Quando se trata da opinião de moradores da Serra gaúcha a respeito das rodovias estaduais, uma unanimidade é certa: todos concordam que as condições atuais são inaceitáveis e precisam de melhorias urgentes. A forma de chegar a essa solução, no entanto, é que toma caminhos diferentes quando o tema entra em debate.
No momento em que se discute o novo modelo de pedágios proposto pelo Estado, há quem aceite pagar tarifa na esperança de rodar por estradas melhores. No entanto, há também quem desconfie desse sistema, após 15 anos traumáticos de uma concessão que não contribuiu com melhorias a longo prazo da infraestrutura da região. Essas discordâncias aparecem até mesmo quando se discute o trecho da RS-453, entre Farroupilha e Garibaldi, que tem promessa de duplicação mesmo sem uma praça de pedágio instalada no trecho.
No último dia 7, a reportagem percorreu os 21 quilômetros que interligam alguns dos principais polos econômicos da Serra. O trecho começa no entroncamento de saída para Porto Alegre, em Farroupilha, e segue até a junção com a BR-470, em Garibaldi. A maior parte do trajeto de pista simples e acessos que exigem o cruzamento das faixas de tráfego não condizem com o movimento da rodovia já há bastante tempo. E há quase uma década, os buracos se juntaram a esses elementos, gerando risco de acidentes, atrasando deslocamentos e travando a logística da região, além de aumentar custos.
— Resumindo em uma palavra, está terrível. Tem uns trechos bem ruins, você desvia de três buracos e cai em 10. Tem que melhorar muito a infraestrutura. Um pedágio pelo menos mantém a manutenção do asfalto, acaba sendo mais vantajoso do que arcar com a manutenção do caminhão — avalia o caminhoneiro William Monteiro da Silva, 30 anos, natural de Criciúma. Ele transporta material descartável quase diariamente entre a cidade catarinense e municípios gaúchos e cita a BR-386, no Rio Grande do Sul, como um exemplo de concessão bem sucedida.
No trecho de pista dupla, em Farroupilha, a RS-453 tem buracos e ondulações junto ao trevo com a Avenida Santa Rita e na rotatória de acesso a Caravaggio. É no trecho de pista simples, contudo, que os problemas mais graves aparecem. No km 117, por exemplo, próximo a dois postos de combustíveis, há diversos buracos e sinalização pouco visível. Logo à frente, em direção a Garibaldi, as condições melhoram, mas buracos voltam a aparecer no entroncamento com a RS-448, que dá acesso aos Caminhos de Pedra. Crateras também são um problema próximo ao trevo de acesso a Bento Gonçalves pela localidade de Barracão.
Somente a partir desse ponto o asfalto passa a apresentar boas condições. Mas aí o problema passa a ser a ausência de sinalização, nunca aplicada desde o último recapeamento. É neste trecho que Ivanor Pertile, 51 anos, mantém uma restauradora de veículos. Ele destaca a necessidade de melhorias, mas não acredita que uma concessão pode tirá-las do papel.
— O ideal é a duplicação mas, se não tem verba, pelo menos fazer mais terceiras faixas para desafogar, porque é muito mal conservada e tem muito fluxo. Pedágio é uma piada, é mais uma empresa que vem tirar o dinheiro de quem passa por essas rodovias sem ter nenhum conserto. É o mesmo modelo em Farroupilha, que não deu certo — argumenta.
O modelo de concessões está atualmente na fase de debates, com consulta pública aberta e audiências públicas marcadas. O leilão para seleção das concessionárias está previsto para ocorrer em dezembro e a assinatura de contrato está projetada para maio de 2022.
Investimentos de R$ 246 milhões
Ainda que não haja previsão de pedágios entre Farroupilha e Garibaldi, a proposta da concessão prevê investimento de R$ 246 milhões neste trecho da RS-453 nos próximos 30 anos. Somente a duplicação de todo o trecho de pista simples, que terá que começar até 2025, tem custo estimado de R$ 60,5 milhões. O custo será pago com o valor arrecadado nas praças de pedágio de outras rodovias, como a de Farroupilha, que ficará na descida da Serra, e de Carlos Barbosa, prevista para ser instalada na descida para São Vendelino.
Também no terceiro ano de contrato será implantada terceira faixa entre as proximidades da rótula de acesso a Caravaggio e o entroncamento de saída para Porto Alegre. Outros R$ 43 milhões estão previstos para serem aplicados em melhorias, como a remodelação no acesso a Caravaggio e uma rótula alongada no entroncamento com a RS-448, além de duas passarelas (veja abaixo). Todos os investimentos estão previstos para ocorrer até 2025. O valor restante, de R$ 132 milhões, será destinado principalmente para recuperação e manutenção, entre outros investimentos.
