beira-Rio, que foi duplicada com o Viaduto Abdias do Nascimento, e aí terminamos com um dos principais gargalos que a cidade tinha em direção à Zona Sul e Zona Sul/Centro. Também tínhamos de qualificar a Padre Cacique, porque com qualquer chuvinha tínhamos uma inundação. E mais a modernização do aeroporto Salgado Filho, que não foi competência da prefeitura, mas da Infraero. Essas obras somadas davam exatamente R$ 140 milhões. Levamos a Brasília para assinatura com o então presidente Lula e aí eu percebi que as outras 11 cidades estavam conseguindo R$ 300 milhões, R$ 400 milhões. Estranhei. As demais cidades colocaram outras obras que não tinham nada a ver com a Copa do Mundo. Então, temos de abrir uma nova negociação.
O que foi feito?
Porto Alegre foi a única cidade que continuou negociando com o governo federal, buscando mais recursos. Resumindo, de R$ 140 milhões, obras da Copa, nós saltamos para R$ 880 milhões. Atualizando, dá em torno de 1 bilhão, colocando obras que não tinham nada a ver com a Copa. Como exemplo, a Avenida Tronco. A Avenida Tronco foi planejada por Leonel de Moura Brizola em 1957, o então prefeito. Foi colocado mais uma vez no plano diretor de 1999 e nunca saiu do papel. Então, nós voltamos, retiramos da gaveta todas as obras possíveis, inclusive, colocamos mais. O que acabou acontecendo? As obras depois disso acabaram encontrando vários problemas técnicos. A Avenida Tronco tinha 1.750 famílias morando sobre o leito da avenida, porque era uma área verde. Retiramos família por família com respeito, só que isso levou um tempo enorme. Vou te dar outro exemplo, a trincheira na Avenida Plínio Brasil Milano, que não tinha nada a ver com a Copa do Mundo, era uma obra da Terceira Perimetral. Tentamos retirar a revendedora de veículos Metta, vou dar o nome para que as pessoas lembrem, que estava sobre o terreno do municípios. Eles foram para a Justiça, e a prefeitura só conseguiu retirar a Metta por decisão judicial em dezembro de 2018. Então, o que temos de perceber? Os problemas técnicos foram surgindo ao longo da realização das obras, mas o fundamental, essas obras nunca teriam saído do papel se nós não tivéssemos aproveitado exatamente a realização da Copa do Mundo e o financiamento em condições muito especiais que o governo federal estava nos dando.
As obras que saíram do papel, que estão prontas, a gente reconhece sem dúvida alguma como um legado importante. A minha questão é que, entre 15 obras, oito não estavam prontas quando o senhor deixou o governo. A Avenida Tronco, que o senhor mencionou, é verdade, essa foi a oportunidade para isso. Mas, justamente para a cidade saber que havia 40 anos que estava prevista no plano diretor, é esquisito que, quando chegue no momento de fazer, o projeto seja tão precário, com vários problemas.
Não é precário. Demorado, porque nós tivemos respeito com a população que lá morava.
Mas o projeto foi mudado várias vezes. O senhor lembra?
Foi mudado exatamente para ser adequado.
A Avenida Tronco seria só um trecho, que seria duplicado.
Não. Desde o início. Na verdade, foram feitos três projetos, porque foram para empresas diferentes, mas, desde o início, a Avenida Tronco é uma só.
Teve o caso da trincheira da Anita também, que não foi previsto no projeto, tinha uma pedra gigantesca no subsolo. A trincheira da Ceará tinha um rio praticamente embaixo ali. A própria Avenida Tronco não está pronta até hoje. O senhor mencionou a trincheira da Plínio, o governo, inclusive, desistiu da obra. Não faltou planejamento?
Não concordo, porque não foi falta de planejamento. Na verdade, foram obras, volto a dizer, engavetadas. Aproveitamos o momento para tirarmos do papel e problemas técnicos aconteceram. Vou dar o exemplo da trincheira da Anita. O projeto básico foi feito, tecnicamente. Surge uma rocha. Isso acontece muito em projetos. São problemas técnicos que vão surgindo a posteriori e que obviamente tiveram de ser resolvidos.
Mas acontece de ver a rocha só quando começa a escavação? Não deveria acontecer, né, prefeito?
