Para combater a sequência de assassinatos em outubro em Caxias do Sul, que teve 26 mortes, as forças policiais miraram as cadeias. O trabalho de inteligência resultou na transferências de 10 detentos. Eles são apontados como lideranças e facções e são investigados como os mandantes dos homicídios. A estratégia teve resultado em curto prazo: foram "apenas" cinco assassinatos em novembro e uma morte na primeira quinzena de dezembro. O último crime aconteceu no dia 2 — são 13 dias sem mortes.
É importante notar que as transferências não foram uma ação isolada. Diante do pico de homicídios, Caxias do Sul recebeu mais policiais, foram realizadas diversas apreensões para reduzir o poder de fogo criminoso — incluindo diversas submetralhadoras e até uma fábrica clandestina de armas — e houve dois confrontos com a Brigada Militar que terminaram com 10 criminosos mortos. Ainda assim, o afastamento dos líderes é visto com ponto central para conter as facções.
— São estes dois fatores. O reforço de outros batalhões e o esforço para mostrar mais policiais nas ruas foi essencial. E a a concretização das transferências do sistema prisional. Era algo que já se desejava e se requeria, principalmente pela Polícia Civil. As lideranças destas facções são responsáveis pela maioria destes homicídios — opina o major Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
Apesar de necessárias, estas prisões, apreensões e a chegada de mais policiais são medidas temporárias. Já a estratégia de afastar os líderes de seus locais de domínio tem sido o principal recurso das forças de segurança gaúchas diante do poder criminoso dentro das cadeias. O exemplo principal é a Operação Pulso Firme, de 2017, que transferiu 27 líderes de facções do RS para prisões federais. Desde então, as transferências em grupo se tornam cada vez mais comuns.
— Identificar lideranças que podem estar contribuindo, na situação de mandante, para o aumento da violência é um movimento que tem mostrado efeitos na redução dos índices. São células criminosas que estão dentro dos presídios e as transferências criam um vácuo de poder, o que faz estas organizações se desarticulem. É uma medida extremamente necessária e eficaz — aponta a promotora Alessandra Moura Bastian da Cunha, que atua na Execução Criminal na Serra.
Transferências criam vácuos de poder
A escolha sobre quais presos seriam transferidos aconteceu em uma reunião no dia 3 de novembro. Há meses, Polícia Civil e Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) já conversavam sobre lideranças negativas dentro das cadeias caxienses. O pico de homicídios serviu para convencer os demais órgãos de segurança da necessidade da medida. Dois dias depois, a força-tarefa aconteceu.
Dentro do Apanhador, o alvo eram cinco líderes. Contudo, outros dois apenados se rebelaram e também foram removidos. A oitava transferência aconteceu em um presídio de Jacuí, de um investigado descrito como liderança estadual.
Esse preso de Jacuí e mais um de Caxias do Sul foram encaminhados para Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), que apresenta a melhor estrutura do Estado para isolar criminosos. Os demais detentos foram espalhados por presídios que, embora tenham o mesmo nível de segurança da Serra, tratam esses líderes como apenas mais um preso.
— No Apanhador, são 1,2 mil presos e as (três) galerias praticamente estão divididas por facções. Na Galeria A é os membros da facção A. Então, eles convivem no grupo deles e naturalmente surgem líderes. Quando é levado para outro presídio, esse líder encontra um outro grupo de pessoas que tem outros líderes. Ele não tem o mesmo poder, a mesma influência. Ele também não conhece a casa prisional e sua rotina. Consequentemente, ele tem mais dificuldade de ter acesso a celulares — aponta o delegado regional Paulo Rosa.
— É uma questão que vai além do celular, que é um instrumento. A remoção dificulta o acesso as visitas, a outro apenado que está prestes a sair (do cárcere). Com toda uma massa carcerária que é subordina a ti, pois é um líder local, tu tens muito mais acessos. Quando afastado deste meio que tem esta influência, ele perde esse poder. O efeito é de desvincular. Criar vácuos de poder — ressalta a promotora Alessandra.
A identidade dos transferidos não é divulgada oficialmente em razão da legislação sobre abuso de autoridade. Apesar de serem condenados, reincidentes e estarem cometendo delitos dentro do cárcere (com acesso a drogas e celulares), eles são investigados por um novo delito: organização criminosa.
— Eles tem uma idade média que varia de 25 a 35 anos. E adquiriram esta liderança por este "tempo de trabalho". Tanto que estão dentro do sistema prisional por mais de uma condenação. Em regra, são crimes de tráfico de drogas, roubos e homicídios. Agora, dentro da cadeia, são mandantes de outros homicídios — descreve o delegado Paulo Rosa.
Na semana passada, uma segunda operação transferiu mais dois presos da penitenciária no Apanhador e outro do presídio de Bento Gonçalves. Na ocasião, também foram apreendidos diversos celulares para auxiliar nas investigações. Antes, no dia 10, a Operação Teiniaguá, da Polícia Federal, prendeu um foragido em Lajeado e apontou outros dois apenados da Serra líderes de um esquema de tráfico internacional de drogas. Esses três também agiam dentro de presídios e eram alvos de investigações.
A Polícia Civil afirma que o monitoramento contra o crime organizado é permanente e que é preparado um inquérito com o mapeamento das facções. A intenção é fazer um trabalho semelhante ao da Operação Fratelli, deflagrada em abril de 2017, que resultou em 13 condenados a 112 anos de prisão. A investigação também buscará mais remoções e tenta incluir líderes da Serra nas transferências para penitenciárias federais.
Pico de homicídios em outubro é considerado pontual
Os 26 assassinatos em outubro representam 25% do total registrado em 2020 em Caxias do Sul. O segundo mês com mais mortes é abril, que teve 16. Este pico de assassinatos foi definido como um acirramento pontual de conflito entre grupos criminosos na Serra, durante o balanço dos indicadores criminais pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP).
Segundo a investigação policial, a guerra de facções iniciou da forma "tradicional": um grupo invadiu e passou a vender drogas em um bairro que é dominado por rivais. A retaliação é o ataque a pontos de tráfico rival. Só que um evento chocou a todos: a execução de uma família no bairro Jardim Iracema. Matar uma criança de quatro anos e uma mulher grávida desrespeita as regras do próprio crime. A guerra do tráfico virou barbárie, com decapitações, corpos queimados e homicídios.
O saldo foram a elevada taxa de mortes em 25 dias. As mortes também envolveram outras cidades, como Farroupilha — que também envia seus presos para o Apanhador —, Bento Gonçalves e Carlos Barbosa — onde um corpo foi encontrado decapitado e carbonizado.
A Delegacia de Homicídios de Caxias do Sul aponta que a maioria destes assassinatos já tem autoria esclarecida. Em novembro, a Polícia Civil prendeu cautelarmente 18 pessoas e apreendeu mais três adolescentes por envolvimento em crime de homicídios.