Uma comunidade vivendo pela metade. Em Galópolis, o bairro de Caxias do Sul mais impactado pelos estragos da chuva, e com sete mortes confirmadas devido aos deslizamentos de terra que atingiram o local, quase 50% da população precisou deixar suas casas em função do risco de novos desmoronamentos. De 450 famílias que moram na zona urbana da comunidade, 220 saíram e aguardam pela liberação da prefeitura para retornarem.
Desde a madrugada da última quinta-feira (2), os moradores de 170 casas em áreas de risco foram orientados a evacuar o local. Com medo do cenário, pelos menos outras 50 fora do perímetro estabelecido também optaram por evacuarem temporariamente o bairro.
O geólogo da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) de Caxias do Sul, Caio Torques, permanece em Galópolis com a equipe da prefeitura acompanhando a movimentação do solo, onde nesta terça-feira (7) foi realizado novo levantamento. De acordo com ele, a fenda aberta na parte superior da encosta está em situação melhor do que o esperado.
— Fizemos uma sondagem para verificar a extensão do material. É bem mais tranquilo do que poderia ser. Não tem muito risco de descer morro abaixo. Na manhã desta quarta-feira (8) vamos fazer um rompimento controlado lá da encosta. Fazer com que a parte de cima desça aos poucos, antes das chuvas previstas, para que depois se consiga liberar as casas — projeta Torques.
Situação diferente da parte inferior que, com o acúmulo de água muito acima do normal verificado, sofreu uma ruptura que provocou a evacuação das famílias e deixou quatro casas com a estrutura completamente comprometida.
— Naquele trecho, vimos que não teve alteração significativa. É uma área com mais ou menos 10 mil metros cúbicos de solo que apresenta movimentação. Esse local já rompeu. Algumas casas já estão até ruindo. Mas agora não vai ter um deslizamento grande, porque é uma elevação menor. Só que pode piorar com as chuvas. O volume de chuva previsto é muito grande. Então, a situação pode piorar durante a semana, quando as chuvas serão mais volumosas — ressalta.
Geólogos acompanham situação da região
O que aconteceu com o solo em Galópolis para causar os desmoronamentos e rachaduras que levaram à evacuação de metade da população é alvo de discussão entre os geólogos do município. Profissional do setor e ex-secretário do Meio Ambiente de Caxias, Nério Jorge Susin afirma que a movimentação do relevo é esperada, mas a quantidade de água recebida pelo terreno não permitiu ao local se manter estável.
— Aquela área não tinha apresentado nenhum sinal de movimento. Mas é uma área sensível e é difícil prever quando vai acontecer. Nós chamamos de movimento gravitacional de massa, tem uma gravidade sobre uma determinada parte do terreno. Então, é uma coisa natural. Agora, o que não é natural é a quantidade de água que tem caído em espaço de tempo tão curto — opina o geólogo.
Sobre o retorno das pessoas às áreas evacuadas, Susin reforça a necessidade de não criar pânico entre a população e que o trabalho dos envolvidos tem a responsabilidade que o momento exige.
— Nós temos de passar tranquilidade. Existem movimentos que vão continuar existindo, e precisamos ficar muito atentos a rachaduras, árvores que estejam se inclinando, situações que demonstrem que aquele solo está se movimentando. Quando se reconhece isso, a melhor coisa é sair. Nesse sentido, a Semma reconheceu o perigo e pediu para evacuar imediatamente toda aquela parte do bairro. Uma situação de prevenção. E só vai liberar quando tiver absoluta certeza de que aquela área está segura — aponta.
Questionado se houve negligência de algum setor envolvido, Susin é direto ao descartar.
— Ali não teve. Nós vivemos em uma região que isso pode acontecer em algum momento — encerra.
Necessidade de estudo e investimento
Para evitar novos desmoronamentos com o tempo, somente com investimentos e um estudo de contenção específico para Galópolis. Esse é o posicionamento do geólogo Sérgio Roberto Mattana.
— Vão ter de pegar foto aérea, os satélites, ver como está. Examinar e pensar em como conter e preservar toda aquela região para que não desça mais nada. Só assim garantimos a vida do pessoal lá embaixo — define o profissional.
Para Mattana, com as mudanças climáticas consolidadas, a realidade na Serra precisa ser compreendida. Ele lembra dos episódios de excesso de chuvas, entre setembro de 2023 e abril deste ano, que comprovariam o cenário.
— Só que agora foi catastrófico. Uma coisa muito diferente do que aconteceu no ano passado. O fator preponderante (dos deslizamentos) é basicamente a quantidade de chuvas. E com a quantidade de chuva os solos ficam encharcados, o que aumenta demais a pressão que existe, o peso deles, que muitas vezes liquefazem, causando rachaduras e desabamentos — relata Mattana.
O geólogo acrescenta que os desmoronamentos de encostas não são exclusividade de Galópolis. Ele afirma que vários locais da Serra estão apresentando o mesmo panorama.
— É em todos os locais. Ontem, me ligaram de Nova Pádua. Estão assustados lá, tem uma área que desabou, baixou bastante. Eu disse para evacuarem a região. É a única solução. Falam em 700 milímetros de chuva em uma semana. Isso significa colocar 700 litros em um metro quadrado de uma vez só — conclui.