Não deveria, mas é uma boa pergunta para os técnicos. Obviamente não sou eu que fiz o projeto. São engenheiros formados, são especialistas. Eles que fazem, não somos nós. Não fui eu prefeito, no Paço Municipal, que fiz. Vou te dar outro exemplo. Quando a gente fez a Avenida Severo Dullius, acabamos tendo de mudar o traçado porque mudou a legislação ambiental no meio do projeto, que ficou muito mais forte. Algumas das premissas que estavam no primeiro projeto não puderam ser adotadas e tivemos de mudar o itinerário. São fatores que extrapolam simplesmente a leitura de um projeto que tem obviamente um prazo matemático, mas que a vida real acaba impondo outras dificuldades. É isso que tem de compreender. Essas dificuldades foram tamanhas. Vou te dar o exemplo da trincheira da Ceará. Na verdade, o projeto estava feito e bem feito, aliás por uma empresa de construção de Porto Alegre, O problema é que o tipo de estrutura prevista, quando se cavou obviamente se viu que ela não daria conta. Isso acontece com as obras. São adequações para darmos segurança para que a obra aconteça.
O Tribunal de Contas do Estado apontou mau planejamento como a causa principal dos atrasos nas obras da Copa de 2014. O senhor disse que não houve mau planejamento, mas o próprio TCE discorda dessa visão.
Discorda porque, obviamente, é tarefa do TCE ter todas as obras planejadas ao longo do tempo. Eu quero lembrar que essas obras não tinham projetos, essas obras tinham sido pensadas, estavam engavetadas e nós tivemos de cumprir com um calendário bastante célere para que acontecessem. Tanto é verdade que quem começou a questão dos projetos foi o prefeito José Fogaça e o mérito é dele. Eu era o vice-prefeito. Se a gente fizesse como tem de fazer a licitação para os projetos, não conseguiríamos fazer nenhum para a Copa do Mundo, inclusive as obras necessárias. O que tem que ser levado em consideração é o momento. Se não aproveitássemos aquela ocasião para que as obras realmente acontecessem, elas não teriam saído e nós ficaríamos mais 20, 30, 50 anos sem que as obras saíssem do papel. Então, apressamos? Apressamos. Dentro do possível, elas foram pensadas. Faltou planejamento? Não, porque era o tempo que nós tínhamos para viabilizar as obras. Hoje, é muito fácil as pessoas dizerem: 'Ah, tinha de ter feito essas obras". Ora, ou a gente aproveitava a ocasião ou as obras não teriam saído do papel.
Um técnico da secretaria de obras certa vez me disse que a nossa diferença para China, por exemplo, é que lá eles passam cinco anos fazendo o projeto da obra e daí resolvem em um ano sua execução. E aqui a gente passa um mês fazendo o projeto e leva 10 anos para executar e consertar o que o projeto não previu.
Não só isso. Quando fui a Xangai, Porto Alegre foi premiada para participar da Expo Xangai, o condutor, que era o anfitrião, nos mostrou todo orgulhoso que uma parte de Xangai estava sendo construída. Novas construções com edifícios extremamente elevados. Ele me dizia: "Aqui existia uma população pobre e subabitação". Perguntei, dentro da minha ingenuidade: "Sim, mas as pessoas para onde foram, saíram facilmente?". Ele estranhou a pergunta e disse: "Olha, aqui o governo manda, as pessoas obedecem. Simples". Ou seja, o cipoal jurídico que nós temos, a livre manifestação democrática do estado democrático de direito, na China não existe. Então, não comparem a China com o Brasil, pelo amor de Deus.
Uma das discussões mais prementes em Porto Alegre diz respeito à situação calamitosa do transporte público. O cenário já era muito ruim da pandemia e, agora, com a queda no número de passageiros, as empresas de ônibus alegam prejuízos sem precedentes. Como se resolve essa questão?
Não tem solução simples, com toda a certeza. Tenho discutido muito com técnicos da Associação Nacional de Transportadores de Passageiros (ANTP) e técnicos da Frente Nacional de Prefeitos, da qual fui presidente, experiências exitosas em muitas cidades não somente no Brasil, mas no mundo. Estamos buscando uma equalização que permita pensar no fortalecimento do transporte coletivo de Porto Alegre, que é fundamental. Aqueles que acham que enfraquecer o transporte coletivo de Porto Alegre é uma boa saída estão extremamente equivocados. A cidade depende do transporte coletivo, a população mais carente, que mora mais distante de Porto Alegre, Cruzeiro, Lomba do Pinheiro, Restinga, enfim, depende do transporte coletivo. Então, nós precisamos, na verdade, de uma fórmula que permita qualificar o transporte coletivo, reduzindo passagem. E esse é o desafio e é isso que nós estamos discutindo. Já tem uma proposta pronta? Não. Vou ser muito claro. Teremos de sentar com todos os segmentos, vou trazer os técnicos da ANTP, da Frente Nacional dos Prefeitos, do Ministério das Cidades, para pensarmos em uma saída, porque o transporte coletivo de Porto Alegre é fundamental para a cidade.
