Antes mesmo que os buracos se tornassem o principal problema das rodovias que cortam a Serra, outros fatores já eram alvo de reclamação dos motoristas. A falta de duplicações e, principalmente, entroncamentos defasados ajudaram a eleger pontos emblemáticos no trânsito da região. Boa parte desses cruzamentos e acessos ficam na BR-470 e ganharam fama pelo alto número de acidentes e mortes. Com a implantação das concessões nas rodovias da Serra, a construção de viadutos será obrigatória em pontos como o entroncamento da BR-470 com a RS-453 (trevo da Telasul), em Garibaldi, e a junção da BR-470 com a RS-444, no acesso ao Vale dos Vinhedos em Bento Gonçalves.
No trevo da Telasul, por exemplo, o entroncamento será reformulado para se adequar à pista dupla tanto da BR-470, quanto da RS-453, contando com uma elevada ligando uma rodovia à outra. A obra está orçada em R$ 10,53 milhões e terá que iniciar até 2026 (quarto ano de contrato). Em 2017, o ponto ganhou uma rótula alongada e pistas duplas, o que ajudaram a reduzir acidentes e melhorar o fluxo. Contudo, a medida sempre foi apontada como solução paliativa para um dos cruzamentos mais movimentados da Serra.
O acesso ao Vale dos Vinhedos, um dos destinos turísticos mais importantes da região, também terá um viaduto até 2026, reorganizando um entroncamento de grande movimento e cruzamentos em nível. A obra está orçada em R$ 2,5 milhões.
Essas obras serão implantadas na medida em que trechos da rodovia serão duplicados. A BR-470 ganhará pista dupla em três fases, sendo a primeira no quarto ano de contrato contemplando justamente os três quilômetros mais próximos a Bento Gonçalves. No ano seguinte, 2027, será a vez de 5,3 quilômetros, entre a RS-453 o trevo da Telasul e o entroncamento com a RS-813, segmento que também ganhará viadutos e rótulas nos principais acessos. Já no sexto ano de contrato será a vez do trecho entre a RS-813 e o início da RS-446, em Carlos Barbosa.
Atualmente administrado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (Dnit), os 13 quilômetros da BR-470 que serão concedidos apresentam condições melhores de conservação em relação às rodovias estaduais da região. No último dia 7, a reportagem percorreu a rodovia e constatou ausência de buracos e sinalização visível na maior parte do trecho. Alguns segmentos apresentam apenas ondulações na pista. É perceptível, no entanto, a defasagem da rodovia em relação ao atual fluxo de veículos.
Morador de Bento Gonçalves, o caminhoneiro André Belatto, 39 anos, circula pelas rodovias da região tanto a trabalho como a lazer. Ele considera as duplicações um sonho distante, mas concorda com a implantação de pedágios para ter estradas em melhor estado.
— No meu ponto de vista seria uma boa. Vai ter gente que não concorda, mas vai mudar a conservação da estrada totalmente — avalia.
Mudanças também na RS-446
Trecho fundamental para quem segue da Serra à Região Metropolitana de Porto Alegre, os 14 quilômetros da RS-446, entre Carlos Barbosa e São Vendelino (uma continuação da BR-470) também terão que passar por mudanças significativas. A principal delas é a duplicação de todo o segmento, que ocorrerá em duas etapas. A primeira, na área urbana de São Vendelino, ocorrerá até 2025 e o restante terá que ser realizado até seis anos depois.
Além de pista simples, atualmente todo o trecho tem péssimo estado de conservação, com buracos, deformidades no asfalto e sinalização deficiente. Onde há pavimento recuperado recentemente, as faixas não foram pintadas.
A duplicação da rodovia também exigirá a construção de novas pontes e viadutos ao lado dos atuais, além da revisão e reforço do que já existe, em um investimento total de R$ 71,7 milhões ao longo da concessão. O trecho ganhará ainda novos entroncamentos, como uma passagem inferior e ruas laterais na área urbana de São Vendelino e uma rótula alongada no km 7, próximo à empresa ACD Plásticos. No entroncamento com a BR-470 (para quem vai a Montenegro), a rodovia ganhará um sistema de alças com viaduto, orçado em R$ 5,4 milhões e que será implantada no nono ano de contrato.
