A unanimidade da proposta de conceder as rodovias da Serra, com a consequente instalação de pedágios, não era uma aposta nem mesmo do governo do Estado. Embora o modelo apresentado atenda a reinvindicações históricas, como a duplicação da RS-122, há quem se oponha à ideia de pagar tarifa. A rejeição de alguns é justificada pelo trauma de uma concessão com valores altos e poucos resultados, que vigorou até 2013.
A comunidade da região, no entanto, tem se mostrado aberta ao diálogo, na esperança de contar com rodovias melhores. E dentro do debate, as concordâncias e discordâncias seguem diversos caminhos, que precisarão ser avaliados pelo Piratini. Um dos principais pontos levantados nas discussões até agora são as localizações dos pedágios, que contam com diferentes opiniões conforme a localidade. As discordâncias são especialmente perceptíveis no que diz respeito à RS-122, onde quem depende de trechos esburacados se mostrou mais disposto a pagar para circular.
Na manhã de quarta-feira (23) a reportagem percorreu 149 dos 170 quilômetros da rodovia, um trajeto que liga Bom Princípio a Campestre da Serra, passando por São Vendelino, Farroupilha, Caxias do Sul, Flores da Cunha, Antônio Prado e Ipê. O trajeto começou nas proximidades do km 22,5, ponto proposto para a instalação de uma praça de pedágio em substituição às cancelas de Portão. A justificativa do Estado para a mudança é que o atual ponto de cobrança está dentro da área urbana do município, mas moradores de Bom Princípio apontam o mesmo problema caso a transferência se concretize.
— Hoje não arrumam nada e a mudança para cá vai dificultar as coisas. Tem bairros pequenos em Bom Princípio que o pessoal precisa levar os filhos na creche e teria que passar pelo pedágio. Nós também precisamos comprar coisas em Novo Hamburgo. Teria que ser um asfalto muito bom (para justificar a cobrança). Seria melhor que fosse em Portão ou em São Sebastião do Caí ou dessem isenção aos moradores — opina Alisson Dominski, 21 anos, que trabalha no restaurante do pai, às margens da rodovia, em Bom Princípio.
O ponto onde fica o restaurante de Dominski é atendido atualmente pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), com tarifas arrecadadas em Portão. As condições estão longe dos exemplos mais bem sucedidos de concessões, que costumam ter pavimento impecável e suporte constante aos motoristas. O tombamento de um caminhão no km 34, por exemplo, deixou a estrada em meia pista durante todo o dia na quarta-feira e o único auxílio foi do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM). No entanto, não há buracos, a sinalização é visível, os canteiros têm vegetação cortada e há pista dupla.
Diferença na conservação
O cenário da RS-122 muda ao subir a Serra, a partir do km 39, onde termina o trecho cedido à EGR. Desse ponto até o km 80, na saída de Caxias do Sul para Flores da Cunha, a sinalização desaparece, os buracos surgem e o pavimento apresenta deformações em diversos pontos. O trecho mais crítico fica no contorno norte de Caxias, onde a reportagem conversou com o caminhoneiro Jonas Lira, 33 anos. Morador de Flores da Cunha, ele transporta carros de uma a duas vezes por semana ao Sudeste do país e aponta as diferenças das estradas de lá com a RS-122.
— Para nós é bom o pedágio, desde que o valor não seja abusivo e haja suporte ao motorista. Tem que ter asfalto, sinalização, ponto de apoio. O pedágio de Flores da Cunha hoje não tem guincho, não tem um carro de apoio, se você ficar empenhado na Serra não tem sinalização. No centro do país, se você ficar empenhado, em 15 minutos chega alguém para te ajudar — observa.
Entre o km 80, na saída de Caxias do Sul para Flores da Cunha, e o km 128, no trevo de acesso a Antônio Prado, a RS-122 volta a ser administrada pela EGR e a rodovia volta a apresentar boas condições. O asfalto tem poucos defeitos e a sinalização se destaca no trajeto. No entanto, faltam dispositivos de segurança no trecho de serra e em acessos e o pavimento se deteriora nos oito quilômetros antes de Antônio Prado.