O senhor é favorável a subsidiar o transporte coletivo, ou seja, encontrar alguma fonte de renda para injetar no sistema? Se for favorável, tem alguma ideia de como fazer isso?
Nos estudos que estamos realizando, cidades de médio e grande porte têm seus transportes coletivos subsidiados. A cidade de São Paulo passou por governos do PT, do PSDB, do MDB, dá enorme subsídio para o transporte coletivo, R$ 3,2 bilhões. O (Fernando) Haddad foi prefeito e dava isso, o (João) Doria foi prefeito e dava isso. Então, não é questão ideológica, é uma questão que somente com isso eles conseguem manter a passagem em um determinado patamar, fazendo com que o sistema funcione. Podemos ir para Paris, Lisboa, Nova York, o sistema sempre é subsidiado de uma forma ou de outra exatamente para garantir a sua sobrevivência. Como nós vamos garantir esse sistema? Com certeza não é com a taxa de congestionamento, até porque eu estou convencido que nós mataríamos o Centro Histórico. Acabaríamos retirando muita gente do Centro Histórico e eles dependem da ida das pessoas nos seus bares, hotéis, restaurantes, comércio. São mais de 400 mil pessoas que passaram por lá, óbvio muita gente usando transporte coletivo, mas muita gente com automóvel. O pedágio urbano acabaria afetando a economia do local, então essa não é uma saída que me pareça adequada. Mas estamos estudando outras formas. Da forma que está, o sistema não consegue se sustentar sem uma elevação no preço da passagem.
Você teria, candidato, um exemplo de forma que vocês estão estudando?
Vou citar uma das propostas que está na Câmara de Vereadores e eu sou muito simpático, que é o novo vale-transporte. Da forma que foi pensado é muito interessante, porque hoje o empresário paga o vale-transporte para alguns trabalhadores e faz o possível para buscar trabalhadores somente perto da sua residência. Muitas vezes, ele tem um profissional que mora muito mais distante, mas por pegar dois ônibus isso acaba inviabilizando a sua ida até a empresa. Então, o novo vale-transporte, que não seria mais a cobrança de um determinado valor mais elevado, somente para aquele trabalhador que hoje tem o VT, mas um valor menor para todos os trabalhadores, do ponto de vista do cálculo atuarial permite que isso seja arrecadado, dando uma fonte muito segura para que a prefeitura possa aportar no sistema, reduzindo de uma forma bastante significativa a passagem.
O senhor se refere ao projeto do governo atual que propõe que as empresas passem a pagar uma taxa e não mais o vale transporte, é isso? O governo municipal atual fala em passe livre para os trabalhadores. O senhor é simpático a esse projeto?
Perfeito. As pessoas pensam: "temos uma passagem R$ 4,70, todo mundo paga". Não é verdade. Os trabalhadores que têm o emprego regular recebem o VT e é descontado no máximo 6% do seu salário desse vale-transporte. Então, na verdade, nem todo mundo paga os R$ 4,70. Nesse aspecto, tenho concordância com o projeto do governo, temos de lapidá-lo ainda, temos que estudá-lo melhor, mas é uma das saídas que eu vejo como adequadas.
Em uma reportagem de GZH, o senhor foi questionado sobre taxar ou não os aplicativos de transporte. O governo atual tem uma proposta de taxar as empresas, e o senhor disse que vai "integrar os apps ao sistema de transporte". Na prática, isso significa o quê?
Isso nós tentamos fazer, assim que os aplicativos vieram, em um primeiro momento me rebelei contra eles, porque entraram sem qualquer tipo de legislação, atropelando a cidade. Tu deves te lembrar dessa polêmica criada na cidade. Teve um deferimento por parte do Poder Judiciário permitindo que os aplicativos viessem sem qualquer legislação. Temos hoje uma lei federal que regulamenta os aplicativos, mas nada impede que o prefeito, que é o gestor municipal, possa pensar os aplicativos como parte do sistema. Consequentemente, ele é parte do sistema, ele pode ser taxado, isso que eu estou dizendo. Não sou contra a taxação, só não posso pensar de forma isolada. Tenho que pensar o sistema como um todo, a partir do momento que eu penso o sistema como um todo, se os ônibus são taxados, se os táxis são taxados, se o catamarã é taxado, enfim, naturalmente, os aplicativos também terão que ser taxados.
