A julgar pela debandada de passageiros, Porto Alegre caminha para ser a primeira capital brasileira sem transporte público. Os números demonstram uma crise sem precedentes acentuada ano a ano, independentemente do modal em questão.
Coração do sistema de transporte urbano, os ônibus perderam 31% dos seus passageiros nos últimos 10 anos. Os lotações, outrora um modelo inovador e motivo de orgulho, perambulam pela cidade com menos da metade dos passageiros de 2010 a um custo que nem seus operadores consideram justo. Taxistas, os primeiros a sentir a crise na pele, estimam perda de até 60% da clientela. Mesmo o trensurb, um símbolo histórico da Região Metropolitana, perdeu um em cada cinco passageiros nos últimos cinco anos.
Especialistas asseguram, no entanto, que um futuro distópico sem transporte público é impossível. Ou melhor, é inconstitucional. Todo cidadão tem direito a transporte porque é o que apregoa o artigo 6 da Constituição desde uma emenda de 2013 — talvez o rescaldo mais importante dos protestos daquele ano, que se iniciaram com mobilizações contra um aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus e convulsionaram o país. Hoje, Porto Alegre cogita acréscimo de R$ 0,50.
As causas da decadência, como a crise econômica e a concorrência com os aplicativos de transporte de passageiros, vêm sendo repetidas em inúmeras reportagens nos últimos anos. O esforço inédito deste especial de GaúchaZH — que envolveu quatro repórteres, dezenas de entrevistas e imersões pessoais no sistema de transporte urbano — é esmiuçar o problema, mas sempre tendo como norte a busca de soluções viáveis mesmo em um contexto socioeconômico desfavorável.
Nas reportagens que seguem — uma para cada alternativa de transporte oferecida pelo poder público —, é possível observar caminhos. O ônibus, por exemplo, começa a buscar na tecnologia e no planejamento urbano formas de se tornar uma opção mais atraente. Diante de mais um aumento de preço iminente, a prefeitura discute com a Câmara de Vereadores novas formas de financiar e qualificar o sistema. Já o táxi, passado o pior momento da sua crise, procura seu lugar na cidade pela via da qualificação do serviço — justamente o ponto em que era mais criticado.
A melhor notícia, portanto, é que Porto Alegre acordou para o problema.