O futuro da mobilidade inclui os tradicionais ônibus, táxis e lotações, mas se estende a alternativas como trem, bicicleta, patinete e catamarã. O desafio, na avaliação de especialistas e do poder público, será permitir que o usuário pule de um tipo de veículo para outro com facilidade em um conceito baseado na expressão em inglês "seamless transport" — algo como "transporte sem emendas" —, uma meta que já vem sendo buscada em países desenvolvidos. Para isso, é fundamental investir em infraestrutura, planejamento e unificação de sistemas de pagamento. Hoje, a integração ainda engatinha.
— O que se chama de sistema "seamless" é poder trocar entre diferentes modos de transporte sem precisar pagar separadamente. É uma integração física, tarifária e operacional — afirma o diretor do programa de cidades do WRI no Brasil, Luiz Antonio Lindau.
Em um cenário ideal, seria possível pegar um trem em Canoas, desembarcar em uma estação na Capital e seguir de bicicleta até um ponto de embarque de catamarã. Com um detalhe: seria possível fazer tudo isso sem precisar andar muito de um ponto a outro e sem necessidade de comprar bilhetes ou pagar tarifas isoladamente. Tudo seria feito utilizando um mesmo cartão eletrônico — que poderia ser um cartão específico de transporte ou um cartão de crédito convencional. Dessa facilidade vem a expressão de um transporte sem "nós" ou "emendas".
Hoje, as iniciativas nesse sentido envolvendo meios como a bicicleta ou o trem ainda são incipientes. As estações do BikePOA passaram a possibilitar o destravamento das bicicletas por meio do cartão TRI, que também é utilizado nos ônibus municipais. Já o trem urbano permite integração com ônibus da Capital e com os da empresa Vicasa, de Canoas. Mas essa unificação ainda não resulta em benefício econômico significativo.
— O desconto para quem usa o trem e o ônibus é de 10%. Ainda não é tão vantajoso — analisa o secretário de Mobilidade de Porto Alegre, Rodrigo Tortoriello.
No caso de Canoas, a integração garante 10% de desconto no bilhete do trem, mas percentual menor no ônibus. Assim, o desconto final acaba ficando em 5,7% conforme a Trensurb.
Tortoriello afirma que a unificação dos meios de deslocamento é uma das estratégias de médio e longo prazo a ser buscada no município, mas sustenta que não é o tipo de medida que dependa apenas da prefeitura — já que envolve serviços sob responsabilidade estadual (como linhas intermunicipais ou o catamarã) ou federal (trensurb). Assim, exigirá esforço e comprometimento de gestores públicos de diferentes esferas e da iniciativa privada.
Trensurb perde 18% de usuários em cinco anos
Não são apenas os ônibus de Porto Alegre que vêm enfrentando uma debandada de usuários. Nos últimos cinco anos, os trens responsáveis por interligar a Capital a Novo Hamburgo sofrem com a fuga de passageiros. Nesse período, a demanda caiu 18,3%, o que representa cerca de 10 milhões de bilhetes a menos por ano.
Chefe do setor de Planejamento e Projetos de Mobilidade Urbana da Trensurb, Frank Alves Ferreira vê duas razões principais para o esvaziamento dos vagões: a crise econômica nacional, que tende a reduzir as viagens realizadas a trabalho ou para estudo (perfil mais comum sobre os trilhos) e os reajustes de tarifa que incidiram nesse mesmo período. O bilhete aumentou de R$ 1,70 para R$ 3,30 em 2018 e, no ano passado, chegou a R$ 4,20.
— Nossa demanda é diretamente relacionada à economia. Quando está aquecida, aumentam as viagens, mais pessoas têm emprego, saem para compras, para estudar. O desemprego impactou na demanda, enquanto a tarifa subiu. Temos também transformação na forma de vida das pessoas, que fazem mais coisas pela internet em vez de sair de casa — avalia Ferreira.
Uma das principais saídas apontadas para recuperar o usuário perdido é reforçar a integração com outros meios de transporte em um número maior de municípios. A empresa informa que vai buscar ampliar o leque de parcerias com mais prefeituras da Grande Porto Alegre e com o Estado, no caso de linhas metropolitanas de ônibus, para oferecer mais integrações tarifárias.
— Melhorar o sistema integrado é um ponto-chave. Não depende apenas de nós, mas isso deverá ser buscado daqui para frente — afirma Ferreira.
A pesquisa anual de satisfação realizada com usuários do trensurb dá pistas de que outros problemas podem estar dificultando a retenção dos passageiros. O relatório do levantamento mais recente, relativo a 2019, conclui que "há degradação do sistema em relação a anos anteriores, demonstrando claramente uma insatisfação do usuário. Insatisfação essa com itens que deveriam funcionar regularmente como escadas rolantes, elevadores, com a infraestrutura dos banheiros, com a segurança dentro das estações e fora delas, como passarelas de acesso e terminais de integração".
O índice de satisfação geral dos passageiros caiu de 83,8, em 2014, para 70,4, no ano passado. Assim, seria preciso também melhorar condições de uso e infraestrutura para voltar a atrair usuários. A Trensurb informa que "trabalha em projetos para modernização e adequação da acessibilidade nas estações, mas depende da liberação de recursos orçamentários para execução desses projetos".