É que o senhor respondeu integrar os aplicativos ao sistema de transporte. Na prática, é taxar os aplicativos também?
Pensando em uma política pública onde eles façam parte disso, com o devido cadastramento, devido controle. Não é controle estatal para que não funcione, importante deixar isso claro. É um controle estatal para dar segurança ao passageiro, é isso que nós desejamos, para que ao fim e ao cabo, tanto quem presta serviço, quanto quem usa o transporte de aplicativo, tenha segurança que está usando um serviço do público e por isso tem que ser considerado um serviço público.
Sobre o seu governo anterior, houve casos graves de fraudes e desvios de verba pública em vários órgãos municipais (DEP, Procempa, FASC, Carris). O senhor pretende agora adotar critérios ou medidas objetivas para evitar que essas fraudes, esses desvios, voltem a acontecer. Quais são esses critérios e essas medidas objetivas para evitar que isso ocorra?
Primeiro lugar, voltando no tempo, infelizmente nem sempre as pessoas se conduzem da forma mais adequada do ponto de vista ético da relação com a coisa pública. Falo não somente de secretários, CCs e servidores, porque tivemos vários servidores envolvidos infelizmente, mas isso não pode generalizar a imensa maioria das pessoas que estão na gestão pública e fazem isso de forma muito adequada. Segundo lugar, nunca deixei de tomar qualquer providência em relação às denúncias que foram apresentadas. Quando a denúncia era séria, intervimos no órgão, abrimos sindicâncias, afastamos os diretos, contribuímos com o Ministério Público e o TCE. Aliás, poucos dias atrás, a jornalista Adriana Irion, que fez um excelente trabalho na denúncia das chamadas "fraudes dos bueiros", ela no Gaúcha Atualidade reconheceu que, quando eu tomei conhecimento das denúncias, tomei todas as providências. Quem diz isso não sou eu.
É verdade, o senhor sempre mandou investigar, exonerou os envolvidos, mas vamos combinar, seria inadmissível a imprensa denunciar o esquema, o Ministério Público investigar e a prefeitura não abrir uma sindicância. Minha dúvidas são medidas preventivas para que isso não ocorra.
Tudo bem. Tu falou no caso do DEP e foi denúncia da Zero Hora, mas no caso da Procempa não foi denúncia de ZH. Eu tomei a denúncia e depois se tornou público. Depois eu intervi no órgão, depois que eu havia substituído a direção, se tornou público. Vamos equalizar, porque eu tenho absoluta convicção, quando eu tomei conhecimento ou através da imprensa, ou internamente, tomei as providências adequadas. Vamos deixar isso claro. Segundo, temos de criar um sistema de controle interno e vamos criar. Vou convidar um auditor do TCE ou da União para coordenar esse trabalho, para que a gente possa, dentro do sistema de compliance (conformidade), que hoje está sendo adotado pelas empresas, adotarmos também em Porto Alegre. Não tenho medo de transparência, ao contrário, implantamos na cidade um sistema de transparência que foi reconhecido nacionalmente. Lembrando, buscamos o Open Data, a abertura de dados em São Francisco e Nova York, e transformamos Porto Alegre em modelo. Tanto é verdade que, em 2015, o Ministério Público Federal fez um ranking das 5,7 mil cidades, dando nota de 0 a 10 em transparência e apenas sete cidades em 2015 conseguiram nota 10 em transparência, uma delas Porto Alegre. Em 2016, voltamos a ter nota 10 em transparência, então isso não nos assusta, faz parte da minha história.
Como avalia o governo atual em relação às estratégias para controlar a pandemia? O que o senhor teria feito diferente?