O motorista que percorrer a rodovia também terá à disposição serviços como ambulância e guincho, para o caso de imprevistos.
O que está previsto
- Manutenção constante e recuperação, com custo estimado em R$ 132 milhões em 30 anos.
- Serviços de apoio aos motoristas, como guincho e ambulância.
- Duplicação de todo o trecho de pista simples no terceiro ano de contrato, com custo previsto de R$ 60,5 milhões.
- Implantação de terceira faixa em cada sentido das proximidades do acesso a Caravaggio até o entroncamento de saída para Porto Alegre, também no terceiro ano de contrato. O custo estimado é de R$ 10,46 milhões.
- Novo entroncamento próximo do acesso ao Santuário de Caravaggio, no quarto ano de contrato, com custo de R$ 7 milhões.
- Construção de seis rótulas alongadas, com custo total de R$ 17,3 milhões até o terceiro ano de contrato. Entre os pontos que ganharão as melhorias estão o entroncamento com a RS-448 e a localidade de Burati.
- Construção de duas passarelas no terceiro ano de contrato. Uma próximo do acesso a Caravaggio e outra na localidade de Burati, com custo de R$ 930 mil cada uma.
- Adequações em 26 pontos de ônibus.
- Adequação em 12 acessos a estabelecimentos.
- Total de investimento previsto em 30 anos entre Farroupilha e o entroncamento com a BR-470, em Garibaldi: R$ 246 milhões.
- Entre Garibaldi e o Vale do Taquari, a RS-453 terá aporte de R$ 649 milhões ao longo da concessão. No trecho da Serra estão previstos dois novos acessos e duas passarelas na região de Garibaldi, entre outros investimentos.
O que dizem os prefeitos
O trajeto da RS-453 que será duplicado cruza os territórios de Farroupilha e Garibaldi, mas também é um acesso fundamental a Bento Gonçalves. O prefeito de Farroupilha, Fabiano Feltrin (Progressistas) já havia se posicionado contra as concessões de rodovias, especialmente se houver pedágio no município (nesse caso, na descida da Serra). O prefeito de Bento, Diogo Siqueira (PSDB), afirma que o modelo é correto, mas é preciso conversar muito com a população.
Já o prefeito de Garibaldi, Alex Carniel (Progressistas), entende que o leilão não deveria impor limite de desconto de 25% na tarifa para selecionar a concessionária vencedora, conforme previsto no modelo. Ele também discorda da cobrança de outorga (valor a ser pago pela concessionária ao Estado pelo direito de explorar as rodovias). Veja abaixo as manifestações dos prefeitos.
- Pedagiamento é o atestado da incompetência, pois se já tivessem feito as reformas, as privatizações necessárias e enxugamento da máquina pública, até poderíamos sentar para avaliar. Mas as gestões incompetentes fazem isso. Ou seja, colocam a mão no bolso do contribuinte. Sorrateiramente. Como sempre. Lamentável - Fabiano Feltrin (Progressistas), prefeito de Farroupilha.
- O modelo é correto, tem lógica, mas antes de qualquer coisa tem que ter muita conversa com a população para saber o que a região quer. Temos que reconhecer que as estradas não melhoraram nos últimos 20 anos. Temos que mudar a forma de tratar as rodovias para que tenhamos investimentos, sem ficar à mercê de governos. É difícil ter convergência de todos. Para Bento Gonçalves, precisamos ter duplicação até Caxias e até Porto Alegre. As conversas tem andado bem, com bastante maturidade - Diogo Siqueira (PSDB), prefeito de Bento Gonçalves.
- Na minha avaliação, o desconto na tarifa não deveria ser limitado a 25%. O Estado já está realizando a concessão, acredito que poderia deixar livre a tarifa para beneficiar os usuários. Outro ponto importante é a cobrança da outorga, que no meu ponto de vista não favorece o usuário e nem os municípios porque o Estado cede as estradas por um valor estimado e a manutenção ficará a cargo dos usuários. Neste ponto também, o dinheiro arrecadado com outorga não garante investimentos na região, pode ser arrecadado aqui e ser investido em qualquer outra região do RS. Minha maior preocupação é a questão das interseções, pois não está claro no projeto quais serão, e isso representa um fator importante para os municípios - Alex Carniel (Progressistas), prefeito de Garibaldi.