Também é na RS-446 que ficará o pedágio de Carlos Barbosa, previsto para ser implantado no km 11. A praça ficará a poucos metros da Tenda e Lancheria da Serra, mantida há sete anos por Dalva Alban, 43. Enquanto o modelo de pedágios é debatido, a comerciante, que mora praticamente ao lado do estabelecimento, demonstra preocupação a respeito dos procedimentos que terá que adotar - caso ela tenha que realocar o comércio e a casa. No entanto, ela não se opõe à ideia dos pedágios, mesmo que seja diretamente afetada.
— Sou totalmente a favor. Acredito que favorece a todos, independente de remoção de comércio. Acho que todos saem ganhando. Não posso pensar só em mim — argumenta.
Assim como outros pedágios que não existem atualmente, a cobrança no ponto somente poderá começar em 2023, um ano após a assinatura do contrato. O leilão para selecionar a concessionária que atenderá o bloco 3, da qual o eixo BR-470/RS-446 faz parte, está previsto para dezembro.
R$ 422 milhões em 30 anos
A construção e melhorias em viadutos, rótulas e vias laterais nos 27 quilômetros que compreendem os trechos da RS-446 e BR-470 tem custo total orçado em R$ 139,9 milhões. Todas as obras precisam ocorrer nos 10 primeiros anos de contrato, seguindo o ritmo de duplicações.
A implantação de pistas duplas na RS-446, por exemplo, ocorrerá em 2025 (terceiro ano de contrato) na área urbana de São Vendelino e até 2031 no trecho restante. A ampliação dos 14 quilômetros da rodovia tem custo estimado em R$ 56,86 milhões. Já a BR-470 terá duplicação em três fases, entre 2026 e 2028. Uma quarta fase, prevista para 2041, determina a triplicação do trecho que vai do acesso ao Vale dos Vinhedos ao trevo da Telasul. Serão aportados, ao todo, R$ 88 milhões nos 13 quilômetros da rodovia que serão concedidos.
Vale lembrar, contudo, que o contrato exige investimentos em recuperação e manutenção constantes, que também exigirão aportes milionários, especialmente nos primeiros anos. Isso fará com que o investimento total nas duas rodovias alcance R$ 422 milhões ao longo dos 30 anos de concessão, sendo R$ 220 milhões apenas na RS-446.
O que está previsto
BR-470
- Manutenção constante e recuperação, com custo estimado em R$ 58 milhões em 30 anos.
- Serviços de apoio aos motoristas, como guincho e ambulância.
- Duplicação de todo o trecho entre o acesso ao Vale dos Vinhedos e a RS-446 entre o quarto e o sexto ano de contrato, com custo previsto de R$ 79,42 milhões.
- Implantação de terceira faixa em cada sentido do acesso ao Vale dos Vinhedos até o entroncamento com a RS-453 no 19º ano de contrato. O custo estimado é de R$ 8,62 milhões.
- Viadutos no acesso ao Vale dos Vinhedos, nos entroncamentos com a RS-453 (trevo da Telasul e saída para Venâncio Aires), no acesso a Garibaldi e no entroncamento com a RS-813. O custo das obras, juntas, é de R$ 44,65 milhões
- Novos entroncamentos no km 225 (próximo à Chandon), no km 226 (Posto do Avião) e no km 230 (acesso a Carlos Barbosa). Todos com viadutos. O valor somado é de R$ 11,2 milhões
- Total de investimento previsto em 30 anos no trecho concedido (13 quilômetros): R$ 202 milhões.
RS-446
- Manutenção constante, recuperação, contenções e monitoramento de encostas, com custo estimado em R$ 77 milhões em 30 anos.
- Serviços de apoio aos motoristas, como guincho e ambulância.
- Duplicação de um quilômetro em São Vendelino no terceiro ano de contrato e dos 13 quilômetros restantes no nono ano, com custo previsto de R$ 56,86 milhões.
- Implantação de rua lateral em São Vendelino no terceiro ano de contrato, orçada em R$ 1,6 milhão.