É muito cômodo passado o processo, ou pelo menos grande parte dele, podemos ter a segunda onda, fazermos uma crítica a quem quer que seja. Eu não seria leviano a ponto de simplesmente olhar para o passado. O que eu sei, de forma tranquila e quero falar do ponto de vista em tese, é que quando estava em Portugal, eu acompanhei muito o caso da Itália, porque tenho parentes lá. Sei exatamente o que foi feito na Itália, na Espanha, em Portugal. Voltei para o Brasil no dia 19 de março e aqui encontrei, infelizmente, um cenário político bastante complicado, porque tínhamos duas situações. De um lado, os negacionistas, e do outro lado, os fundamentalistas. Com isso, na verdade, acabamos demorando muito tempo para compreendermos de que forma a covid se manifestava. Eu acho que é normal isso, em um primeiro momento. Levamos dois meses, os cientistas também não tinham muita clareza de que forma a contaminação se dava, mas com o passar do tempo isso foi ficando muito mais claro. Então, hoje, o que eu entendo que naturalmente temos que combater tanto os negacionistas, que simplesmente negam que a covid existe, que causa traumas, mortes, deixa sequelas, e os fundamentalistas, que acham que tudo tem que ser feito em função da covid e o restante da vida não pode existir. Temos que saber mediar isso, a partir de agora. No sentido de que a covid existe, enquanto não tivermos vacina ela continuará entre nós, mas a vida real tem que seguir, ou seja, estabelecendo protocolos, exigências básicas para que a vida continue dentro dessa nova normalidade.
Candidato, tem uma proposta no plano de governo do senhor que fala em "educar para a família", me chamou atenção porque diz o seguinte: desenvolver ações que aproximem e valorizem a família, como referência familiar e desenvolvimento social. Queria entender melhor o que é isso, que ações concretas na prática vão ser essas?
Eu, na condição de secretário estadual da educação, nós implementamos no Rio Grande do Sul, uma iniciativa da Unesco que era a "Escola Aberta para a Cidadania". Isso era ir para as escolas públicas estaduais, na periferia, e abrir as escolas nos finais de semana para que toda a família pudesse conviver junto na escola, na quadra de esporte, na biblioteca, na sala de aula, com oficinas. Um projeto que deu muito certo, porque aproximou as famílias das escolas. Há uma dificuldade muito grande, normalmente, na periferia, nas comunidades carentes, da família participar da vida das escolas, acho isso fundamental. Quem entende de educação sabe que a relação da família, da comunidade escolar com a escola é fundamental. A criança fica com a autoestima mais elevada, cria uma relação assertiva, propositiva com o quadro de professores, permite que os próprios pais ajudem a preservar as escolas, ou seja, o resultado final dessa política é boa para todo mundo, faz da escola um centro de convivência, além do centro educacional que é importante e não só educacional do ponto de vista formal, porque queremos retomar a escola em tempo integral para a cidade em todas as escolas, mas permitir que as famílias voltem a conviver, integrando a educação com a família.
Como se faz isso na prática, para aproximar as famílias das escolas?
Abrindo as escolas nos finais de semana. Na verdade, quando nós implantamos a "Escola Aberta para a Cidadania" no RS, algumas pessoas disseram 'ah, vai abrir? vão depredar as escolas'. Ao contrário, as pessoas foram para as escolas e passaram a se sentir participantes das escolas e elas melhoraram, inclusive o desempenho dos próprios alunos melhorou muito. Tem indicadores que a Unesco nos mostra.
O senhor tem falado em 45 escolas de educação infantil abertas no seu governo, mas dei uma pesquisada e grande parte delas foram abertas no governo Fogaça, certo? O senhor está contando toda sua gestão?
Não. Aí chegaremos a 60 escolas.
Bom, o que eu concluí aqui, o senhor está dizendo que só no seu governo foram 45, é isso?
Exatamente. Se nós somarmos com o governo Fogaça, chegaremos a 60.
Nos meus dados aqui foram 13 no governo Fortunati e 48 no governo Fogaça, posso contar de novo...
Posso te repassar depois isso sem nenhum problema.
Sobre assistência social, o senhor tem dito que o governo atual deixou para trás algumas políticas referentes a Fasc e a política de assistência social na cidade. No seu governo, houve um aumento de moradores de rua. Teve uma pesquisa da UFRGS, divulgada em dezembro de 2016, final do seu governo, mostrou que a população de rua adulta cresceu 75% nos oito anos anteriores em Porto Alegre, justamente, na sua gestão como prefeito. Tem como melhorar a gestão em um eventual governo seu?