A situação, contudo, piora muito nos 42 quilômetros finais da rodovia, entre Antônio Prado e Campestre da Serra. Em diversos pontos há buracos e a vegetação encobre as placas que ainda possuem alguma informação visível. A situação piora a partir do km 150. Nesses pontos, as demarcações na pista até aparecem, mas estão desgastadas.
— Se for para a melhoria da estrada, acho bom, mas teria que pagar só uma via (sentido) — opina Raimundo Sandi, proprietário há 13 anos de um restaurante às margens da RS-122 na localidade de Porteirinha, em Ipê, que considera péssima a atual condição da rodovia no trecho.
Proposta deve ter mudanças
Com quatro praças de pedágio, a RS-122 deve ser a rodovia com a maior quantidade de pontos de cobrança em todo o pacote de concessões. A proposta inicial prevê a transferência do pedágio de Portão para o km 22,5, em Bom Princípio, e a manutenção da praça de Flores da Cunha. O km 50, da RS-122, entre Farroupilha e São Vendelino, e o km 11 da RS-446, entre São Vendelino e Carlos Barbosa, ganharão novos pedágios. Cancelas também estão previstas para o km 132, em Ipê (embora o Estado tenha anunciado como Antônio Prado).
Diante das discordâncias da comunidade e após conversas iniciais com prefeitos, o secretário de Parcerias do Estado, Leonardo Busatto, admite a provável mudança de local de duas praças. Em vez de Bom Princípio, o atual pedágio da região pode ir para um ponto entre Portão e São Sebastião do Caí ou para o trecho entre Bom Princípio e São Vendelino. Também é vista com bons olhos pelo secretário a mudança do pedágio de Ipê, do km 132 para o km 150, mais afastado da área urbana do município. A decisão final deve ser tomada somente após o período de discussões com a sociedade. O leilão está previsto para dezembro e a assinatura do contrato, para o primeiro semestre de 2022. Não há previsão de isenção a moradores das cidades onde terá pedágio.
Investimentos previstos na RS-122
- Manutenção constante.
- Serviços de apoio aos motoristas, como guincho e ambulância.
- Duplicação concluída da rodovia entre Farroupilha e São Vendelino até o quinto ano de contrato (com obras no quarto ano). O investimento também prevê o fim da curva da morte, com modificação do traçado.
- Implantação de terceira faixa em ambos os sentidos do trecho entre Caxias e Farroupilha a partir do 13º ano de contrato.
- Duplicação da rodovia no contorno norte de Caxias, entre o viaduto torto e a saída para Flores da Cunha no terceiro ano de contrato.
- Não há previsão de duplicação entre Caxias do Sul e Campestre da Serra, mas investimentos serão realizados, como acessos e implantação de passarelas, por exemplo.
- Implantação de uma passarela no terceiro ano de contrato, duas no quarto ano de contrato e outras duas no sexto ano de contrato
- Nova interseção no km 55, em Farroupilha
- Adequação ou implantação de 32 rótulas ao longo da rodovia
- Adequações em 140 pontos de ônibus
- Adequação em 24 acessos a estabelecimentos
Não há consenso entre prefeitos
As diferenças de opinião dos usuários conforme a região, também se refletem na visão que os prefeitos das cidades atendidas pela RS-122 possuem a respeito do modelo proposto. Dos chefes de Executivo consultado pela reportagem, apenas Fabiano Feltrin (Progressistas), de Farroupilha, se posicionou contra as concessões. Os demais até concordam com a instalação de pedágios, mas não há consenso com relação ao modelo a ser implantado e à localização das praças. A reportagem não conseguiu contato com o prefeito Roberto José Dalle Molle (Progressistas), de Antônio Prado. Confira:
- O km 22,5 (onde se propõe o pedágio de Bom Princípio) ficaria próximo à ponte sobre o Rio Caí. Moradores do bairro Bela Vista teriam dificuldade de ir até o centro. Essas pessoas teriam que pagar pedágio diariamente. Os prefeitos de São Sebastião do Caí e Portão também disseram que não querem lá. O Estado disse que vai tirar o pedágio de Portão porque está em área urbana, mas hoje a RS-122 já é quase totalmente urbana. A empresa que ganhar a licitação tem que realizar projetos, que tem custo elevado, mas, mas minha opinião, é de que deve baixar a tarifa mínima em relação aos R$ 7,07 previstos. Quanto maior for o valor do pedágio, menos as pessoas desviam — Fábio Persch (PSDB), prefeito de Bom Princípio, possível sede de um dos pedágios propostos.