- Construção de novas pontes e viadutos ao lado das atuais, devido à duplicação. Estruturas existentes também terão alargamento e reforço. Valor total estimado é de R$ 71,7 milhões.
- Construção de rótulas alongadas no entroncamento com a BR-470 (saída para Montenegro) e no km 7, próximo à empresa ACD Plásticos. Custo total: R$ 8,3 milhões
- Novo viaduto sobre a Rua da Ponte, na área urbana de São Vendelino: R$ 1,3 milhão
- Pedágio no km 11, com operação a partir de 2023. As tarifas iniciais estão previstas para ficar entre R$ 5,10 e R$ 6,81.
- Adequações em 20 pontos de ônibus.
- Adequação em 1 acesso a estabelecimento.
- Total de investimento previsto em 30 anos: R$ 220 milhões.
O que dizem os prefeitos
Os 27 quilômetros do eixo BR-470/RS-446 que serão concedidos cruzam os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi, Carlos Barbosa e São Vendelino. Confira o que dizem os prefeitos dos municípios:
- O modelo é correto, tem lógica, mas antes de qualquer coisa tem que ter muita conversa com a população para saber o que a região quer. Temos que reconhecer que as estradas não melhoraram nos últimos 20 anos. Temos que mudar a forma de tratar as rodovias para que tenhamos investimentos, sem ficar à mercê de governos. É difícil ter convergência de todos. Para Bento Gonçalves, precisamos ter duplicação até Caxias e até Porto Alegre. As conversas têm andado bem, com bastante maturidade. Diogo Siqueira (PSDB), prefeito de Bento Gonçalves.
- Na minha avaliação, o desconto na tarifa não deveria ser limitado a 25% (sobre as regras de escolha da concessionária). O Estado já está realizando a concessão, acredito que poderia deixar livre a tarifa para beneficiar os usuários. Outro ponto importante é a cobrança da outorga (valor a ser pago pela empresa ao Estado), que no meu ponto de vista não favorece o usuário e nem os municípios porque o Estado cede as estradas por um valor estimado e a manutenção ficará a cargo dos usuários. Neste ponto também, o dinheiro arrecadado com outorga não garante investimentos na região, pode ser arrecadado aqui e ser investido em qualquer outra região do RS. Minha maior preocupação é a questão das interseções, pois não está claro no projeto quais serão, e isso representa um fator importante para os municípios. Alex Carniel (Progressistas), prefeito de Garibaldi.
- Se o preço for justo e acessível a todos, é interessante. Sobre o pedágio, não se sabe bem certo qual a posição. Foi mencionado o km 11, mas aquele ponto tem encosta que em períodos de chuva acaba descendo e trancando a rodovia. O ideal seria outro ponto, mais próximo de São Vendelino. Queremos que os investimentos comecem pela cidade onde ocorrerá a cobrança, que seria o mais justo e também pedimos que a duplicação entre Carlos Barbosa e Bento Gonçalves ocorra nos cinco primeiros anos. Precisa ser revisto a questão da outorga, é um sistema injusto. Que se amplie o desconto sobre o valor base da tarifa (para a escolha da concessionária). Considero que um valor justo para carro seria R$ 4 por lado. O debate poderia ser ampliado nas comunidades. Poderia ser um pouco mais longo e ser melhor esclarecido os investimentos que serão feitos. As reuniões têm poucas informações concretas. Everson Kirch (Progressistas), prefeito de Carlos Barbosa.
- Estamos sendo muito injustiçados. Na parte de cima da Serra não vai ter nenhum pedágio e lá tem movimento. No começo eu até tinha afinidade de propor que fosse em São Vendelino, mas imaginava que fosse como a EGR, que isenta os moradores. Não teremos mais respiração, só poderemos ir para Feliz sem pagar. Empresários querem estradas melhores, não se importam em pagar. Mas temos que o olhar o todo. Para mim, teria que continuar com a EGR, absorvendo as estradas da Serra e caprichar. Tendo terceira faixa (na Serra) e estando bem cuidada e bem feita, já estaria adequado. Marlí Lourdes Oppermann Weissheimer (PTB), prefeita de São Vendelino.