Tem. Nós já tínhamos começado a fazer no nosso governo. Nós nunca escondemos os dados. Ao contrário, essa pesquisa da UFRGS foi feita em parceria com a prefeitura, ou seja, com a minha gestão. Começamos uma grande discussão de um plano municipal de enfrentamento à situação de rua, que existe, foi estabelecido na minha gestão, aprovado por lei. Fizemos isso em parceria com o movimento nacional das pessoas em situação de rua, que as pessoas chamam de moradores de rua. Não foi algo de gabinete, foi algo amplamente discutido, com políticas públicas muito claras. É de fácil solução? Claro que não, porque muitas pessoas em situação de rua querem continuar na rua, muitas delas, não são poucas, têm doenças mentais, têm outros tipos de doença. Esse planejamento deve levar em consideração todas essas realidades. Segundo, fomos capacitando pessoas em situação de rua que pudessem operar em outras atividades, qualificando e permitindo que eles voltassem ao mercado de trabalho. Então, isso fazia parte do plano de enfrentamento à pessoas em situação de rua, que nós queremos dar continuidade. É claro, a pandemia ampliou enormemente o número. A pandemia trouxe um monte de criança de volta para a rua, então teremos que fazer esse enfrentamento com as entidades da criança e do adolescente, com o poder público atuando, conselho tutelar, começando exatamente por isso. Não permitindo que crianças continuem nas ruas, como acontece no dia de hoje.
O senhor vai manter as terceirizações nos postos de saúde, vai voltar atrás, não tem como abrir o Imesf (Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família) de novo, o que o senhor pretende fazer com a gestão dos postos de saúde?
O Imesf foi criado com o apoio do Ministério da Saúde, do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas do Estado e Câmara de Vereadores, então importante deixar isso claro. Não foi uma coisa pensada aleatoriamente. Segundo lugar, os atuais trabalhadores do Imesf estão com uma liminar garantindo o seu emprego até o final do ano. Terceiro, nós conseguimos revolucionar o atendimento à saúde básica nas vilas populares com o Imesf, que se somou as unidades básicas de saúde que nós tínhamos e ampliamos em muito o programa "Saúde da Família". Quarto, pretendo transformar a fundação pública de direito privado em empresa pública, resgatando os trabalhadores do Imesf para que eles continuem prestando esse bom trabalho à população.
Então, o senhor interromperia as terceirizações?
Sem dúvida nenhuma.
Qual o seu lugar preferido de Porto Alegre?
Tenho muitos, mas mantenho uma relação muito afetiva com o Parque da Redenção. Quando cheguei em Porto Alegre, filho de operário e mãe costureira, fui morar na casa do estudante universitário, na João Pessoa, morei lá cinco anos. Obviamente, não tinha dinheiro, então o que eu fazia, ia para a Redenção, tomar meu chimarrão, fazer minhas corridas, jogar meu futebol, então desde aquele período e ao longo da minha história acabou se tornando uma referência intimista muito grande. Guardo com muito carinho aquele momento e o presente porque continua sendo um dos melhores recantos da cidade.
Um lugar que é a cara da cidade?
Mercado Público, pela sua pluralidade.
Tem um lugar que o senhor considera triste?
Tenho sim. O lugar triste sempre foi a Vila Nazaré, que é aquela região no topo da pista do aeroporto. Pelas condições que as pessoas viviam por ali e vivem ainda. Sem esgoto, embaixo do lixo, com ratos enormes. É um lugar muito triste. Toda vez que eu visitava, buscando sua remoção, dava uma grande angústia e uma dor no coração muito forte.
E o seu governo deve fazer o que para melhorar a situação dessas pessoas?
Já está sendo feito. Nós iniciamos no nosso governo a remoção dessas pessoas para loteamentos, o que falta é concluir. Nós concluiremos essa remoção para darmos dignidade para essas pessoas.
Considerações finais.
Primeiro lugar, agradecer a ti e a Zero Hora, a oportunidade. Segundo lugar, dizer que estou nesse processo para auxiliar com a minha experiência, com todo aprendizado ao longo do tempo, revendo certamente várias coisas, tentando acertar nas próximas. Acho que tenho a experiência necessária e a convivência necessária para enfrentar, tanto a covid-19, como a crise econômica, em cima de algo que ao longo do tempo é a marca principal que tenho levado: muito diálogo e tomada de posição. Quem me conhece sabe que eu não deixo de tomar posições, mas antes eu ouço. É isso que eu quero continuar fazendo, quero contar com o apoio de todo mundo.
Programação
Confira a ordem das entrevistas da série "Se eu for prefeito"
- Hoje (segunda, 19): José Fortunati (PTB)
- Terça (20): Manuela D´Avila (PCdoB)
- Quarta-feira (21): Nelson Marchezan (PSDB)
- Quinta-feira (22): Sebastião Melo (MDB)