- Estamos sendo muito injustiçados. Em uma reunião em Caxias, o secretário (Leonardo Busatto, de Parcerias do Estado) colocou claramente que na Serra só teria despesa quem fosse para Porto Alegre. Na parte de cima da Serra não vai ter nenhum pedágio e lá tem movimento. No começo eu até tinha afinidade de propor que fosse em São Vendelino, mas imaginava que fosse como a EGR, que isenta os moradores. Não teremos mais respiração, só poderemos ir para Feliz sem pagar. Empresários querem estradas melhores, não se importam em pagar. Mas temos que o olhar o todo. Para mim, teria que continuar com a EGR, absorvendo as estradas da Serra e caprichar. Tendo terceira faixa (na Serra) e estando bem cuidada e bem feita, já estaria adequado — Marlí Lourdes Oppermann Weissheimer (PTB), prefeita de São Vendelino, que pela proposta inicial terá todos os acessos pedagiados.
- Sou contra o pedágio em Farroupilha pois já pagamos injustamente por anos. Já demos a nossa contribuição se fosse o caso. Que coloquem em outro lugar, menos em Farroupilha, onde a população já sofreu o suficiente. Pedagiamento é o atestado da incompetência, pois se já tivessem feito as reformas, as privatizações necessárias e enxugamento da máquina pública, até poderíamos sentar para avaliar. Mas as gestões incompetentes fazem isso. Ou seja, colocam a mão no bolso do contribuinte. Sorrateiramente. Como sempre. Lamentável — Fabiano Feltrin (Progressistas), prefeito de Farroupilha, onde o modelo prevê pedágio próximo à curva da morte.
- Nossa região é muito carente de investimento. Não temos manutenção, o que dirá investimento. O que estamos avaliando e não concordamos é o deslocamento da praça de Portão para mais perto de São Vendelino. O entendimento é que vai ficar muito próximo de Farroupilha (na descida da Serra). A gente vê que o pessoal não está de acordo. A outorga (a ser paga pela concessionária ao Estado) também precisamos discutir melhor. Todo valor que se põe na conta vai ser rateado entre todos. Isso é uma questão que precisamos discutir antes, por isso falamos muito com prefeitos, para que fique tudo muito claro. Não tem almoço de graça. Os investimentos estão sendo bem trabalhados — Adiló Didomenico (PSDB), prefeito de Caxias, onde a RS-122 tem um dos piores trechos.
- Flores da Cunha é um dos únicos municípios da região que ainda tem uma praça de pedágio e está numa localização não tão boa. Essa é uma questão, que as novas praças sejam estudadas para que não limitem os municípios. Temos um pedágio que isola parte do município e o desenvolvimento acaba não acontecendo. A grande maioria (das pessoas), pelo estado das estradas, defende que sim, precisamos de concessão. Porém, desde que não seja no território do seu município. Teremos duas praças de pedágio (a outra está prevista para Ipê) e nos 30 anos não temos previsão de duplicação de nenhum trecho desse trajeto. É uma forma, dentro de um entendimento básico, de que estaremos financiando os investimentos e duplicações nas outras localidades. Mais uma vez acabamos sendo penalizados — Cesar Ulian (Progressistas), prefeito de Flores da Cunha, onde a atual praça deve ser mantida.
- Se for para ter melhorias, dentro de uma tarifa favorável, não é má ideia. No trecho entre Antônio Prado e Ipê passa toda a produção metalmecânica que a vai para o centro do país. Hoje, a rodovia está em péssimas condições, tem muitos buracos, problemas de sinalização e pontos que precisam de terceira faixa. É uma necessidade premente. A ideia principal do pedido de mudança (do ponto proposto para o pedágio do km 132 para o km 150) é fazer a proteção da malha urbana, porque ele ficaria entre dois trevos de acesso à cidade e os motoristas poderiam desviar. O km 150 é o meio do trecho. Quem pagar, vai utilizar toda a rodovia. A troca vai beneficiar tanto a concessão, quanto a cidade — Cassiano De Zorzi Caon (MDB), prefeito de Ipê, que deve sediar um dos pedágios da RS-122.