Ciclovia triplica o uso de bicicletas, mas malha ainda é pequena
Porto Alegre está longe de contar com um sistema abrangente de ciclovias, mas os investimentos realizados nos últimos anos confirmam o caminho a seguir para popularizar a bicicleta como meio de transporte. Contagens realizadas em pontos da cidade revelam que a instalação de uma via própria para as bikes provoca salto significativo no número de pessoas pedalando.
Um dos pontos estudados pela EPTC, o cruzamento da Avenida Erico Verissimo com a Rua Botafogo é um exemplo desse fenômeno. Antes da implantação da ciclovia no local, em média eram realizadas cem viagens diárias sobre duas rodas por ali. Depois da separação do espaço para o ciclista, em 2016, o uso aumentou para 359 viagens registradas em fevereiro deste ano — um crescimento de 259%, ou cerca de três vezes e meia.
Outra esquina analisada — entre as avenidas Ipiranga e Erico Verissimo — mostra desempenho semelhante. Quando havia apenas a ciclovia da Ipiranga, passavam por aquele ponto 535 bicicletas por dia. A implantação de outro trecho transversal ao longo da Erico ampliou ainda mais a demanda e se chegou a 886 viagens — ou 65,5% mais. Os dados indicam que, no caso da bicicleta, investir em infraestrutura é fundamental.
— Onde estamos implantando faixa exclusiva de ônibus e é possível colocar ciclovia, estamos colocando. A Goethe foi assim, a Paulo Gama com Luiz Englert. Já adotamos aí o conceito de ruas completas, que é priorizar pedestre, transporte coletivo, modo ativo de deslocamento e a diminuição do espaço para os carros — afirma o secretário de Mobilidade, Rodrigo Tortoriello.
Mas a dificuldade de orçamento dos últimos anos limita a expansão. Os 53 quilômetros já feitos ou em implantação representam pouco mais de 10% dos 495 quilômetros de ruas e avenidas aptos a receber ciclistas conforme estudos que embasaram o Plano Diretor Cicloviário Integrado da cidade.
Depois que reorganizou seu sistema e modificou a localização de estações, a BikePOA também vem registrando crescimento expressivo. O número de viagens saltou 55% em 2019 em comparação com 2018 e chegou a 900 mil ao longo de todo o ano. CEO da Tembici, responsável pelo serviço, Tomás Martins conta que a redistribuição dos equipamentos foi realizada mediante metodologia desenvolvida pela empresa que leva em conta densidade residencial e comercial de cada região, proximidade com transporte público e ciclovias.
— Temos um time de planejamento e urbanismo que analisa todas essas questões e define o melhor local para as estações — afirma Martins.
O especialista em transporte Luiz Antonio Lindau sustenta que o tipo de aparelho oferecido também pode ampliar o uso na Capital. Como a cidade tem uma geografia acidentada, a oferta de bicicletas assistidas (que combinam pedaladas com motorização, para facilitar o deslocamento em subidas, por exemplo) é uma aposta para os próximos anos.
— Não podemos falar muita coisa por enquanto, mas as bicicletas assistidas são uma tendência mundial e já está sob nossa análise — confirma Martins.
Catamarã se recupera, patinetes dão adeus
Enquanto as bicicletas se proliferam na Capital, outra modalidade alternativa deu adeus à cidade. As patinetes de aluguel oferecidas pela empresa Grow deixaram de circular no começo deste ano. A empresa informa, por meio de nota, que a retirada estratégica ocorreu para "buscar melhor performance".
O secretário de Mobilidade, Rodrigo Tortoriello, avalia que faltou uma melhor "modelagem" do negócio para se manter em Porto Alegre:
— Era uma coisa muito nova, que no Exterior ainda está se acomodando, e os modelos de negócio ainda têm de amadurecer. Corremos, fizemos regulamentação, mas o problema não é da cidade. É do modelo de negócio que tem de amadurecer.
Já o transporte via catamarã entre a Capital e Guaíba, após também amargar perda de usuários entre 2015 e 2018, começou a registrar sinais de recuperação no ano passado. O número de bilhetes vendidos aumentou de 752 mil para 820 mil entre 2018 e 2019. O transporte pelo Guaíba tem integração operacional com o trensurb, já que as estações ficam próximas, e permite o uso do cartão TEU dos ônibus intermunicipais, mas ainda há espaço para melhorias.
— O ideal seria integrar também com o cartão TRI, ou termos um cartão que servisse para todos os ônibus e o catamarã — analisa o diretor de Operações do grupo Ouro e Prata, ao qual pertence a Catsul, operadora do catamarã, Carlos Bernaud.
A EPTC e a empresa não descartam a possibilidade de ampliar as viagens com mais pontos de parada na Capital (atualmente, há embarque e desembarque no Centro e próximo ao BarraShoppingSul), mas isso ainda depende de estudos. O contrato atual da Catsul é com o Estado. Para se criar um sistema de transporte municipal, seria preciso lançar nova licitação.
— O custo do transporte por água é um pouco mais alto. Teria de ter vantagem de preço ou de tempo — afirma Bernaud.